Sinopse:
O atentado de 11 de Setembro de 2001 tem sido abundantemente glosado. Mas este acontecimento, este “acontecimento-mutação” que transforma os pontos de referência e os critérios, obriga-nos a repensar algumas categorias gerais de uso corrente, para tentarmos compreender o que se passa e o que estamos a viver, para resistirmos ao fluxo impetuoso das evidências programadas e retomarmos o fôlego sem perdermos a lucidez.
Opinião de Marta Nogueira
Este minúsculo Diário de Guerra não é para ser lido de uma só acentada, como poderia parecer, mas foi escrito com o objectivo de nos provocar síndrome das pernas inquieras e obrigar-nos a levantar da cadeira e a mergulhar profunda e seriamente nos seus conceitos e reflexões.
Há uma afirmação que perpassa todo o livro, que Augé repete várias vezes e que resumo muito sinteticamente o tema deste Diário – após o 11 de Setembro a sombra de um sorriso aflorou a uma parte do mundo e Augé não se refere apenas ao mundo que alberga as nações em estado de guerra contra o Ocidente.
Ao contrário de muitos outros pensadores actuais, Augé pretende não apenas colocar o dedo na ferida, como esgravatar criteriosamente e retirar conclusões práticas. Porque é que existiu esse sorriso? Que lições deveremos retirar dele para prevenirmos repetições desses acontecimentos históricos que rasgam a aparente continuidade do tempo e nos forçam a rever o passado e a repensar o presente?
À luz dos recentes atentados ocorridos em Paris, em 2014 e este mês, o pequeno Diário de Guerra de Augé está actualizadíssimo e repõe no centro das reflexões sobre o tema, questões pertinentes e dolorosamente incisivas. O mundo nunca afirmou “I am New York”, como apaixonadamente proclamou “Je suis Charlie” e agora “Je suis Paris”. Porquê, pergunta Augé?
Na tentativa de responder à sua própria questão, o autor discorre sobre conceitos muitas vezes ouvidos mas nem sempre total ou sequer correctamente compreendidos – globalização, mundialização, colonização e descolonização, acontecimento, mutação. A filosofia, a política, a entologia e até a biologia servem para explicar não apenas a génese do fenómeno terrorista, as suas causas, mas também, talvez mais importante do que tudo, porque é que este maléfico “ismo” poderá dever a sua crescente investida pelo mundo ao próprio sistema contra o qual se desenvolveu, utilizando os seus próprios mecanismos, os seus próprios produtos para o atacar no coração.
Na verdade, Augé nada afirma que outros não tenham já dito e redito constantemente ao longo da quase vintena de anos que já nos separa do 11 de Setembro. Todos pensámos, mas não dissemos, talvez, de forma audível, algo como “Eles estavam a pedi-las ... Andaram a brincar com o fogo e agora o fogo bateu-lhes à porta, metafórica e literalmente ...” Augé di-lo com todas as palavras e apela a que enfrentemos o problema pela raíz. As consequêncuas da sua negação estão à vista e prometem não se ficar pelo “acontecimento”, mas tornar-se o hábito.
A leitura deste Diário de Guerra pode ser desafiante, formal e ideologicamente, mas é também esclarecedora e profundamente actual.
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