15 de outubro de 2014

Charulata - Crítica


Ficha Técnica:
Título Original: Charulata
Título Nacional: Charulata
Argumento: Satyajit Ray
Realização: Satyajit Ray
Fotografia: Subrata Mitra
Montagem: Dulal Dutta
Música: Satyajit Ray
Produção: R.D. Bansal

              Opinião por João Salvador Fernandes:
         Maurice Zolotow dizia-nos que “num filme os actores e a planificação fundem-se numa entidade para sempre.” E poucas produções cinematográficas conseguem tal imorredoura simbiose, digna de admiração e elogios eternos, como Charulata.

             Nesta longa-metragem de 1964, realizada por Satyajit Ray e recentemente restaurada, conta-se a história de uma solitária dona de casa, Charulata (interpretada por Madhabi Mukherjee), mulher de um editor de um jornal em Bengala, Índia, na década de 70 do século XIX. O marido, Bhupati (Sailen Mukherjee), consciente da falta de atenção a que sujeita a sua esposa – e de que o amor que por ela nutre partilha lugar com o periódico que chefia –, resolve convidar Umapada (Shyamal Ghoshal) e Mandakini (Gitali Roy), os seus cunhados, para morarem com o casal. No mesmo período de tempo, enquanto Umapada fica responsável pela tesouraria e pelos contratos de publicidade da gazeta, chega Amal (Soumitra Chatterjee), primo de Bhupati, um aspirante a escritor com medo do compromisso. Fruto da proximidade quotidiana, Charu – como é carinhosamente conhecida – e Amal deixam-se enlear numa relação de paixão e rivalidade que emerge do gosto comum pela escrita, literatura e poesia.

 Baseada em Nastaneer – conto de Rabindranath Tagore  e vencedora do Urso de Prata e do Prémio OCIC no Festival de Berlim de 1965, esta fita é mais do que uma obra-prima do cinema indiano; é, sim, uma criação sublime que merece o grandioso epíteto de obra-mestra mundial. Excepcionando duas cenas, duas curtas cenas em que considerei a interpretação de Madhabi Mukherjee demasiado tétrica e teatral para o tom até ali seguido, não lhe consigo apontar defeitos.

O manejo da luz, da penumbra e da escuridão é majestoso, simbólico e potenciador da mensagem em face do contexto; a fotografia é primorosa e impressiva; os planos e a banda sonora, ou a sua escassez, são os ideais para intensificar as emoções (que silêncio cativante!); os diálogos, em muitos casos, são autêntica poesia; e o desempenho dos actores, com a minuta ressalva que fiz, é brilhante. Indubitavelmente, um deleite visual a preto e branco que provoca uma fascinante sintonia psicológica com os acontecimentos.

Quanto ao enredo, previsível nesta narrativa de traição, vale pela forma como é relatado e pela exploração que faz da oposição entre dever e amor; entre ideologia e realidade prática; e entre política de classes e de géneros.

As relações humanas estão pejadas de eventos e contradições entalados entre sentimento e vontade; situações, essas, tendentes à quebra de ilusões e de modos de estar na vida. Pois bem, aqui são pintadas com a mestria de quem sabe fazer filmes; filmes em que cada gesto, cada acção das personagens, é um hino à semiose.

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