14 de novembro de 2014

Belle - Crítica


Ficha Técnica:
Título Original: Belle
Título Nacional: Belle
Argumento: Misan Sagay
Realização: Amma Assante
Produção: Damian Jones

Opinião por João Salvador Fernandes:
“Aqueles que negam liberdade aos outros não a merecem para si mesmos.” Embora esta famosa frase de Abraham Lincoln tenha sido proferida várias décadas depois do momento histórico em que se passa acção de Belle – e noutro continente, acrescente-se –, ela sumariza perfeitamente a mensagem deste filme de época: a liberdade é inerente a todo o ser humano, seja ele branco, negro, homem ou mulher.

Belle é uma obra sustentada em factos verídicos, relatando-nos, com a sensibilidade de Amma Assante (realizadora), o quotidiano de Dido Elizabeth Belle (Gugu Mbatha-Raw), a filha mulata e ilegítima de um capitão da Marinha Real de Sua Majestade, que, após perfilhação, se vê inserida no mundo da aristocracia britânica, vivendo confrontada com o preconceito de uma sociedade que desconsidera tanto a mulher, como o negro; e que reage com desagrado aos relacionamentos que encontram no amor o seu verdadeiro suporte.

Por outro lado, durante o evoluir da estrutura central do enredo, desenvolve-se, lateralmente, a preparação do veredicto do Lord Chief Justice de Inglaterra, Lord Mansfield (Tom Wilkinson), sobre o famigerado caso do massacre no navio Zong, ocorrido em 1781. (William Murray, primeiro Conde de Mansfield, foi uma das figuras da judicatura que mais contribuiu para a abolição da escravatura no Império Britânico, sendo célebre, também, pela sua sentença antiesclavagista no caso Somerset vs Stewart.)

Visualmente, esta película é um deleite cinematográfico, enaltecendo -- com uma qualidade estética incomum -- cores, reflexos, guarda-roupas e maravilhosas paisagens; obsta a um qualquer apontar  de dedo censurador.

Infelizmente, eximo-me de urdir idênticos elogios à sonoplastia. Tendo uma excelente trilha sonora, falha na sua conjugação com a imagem. Sobejam as cenas em que o silêncio seria o ideal para lhes engrandecer a carga dramática ou em que o som deveria entrar de rompante para nos despertar para as emoções à flor da pele; mas não, especialmente no que se reporta à música, esta vai surgindo fora de tempo e mantendo-se sem modulações, quase se tornando numa espécie de melodia de elevador. 

A performance dos actores salta entre o bom e o péssimo, numa longa-metragem em que os  diálogos estão embutidos de um forte pendor literário e tentam transmitir, supostamente, o modo de falar nos finais do Séc. XVIII. Aproveito para destacar, pela negativa, Sam Reid – este interpreta John Davinier, o jovem jurista e idealista, filho de um vigário  de uma paróquia do interior, que se apaixona por Dido.      

Belle é, definitivamente, uma narrativa de amores que vencem convenções sociais, agradando pela forma como opera o retrato da alta-sociedade britânica do Séc. XVIII e pelo paralelismo que faz entre a condição feminina e a de ser negro e escravo; ambas presas pelas grilhetas de uma sociedade que as amarra e impede de concretizarem os seus anseios livremente (compreende-se o especial enfoque, visto que a realizadora é uma mulher negra). Na verdade, consegue aprofundar, ainda mais, essa constrição identitária, revelando-nos que todos, naquele modus vivendi de riqueza e opulência, desconhecem o sabor da liberdade. É uma pena, no entanto, que a sua ambiência excessivamente tétrica nos anestesie cena a cena, progressivamente, fazendo com que as alturas de maior intensidade percam relevância.

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