Autor: Carla M. Soares
Editora: Coolbooks
Sinopse:
Um corpo anónimo
é lançado à água num misterioso voo noturno sobre o Atlântico…
Vivem-se os anos
mais negros da Segunda Guerra Mundial, e a vida brilha com a força e a
fragilidade de uma chama ao vento. Na Lisboa de espiões e fugitivos dos anos 40,
João Lopes apresenta à sua amiga Carmo um estrangeiro mais velho, homem de
segredos e intenções obscuras que depressa a seduz, atraindo os dois jovens
para uma teia de mistérios e paixões de consequências imprevistas.
Anos volvidos,
Francisco, jornalista, homem inquieto, pouco sabe de si próprio e menos ainda
de Carmo, a avó silenciosa que o criou, chama apagada de outros tempos. É João
Lopes quem promete trazer-lhe a sua história inesperada, história da família e
dos passados perdidos nos tempos revoltos da Segunda Grande Guerra e da
Revolução de Abril. Para João, é uma história há muito devida. Para Francisco,
o derrubar dos muros que ergueu em torno da memória e da própria vida.
Um retrato
íntimo de Portugal em três gerações, pela talentosa escritora de Alma Rebelde.
Opinião por Bárbara Moura:
Tal como o
passado de Francisco o encontrou, sinto que foi este livro que me encontrou a
mim, e não o contrário. Por um lado, é uma obra que reúne muitas das
características que prezo nos livros. Por outro, A Chama Ao Vento foi-nos
gentilmente cedido pela sua autora, e decidi entregar-me à sua leitura sem ler
sequer a sinopse – o que, incidentalmente, é algo que tenho de começar a fazer
mais vezes, quando me recomendam bons livros que não conheço, pois a partida ao
desconhecido num livro é deliciosa.
Foi precisamente
o que senti ao ler as primeiras páginas. A introdução atinge-nos com um baque,
sendo no entanto deixada em suspenso, e deixando o leitor imediatamente
intrigado. Avançamos então para a viagem que despoleta uma crise na vida de
Francisco, o nosso narrador. Descobrimos ao mesmo tempo que ele aquilo que
ignorava há demasiado tempo, e subitamente a introdução já não tem assim tanta
importância.
Francisco
consegue ser por vezes exasperante, especialmente pelas suas acções, mas evoca
empatia em quem acompanha o que lhe vai na alma. Foi-me impossível ignorar o
aperto atrás do esterno e, por vezes, conter as lágrimas, quando recordava os
dramas do seu passado vistos pelas lentes turvadas de inocência da infância. O
leitor é levado, quase sem se aperceber, na viagem pelo passado e
simultaneamente pelo interior do narrador – que é também apanhado de surpresa.
João Lopes é
também uma personagem deveras interessante. Aquele que podia ser apenas um
espectador na história principal, personagem secundária e mero veículo de
informação, torna-se num dos principais intervenientes do que tem para contar a
Francisco – não fossemos todos protagonistas da nossa própria história. João
é-nos apresentado como alguém corajoso, sensato (para a sua idade), altruista
e, sobretudo, íntegro. A parte mais céptica de mim por vezes questionava esta
integridade – o que Francisco vocalizava com bastante mais à vontade que eu –
mas se há algo que prezo é que a existência de pessoas verdadeiramente
incorruptíveis não é um mito, e que, consequentemente, cada um de nós o pode ambicionar.
Carmo é difícil
de perceber, ao início. Tive sentimentos contraditórios quanto a ela. Desde a
incompreensão da sua frieza à ternura da sua inocência, temos de ler nas
entrelinhas da história de João e de Francisco aquilo por que esta mulher
passou, até se tornar a imagem do estoicismo que dá a conhecer. Gosto muito da
reflexão que se faz sobre a transformação da Carmo, menina, em Carmo, mãe e
avó, uma sombra daquilo que era ou que sonhou ser. Levou-me verdadeiramente a
pensar nas histórias e aventuras guardadas nas personagens secundárias da nossa
vida, que tanto prezamos, mas a quem por vezes não prestamos a atenção devida.
A acrescentar a
um belo leque de personagens, a autora faz uma descrição muito clara da época,
dos lugares e costumes, e consegue transmitir-nos alguma da inquietude
disfarçada que pairava no ar. Desconhecia que Lisboa tivesse sido refúgio de
tantas vítimas da Segunda Guerra Mundial – reconheço que História nunca foi a
minha melhor disciplina –, mas consola-me em certa medida saber que possa ter
sido um ponto de partida para uma nova vida, mesmo que marcada pelas
atrocidades vividas. Todos os relatos desse tempo me fazem lembrar do
sofrimento dessas pessoas, tão reais como eu me sinto, o que me impele a tentar
fazer do mundo (o que eu alcanço, pelo menos), um lugar melhor.
(Por muito que
se Francisco se queixasse, não me importei minimamente com a tendência do Sr.
Lopes para fugir da narrativa para a lição de História!)
A componente de
mistério é também muito importante na obra, e a autora consegue manter o leitor
interessado (apesar de considerar que, para o leitor perspicaz, um dos
mistérios é deduzível).
Um factor que me
agrada sobejamente, e que não está presente na maior parte das obras que leio,
por muito que goste delas, é o facto de as personagens falarem e pensarem como
eu falo e penso. Por vezes dou por mim a ler edições portuguesas de livros de
autores estrangeiros e a retraduzi-los mentalmente – para citar Manuela
Azevedo, A língua inglesa fica sempre bem
/ E nunca atraiçoa ninguém. Esta obra serviu para me lembrar do prazer de
ler na minha língua.
Como aspecto
meno positivo, devo dizer que houve uma parte da história que senti ter ficado
inacabada. Não o considero um defeito do livro ou da história per se, acredito
que a autora tenha deixado a história exactamente onde queria e o final apraz-me;
no entanto, gostaria de ter acompanhado Francisco na (re)descoberta de outras
personagens específicas da sua história.
Para finalizar,
é uma obra muito bonita, uma reflexão sobre a passagem do tempo e de várias
gerações por este, e um testemunho sobre o quanto o nosso comportamento é
moldado tanto pela nossa chama intrínseca, como pelos ventos que por ela passam
e que a podem apagar, ou atiçar.
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