8 de junho de 2015

Ex Machina - Crítica



Opinião por João Salvador Fernandes:

Sinopse: “Caleb (Domhnall Gleeson), um jovem programador de computadores, ganha um concurso na empresa onde trabalha para passar uma semana na casa de Nathan Bateman (Oscar Isaac), o brilhante e recluso presidente da companhia. Após a sua chegada, Caleb percebe que foi o escolhido para participar de um teste com a última criação de Nathan: Ava (Alicia Vikander), uma robô com inteligência artificial. Mas essa criatura se apresenta sofisticada e sedutora de uma forma que ninguém poderia prever, complicando a situação ao ponto de que Caleb não sabe mais em quem confiar.” 


Crítica:

É a liberdade inerente e exclusiva dos seres conscientes? E o que é a consciência? O que nos garante de que estamos conscientes e de que não somos uma mera amálgama de comportamentos repetidos e repetitivos em constante emulação? E o que é a liberdade? Uma crença? Será ela pouco mais do que um constructo nocional decorrente da racionalização de uma parte dos instintos humanos? Aquela que se opõe à submissão por conforto e hábito. E a partir de quando nos podemos considerar detentores do direito a ser livres? Quando nos consciencializamos dessa vontade? E seremos livres? Estas são várias das perguntas que ficam a pairar no ar após o visionamento de Ex Machina, a película de estreia de Alex Garland no papel de realizador.

Sendo, sem dúvida, uma longa-metragem intelectual e intelectualizada, Ex Machina diverge de muitas outras que, num registo semelhante, tentando elevar a dimensão e profundidade artísticas das obras, inundam o interlocutor com referências atrás de referências cultas, descurando a narrativa e artificializando os diálogos. Pelo contrário! Esta é uma daquelas fitas que não perde o seu interesse enquanto história bem contada por um homem que nos acostumou à qualidade escrita em livros e roteiros de cinema (autor de romances como, por exemplo, A Praia e No Limite da Realidade, e dos guiões para os filmes 28 Dias Depois e Sunshine: Missão Solar), enriquecida por interacções densas que, dado o contexto, se justificam quase sempre.


Neste thriller de ficção científica, em que a sonoplastia e a cor funcionam de forma primorosa para nos submergir na atmosfera claustrofóbica e misteriosa de uma acção que se desenrola, largamente, debaixo de terra e entre paredes, deparamos com actores que se esmeraram em ofertar ao espectador a credibilidade de excelentes e premiáveis desempenhos.


Por sua vez, a sensibilidade de Alex Garland para o doseamento certeiro, injectando-nos, com conta peso e medida, de indícios contraditórios ao discurso aparente e de instantes de tensão, contribui para um crescendo diegético que nos agarra ao grande ecrã. Desejamos desvelar o segredo; mas, principalmente, ansiamos por saber quem tem razão; e que razão é essa! Doseamento que também se revela na mestria com que o realizador logra na transição dos cenários de clausura para os de abertura, mostrando-nos fabulosas paisagens, de modo a permitir o respirar emotivo-sensorial e a evitar o enfastiamento visual.


Por outro lado, é de apreciar a evolução dialéctica que ocorre no desenrolar da trama, iniciando-se no típico binómio humano-máquina – máquina que se humaniza e humano que se maquiniza (literal ou figuradamente) – e evoluindo para uma figuração sexualizada que raramente temos a oportunidade de acompanhar no género da ficção científica.


Aliás, a vertente sexual, depois da sua introdução, torna-se num motivo extra de reflexão. No meio da crueza libidinosa e da afeição emocional, a influência freudiana passa a pulsar no campo racional, deixando-nos a simples interrogação: haverá espaço para consciência sem sexualidade? Mas mais! Creio existir, também, uma mensagem inquisitiva e implícita de cariz sociológico tangente aos temas da discriminação de género. A necessidade de Ava recorrer ao sentimento e à volúpia -- e ao que os conecta -- será a mesma carência de liberdade que impõe à mulher a utilização, por si controlada, do argumento erótico como resposta ao domínio social do homem? A meditar...


Tecnicamente, Ex Machina é de um rigor a toda a prova: enquadramento, composição, enunciação, que dedo se lhe poderá apontar? Decerto, algum! Porque ainda não experienciei uma produção cinematográfica perfeita; contudo, nenhuma dessas indigitações é suficientemente pungente para lhe perfurar a pele e forçar à mácula rubra do desapreço.


Fonte de tanta matéria para ponderação, este filme permite-nos, não obstante, fruir de um conto de suspense, com pequenos laivos de verdadeiro horror regados por torrentes poderosas de adrenalina e sensualidade, em que os efeitos especiais estão presentes, mas não enxameiam a obra, nem a mitigam.


Não faço ideia se, no futuro, a haver inteligências artificiais, elas serão como Ava, assim tão humanas; assim tão próximas do que temos de melhor... e de pior...

A não perder!


Ficha Técnica:
Título Original: Ex Machina; Título Nacional: Ex Machina; Argumento e Realização: Alex Garland; 
Fotografia: Rob Hardy; Produção: Allon Reich e Andrew Macdonald; Sonoplastia: Geof Barrow; Duração: 108 minutos
 

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