24 de fevereiro de 2015

Selma - A Marcha Da Liberdade - Crítica



Ficha Técnica:
Título Original: Selma
Título Nacional: Selma - A Marcha da Liberdade
Argumento: Paulo Webb
Realização: Ava DuVernay
Fotografia: Bradford Young
Produção: Christian Colson e Oprah Winfrey

Opinião por João Salvador Fernandes:

Sinopse: "SELMA – A MARCHA DA LIBERDADE conta-nos a luta histórica e pacifista de Martin Luther King Jr. contra a lei da segregação racial e pela defesa dos direitos civis da população negra norte-americana - uma campanha perigosa e assustadora, que culminou com a marcha épica de Selma a Montgomery, e que galvanizou a opinião pública norte-americana a ponto de convencer o presidente Lyndon B. Johnson a aprovar a Lei do Direito de Voto em 1965."  

Crítica:
No rescaldo da noite dos Óscares, que consagrou Alejandro González Iñárritu e Birdman como criador e criação do momento em Hollywood, há-que dar espaço de destaque a um dos filmes a que Academia não fez suficiente justiça.

Afastando-me da polémica suscitada pela ausência de negros na selecção para os mais famosos prémios de cinema, típicas exprobrações do politicamente correcto opressivo, ainda assim, Selma – A Marcha da Liberdade merecia um reconhecimento superior ao que obteve. Melhor canção original não enche as medidas, quando se trata de uma película que, na minha opinião, merecia ter disputado, taco a taco, várias das estatuetas; e a fenomenal performance David Oyelowo (Martin Luther King) obrigava a, pelo menos, uma nomeação para melhor actor.

Selma – A Marcha Da Liberdade é uma longa-metragem positivamente enganadora. Inicia a acção sob a aparência conservadora de uma clássica – quer ao nível narrativo, quer imagético – obra biográfica de forte pendor político: evidente preocupação com o contexto histórico-cronológico, explicando-o detalhadamente; concentração quase exclusiva na personagem principal, sendo esta o seu motor dramático essencial; e o elogio ao retratado e à sua demanda, quer pelos primeiros, próximos e grandes planos, quer pela mensagem directa ao espectador.

Ava DuVernay (realizadora), contudo, não se bastou com uma fotografia idealizada, polida e segura de Martin Luther King; trouxe-nos, sim, um ser humano a sério; um homem resoluto, surpreendentemente cerebral, apostado em pugnar pelo que acreditava; um activista dotado de pensamento estratégico e capaz de um pragmatismo táctico que se esperaria de um militar. Foi muito bom ver Martin Luther King, homem de princípios e de causas, a ter discernimento para negociar com o Presidente dos Estados Unidos, fazendo jogo político, não sendo uma redutora chama feérica que tudo obtém pelo seu carisma e ideais a toda a prova.

Por outro lado, nesse labor de humanização, também não se descurou a necessária dimensão afectiva que realça as dificuldades vivenciais e familiares de quem luta contra um sistema dominante e está sujeito à reacção pressurosa do mesmo. Até as pessoas extraordinárias e marcantes, como Martin Luther King, têm problemas conjugais, sentem vontade de parar, de desistir, precisam de reforço moral; precisam de ouvir uma voz melíflua para recobrar energias e prosseguir com a missão.

David Oyelowo está soberbo. Martin Luther King era um homem de porte distinto, sóbrio, explodindo como uma força da natureza quando subia a um púlpito e fazia uso dos seus dotes oratórios e retóricos: e é assim que este actor o apresenta! É impressionante, quando uma expressão de rosto em silêncio se torna tão poderosa quanto uma alocução. Quanto ao desempenho do restante elenco, a coerência e qualidade são assinaláveis.

Esteticamente, o recurso a imagens de arquivo, a luz e a falta dela, o som e a falta deste são utilizados de forma magistral, provocando uma eficaz sensação de imersão nos eventos que se desenrolam diante dos nossos olhos. Aliás, se há característica sobrelevante nesta produção cinematográfica, contrariando a normalidade dos filmes biográficos, é que estabelece, no espectador, uma reacção de adesão ao contexto superior à fascinação pelo personagem principal.

Selma – A Marcha da Liberdade é uma obra com defeitos, nem que sejam as limitações inerentes ao género: a linearidade, a previsibilidade, o enfoque excessivo numa personagem, a sobreposição do discurso sobre o metadiscurso e o guião musical e simbólico para o espectador não ter dúvidas interpretativas; mas, indubitavelmente, é um excelente filme!

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