Annie Clarke não é nenhuma estranha aos palcos portugueses, especialmente em 2014. Depois de uma passagem pelo NOS Primavera Sounds no Porto, foi a vez de Lisboa receber St. Vincent no âmbito do Vodafone Mexefest. Com um Coliseu os Recreios cheio para a receber, e ao seu mais recente trabalho homónimo, não desapontou.
Para quem conhece, a subtil excentricidade das actuações de St. Vincent não são novidade. Os movimentos bruscos a cada dedilhar de uma corda da sua guitarra, o olhar distante no fecho de uma canção (como quem está para lá do chão que pisa), a forma como se move em palco numa mescla disforme entre uma bailarina e uma geisha. Tudo isto esteve presente neste concerto, mas o que marca os espectáculos desta longa Digital Witness Tour é o lado bem mais teatral que se manifesta a cada momento. De interlúdios onde comunica com o público sob a forma de monólogos abstractos, ao uso de uma pirâmide de degraus à qual sobe para tocar músicas acima de todos os presentes e da qual desce de uma forma pouco ortodoxa, num misto de sensualidade e descoordenação.
St. Vincent marca por ser diferente, realça por ser a força contrastante em palco. A cor garrida do seu cabelo, o vestido exuberante - mas de aparência "gasta" - combinado de meias rasgadas ao longo da perna. Tudo isto choca com o restante ensemble que se apresenta elegante e quase soturno. É especialmente desconcertante (e igualmente fascinante) quando Annie dança em perfeito uníssono com a majestosa Toko Yasuda, a teclista/guitarrista japonesa que tem acompanhado St. Vincent nesta tour, em que o vazio que separa a extravagância de uma e a seriedade de outra se reduz a uma quase imperceptível linha por entre passos de dança perfeitamente sincronizados.
O álbum St. Vincent, de 2013, foi obviamente o grande foco do concerto e não faltaram os seus maiores êxitos. Abrindo com Rattlesnake e Digital Witness, houve uma breve paragem por temas de álbuns anteriores (como Cruel e Marrow, respectivamente de Strange Mercy e Actor) antes de se retomar a obra mais recente. O público acompanhou o espectáculo com gosto, e apesar ter havido pouca interacção entre o palco e a plateia (para lá dos interlúdios programados, nada naturais), o ambiente no Coliseu era de festa. Ninguém ficou indiferente.
Um concerto desta magnitude não poderia fechar sem o encore da praxe (onde se ouviu Krokodil e Your Lips are Red), mas a apoteose chegou quando St. Vincent se deixou carregar em ombros até à plateia e mergulhou no mar de gente que se concentrou para a receber. No fim, com um sorriso nos lábios e a adrenalina no sangue, tudo o que sobrou foi o barulho ensurdecedor de uma guitarra abandonada em palco.
Até à próxima.
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