Título: O Fiel
Jardineiro
Autor: John le
Carré
Editora: Dom Quixote
Opinião por Helena
Isabel Bracieira:
Este é um
romance sobre os limites do homem na luta pelos ideais, na ambição e,
sobretudo, no amor.
Entre outros assuntos, destaco também:
* O capitalismo sem escrúpulos e as conspirações globais: onde acaba a paranóia
e começa a verdade?;
* O encobrimento governamental de realidades totalmente degradantes, partindo
da conivência à participação activa nos crimes;
* Pobreza do Terceiro Mundo versus a riqueza das potências ocidentais;
* A importância das agências não governamentais para a sobrevivências de
populações imensas.
A história inicia-se com a notícia do assassinato de Tessa, activista
britânica, cujas causas e pormenores escabrosos o ministério (o Foreign Office)
de que faz parte o seu marido, Justin Quayle, tenta a todo o custo esconder. O
princípio pode ser pouco estimulante, dado que, em vez da perspectiva do
marido, provavelmente a pessoa mais próxima de Tessa, temos a de Woodrow: um
homem ambicioso que não passa, porém, de uma criança amedrontada e caprichosa e
que diz amar Tessa. Possuidor de uma mente sem escrúpulos, faz tudo para subir
na vida nem que tenha de prejudicar quem o rodeia, correndo atrás de uma reputação
e prestígio social invejável.
Justin, é um britânico calmo, polido, amante da jardinagem, aristocrata de
berço e diplomata por excelência, funcionário menor do Foreign Office no
Quénia, que passa a ser, de mulherengo e solteirão, o marido perfeito.
Após a morte da companheira, passa de uma primeira fase de negação e apatia, a
um estado de força e tenacidade incríveis. Abdica da sua vida, calma e
inconsequente, para partir numa incansável busca pela verdade. Por ser um
diplomata, abstraiu-se voluntariamente das actividades pouco ortodoxas de
Tessa, e, assim, procura reviver, através de todos os documentos e testemunhos
que ela reuniu, os seus projectos em África e, também, toda a sua relação com
ela. De tal forma o fez que adopta a sua causa: a luta contra as poderosas
multinacionais, em especial a Três Abelhas, liderada por um magnata inglês.
Sendo que esta é responsável por testes abusivos de um novo fármaco contra a
tuberculose no seio da população queniana.
Cria uma espécie de comunicação post mortem: fala com Tessa como se ela ainda
estivesse viva, a seu lado, dando-lhe as respostas e a coragem de que necessita
e amando-a mais do que nunca. Vemo-lo de tal forma empenhado que chegamos a
recear pela sua sanidade. Nem mesmo após ser alvo de um violento ataque, Justin
desiste dos seus intentos, passando a levar uma vida de fugitivo por se ter
tornado persona non grata aos olhos dos seus superiores. O seu amor continua
tão ou ainda mais vivo, de tal forma que tudo faz para recuperar o tempo perdido
e conhecer, num esforço derradeiro, a sua mulher.
O carácter impetuoso e enérgico de Tessa, tão diferente do seu, a sua beleza e
a diferença de idade, não o impede de se casar com ela e de a levar para
África. Ela foi como uma onda que o arrebatou quando menos esperava.
E é justamente através de Justin que vamos, verdadeiramente, descortinando o
mistério que é Tessa: de uma beleza «selvagem», encarna plenamente o espírito
africano, movendo-se em África como se dela fizesse parte. Sedutora e
provocante, sente o fardo que a sua beleza lhe traz e tenta fugir dele,
destacando-se intelectualmente. É idealista, tenaz, impetuosa, apaixonada. Após
perder os pais, encontra em Justin o seu porto seguro, pois sente que ele
sempre a protegerá. De um espírito crítico implacável, perseverante, teimosa
até, não se amedronta nem com o poder das grandes multinacionais contras as
quais luta. Aparentemente fragilizada, recebeu um incentivo extra com a sua
gravidez, sentindo-se responsável por dar a vida ao seu filho num mundo melhor.
Relativamente a África, é, sem dúvida, marcante: Wanda, uma africana, grávida,
usada como cobaia na experimentação do novo fármaco, que se torna, juntamente
com o filho que dá à luz e com o seu irmão Kioko, um símbolo para Tessa da
despiedada exploração de seres humanos, feita pelos mais influentes - não
passam de números manipuláveis que os ajudarão a obter o lucro tão ansiado; a
exploração a que a elite branca submete os verdadeiros descendentes de África,
que nem por essa condição gozam dos seus benefícios, acumulando-se em
periferias - bairros de lata ainda mais degradantes do que os brasileiros.
Contudo, existem também uma elite negra que explora os seus, apoiada
implicitamente pelos interesses brancos, que defende. Por último, os refugiados,
tanto os que vemos nos campos, como em casa de Tessa, são o espelho de uma
África dividida, assolada pela guerra, pela fome e pela doença.