19 de novembro de 2015

Opinião - Black Hole - Charles Burns



Título: Black Hole 
Autor: Charles Burns
Editor: Pantheon Books

Sinopse: 
Subúrbios de Seattle, meados da década de setenta. Percebemos desde o início que uma estranha praga se abateu sobre os adolescentes da zona, transmitida através do contacto sexual. A doença manifesta-se de várias formas - desde o grotesco ao subtil (e dissimulável) - mas depois de a apanhar, não há volta a dar.
À medida que "habitamos" as cabeças de vários personagens-chave - alguns miúdos já estão infectados, outros não, outros em breve estarão - o que se desenrola não é a batalha esperada contra a doença, ou levar a uma maior consciencialização da mesma, ou até para a tratar. Em alternativa, o que testemunhamos é um retrato fascinante e misterioso da natureza da alienação na escola secundária - a selvajaria, a crueldade, a ansiedade e "ennui" sem tréguas, o desejo de escape. E então os assassínios têm inicio. 
Assim como de uma beleza hipnótica, quer horripilante (e, acreditem ou não, é auto-biográfico), Black Hole transcende o seu género explorando de forma hábil um momento cultural Americano especifico e os jovens que foram apanhados por ele - numa altura em que já não era fixe ser "hippie" mas o Bowie ainda era um pouco estranho.
Já para não falar de chifres que crescem, e de pele a derreter...

Opinião por João Eduardo Pires:

Black Hole é uma novela gráfica desenhada e escrita por Charles Burns, que acompanha um grupo de adolescentes durante o verão, em meados dos anos setenta, nos subúrbios de Seattle.
Segundo consta, é uma adaptação autobiográfica da juventude do autor para um conto em forma de realismo mágico.
 
O livro está dividido em vários capítulos, que de forma intercalada e propositadamente confusa (com sonhos e saltos entre presente e passado) conta a história de vários personagens principais (Eliza, Chris, Rob e Keith) e das suas relações com os amigos, a família e os colegas de escola.
Ao longo da história apercebemo-nos que vários adolescentes sofrem de mutações genéticas que os desfiguram, e que essas mutações surgem devido a uma doença, que embora pouco falada, apelidam como sendo "O Bicho" (“The Bug” no original).
Descobre-se também que a doença é transmitida sexualmente, sendo que ao longo da história os personagens principais acabam por a contrair.
 
Devido ao embaraço das suas mutações bizarras os vários adolescentes acabam por se tornar reclusos afastando-se da sociedade. Desistem da escola e vivem em casas ocupadas ou acampados na floresta que rodeia os subúrbios.
Com a falta de supervisão de adultos, praticamente ausentes em toda a história, tornam-se delinquentes passando o dia a ver televisão e a ouvir música, a fumar e consumir drogas, a destruir o que os rodeia e a praticar sexo: o que podemos associar ao conceito de Sexo, Drogas e Rock&Roll naquela época.
No acampamento da floresta estranhos acontecimentos ocorrem, surgindo bonecas decapitadas e ossos pendurados nas árvores e outros símbolos estranhos, enquanto alguns dos jovens começam a desaparecer misteriosamente.
 
Não sendo uma história de terror mas de "ficção estranha", literalmente "dark", invoca imagens sinistras realçadas pelo desenho a preto e branco de Burns. As deformações são impressionantes, e são feitos muitos paralelismos com outras imagens (uma chaga no pé, associada a uma vagina ou a uma rã dissecada) e deixa de certa forma o leitor desconfortável, o que contrasta com a reacção dos personagens que parecem pouco reagir às deformações dos seus amigos.
A doença é pouco referida ou discutida entre eles, apesar das deformidades óbvias e estranhas, e sempre que é falada é de forma indirecta e eufemisticamente.
 
Podemos interpretar "O Bicho" como uma alegoria sobre a adolescência alienada, as dores do crescimento e a fuga da realidade e do mundo adulto.
Apesar de a novela mostrar alguma nostalgia da época, o seu enfoque é a perda da inocência e a alienação da sociedade dos subúrbios “WASP”  (anglo-saxónicos, brancos e protestantes). 
De forma mais literal, também podemos associar "O Bicho" ao surgimento do HIV nos anos setenta, algo que na época era pouco falado publicamente, e associado a comportamentos considerados na altura como "desviantes", e a grupos marginais da sociedade "mainstream".

Sem duvida que se irá tornar um clássico das novelas gráficas orientadas para o público adulto, e de leitura quase obrigatória: 4 em 5 pontos.

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