7 de abril de 2015

Opinião - Anjos Negros no Incrível Almadense - 04.03.2015


Foi no passado dia 4 de Abril que Rui Sinel de Cordes, Rui Cruz e Paulo Almeida levaram ao palco do Incrível Almadense o espetáculo "Anjos Negros". Para os amantes do género do humor negro, estaria prevista uma das melhores noites do ano. Em palco 3 dos melhores humoristas do panorama nacional; e a forma como foi organizado, permitiu não só uma grande exposição de cada um dos artistas, como também uma ligação mais profunda e directa com o público.
Após as introduções, e tentando aproximar-se do público, cada um contou a história de como perderam a sua virgindade. Escusado será dizer que todas estas histórias estavam repletas de momentos violentos, gráficos e sobretudo hilariantes! Foi interessante ver que mesmo dentro do humor negro, os 3 artistas têm estilos bastantes característicos, com deliveries muito específicos, o que proporciona uma grande dinâmica ao espetáculo e faz com que o público possa apreciar pontos de vista diferentes sobre a mesma situação.
O primeiro a apresentar o seu set foi Paulo Almeida que com o seu estilo awkward e deslocado apresentou aquilo que poderá ser considerada a melhor revista Maria de sempre. Apesar da passagem obrigatória pelas famosas perguntas sobre sexualidade, foi a entrevista a Angélico que teve a maior predominância, uma entrevista onde as perguntas e respostas vão de encontro ao fim trágico do actor, quase parecendo uma premonição de factos. Hilariante, estrondoso e de acordo com as palavras do próprio Paulo: "Eu não ia conseguir inventar nada disto". A forma distorcida como aborda os temas mais controversos, a capacidade de manter um bom andamento e o seu estilo fora deste (e qualquer) planeta, fazem de Paulo Almeida uma experiência bizarra, por vezes assustadora, que nos faz pensar até onde estará ele disposto a ir para nos entreter. Uma coisa é certa seja onde for que nos leve, vai ser algo completamente estrondoso.
Na segunda parte do espetáculo foi a vez de Rui Cruz subir ao palco. Claramente o homem zangado do grupo, com um delivery violento, muitos gritos e por vezes muita raiva contida. Com um estilo muito mais virado para a observação da vida quotidiana, ele contou pequenas histórias com base na sua vida amorosa e sobre alguns dos sacrifícios que todos fazemos aquando numa relação, passando por pequenos detalhes que acabam por se tornar em algo enorme e fora de controlo, e falando também de pequenas vinganças e desejos secretos que nunca seriam possiveis fora da cabeça de alguém tão louco como Rui Cruz. O grande momento da noite foi a sua explanação sobre os factos que o irritam em relação à pressão social que existe sobre pessoas de meia idade para se manterem e se demonstrarem mais jovens, passando pelo falso lifestyle e suposta "hiperatividade", passando pelo fenómeno das selfies e chegando até aos extremos que passam pela televisão, demonstrando assim a sua ira na perfeição. Igualmente hilariante foi a sua história de passagem para a vida adulta, completa com problemas de emprego, localização da primeira casa (e também sobre a actual), tudo isto embrulhado num pacote cheio de punch lines gritantes, agitações frenéticas e muitas muitas asneiras a serem disparadas a torto e a direito. Rui Cruz demonstra que poderia ser capaz de encher uma hora e meia de espetáculo sozinho, deixando muitas saudades entre o público. Numa palavra: espetacular.
A terceira parte esteve a cargo do incomparável Rui Sinel de Cordes. Determinado em estabelecer um tom intimista ao espetáculo, iniciou o seu set fazendo perguntas descaradas a elementos do público, o que levou a um abraço sentido quando se apercebeu que o casal ao qual se dirigia estava casado há pelo menos 30 anos, demonstrando a sua incompreensão sobre tal facto. Esta foi a ponte que ligou a uma retrospectiva da sua vida, muito selvagem, frenética e pelas palavras do próprio Rui: "Eu não me lembro de muitas coisas, tenho uns flashes". Passando por diversas histórias sobre algumas mulheres da sua vida, repletas de insinuações sexuais e por vezes descrições bastante gráficas, levou o público a reagir de forma explosiva. Uma das melhores características de Rui Sinel de Cordes é certamente a straight face que mantém enquanto navega, sem tabus, por temas de extrema controvérsia, o que retira algum do carácter violento dos temas e confere um aspecto de objectividade ao seu estilo.
Na parte final do espetáculo, o público foi brindado com um jogo à desgarrada entre os 3 artistas. Assim tendo o tema do "Quem Quer ser Milionário" como pano de fundo, eram feitas perguntas e cada um dos artistas, que tinham como missão ir mais além do que tinha sido dito anteriormente, criando momentos de choque e riso genuino incontrolável, e criando ainda uma antecipação no público, que nunca foi desapontada, o que levou a noite para um climax extraordinário. 
Já mesmo na fase final, Rui Sinel de Cordes e Paulo Almeida recriaram a parte final do espetáculo "Isto era para ser com o Sassetti", fechando a noite com chave de ouro.
Uma boa introdução para um possível novo público e também uma noite de sucesso garantido para os vários fãs, este foi um espetáculo que ficará na memória de todos os amantes de humor negro como uma das melhores noites do ano.
Imprevisível, chocante, controverso, espantoso e incrivelmente hilariante Rui Sinel de Cordes e os seus companheiros fizeram uma boa mostra do melhor humor negro que se faz em Portugal e das capacidades de explosão do estilo no panorama nacional. Um espetáculo a não perder!

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