Título: Filhos e Amantes
Autor: D. H. Lawrence
Editora: Dom Quixote / Europa-América
Sinopse:
Filhos e Amantes é considerado o primeiro retrato moderno de um fenómeno que, graças a Freud, passou a ser facilmente reconhecido como Complexo de Édipo. Nunca um filho tinha tido um amor tão absoluto e incondicional pela sua mãe, identificando-se totalmente com ela na forma de pensar, e ao mesmo tempo um ódio tão grande pelo seu pai como Paul Morel, o protagonista mais novo deste romance. Nunca excepto, talvez, o próprio Lawrence. Revestido de um carácter autobiográfico, e dotado de uma profundidade psicológica nunca antes vista, Filhos e Amantes reproduz as divergências, os conflitos e as crises conjugais por que passaram os pais de Lawrence - um mineiro e uma mulher de grandes ambições -, retratando uma família que sofre os efeitos de um casamento disfuncional, e as consequentes repercussões no crescimento e desenvolvimento dos filhos.
Opinião por Helena Bracieira:
Quem
não ouviu já falar do complexo de Édipo? Freud formulou-o com base na tragédia
grega Édipo Rei. De forma resumida, esta contava-nos a história
de Édipo: ainda em pequeno, após ser predestinado pelos oráculos que mataria o
seu pai e se casaria com a mãe, os pais, reis de Tebas, resolvem abandoná-lo.
Encontrado por um pastor, Édipo cresce e sai da sua terra. Ignorando as suas
verdadeiras origens, encontra no caminho o seu verdadeiro pai, acabando por
matá-lo. Ficando com o direito a ser rei de Tebas por um desafio que
ultrapassou, sua cidade natal. Inconscientemente escolhe para sua consorte a
sua própria mãe, tendo com ela quatro filhos. Novamente os oráculos têm um
papel predominante: dizem a Jocasta e a Édipo que são mãe e filho. A primeira,
suicida-se; o segundo, fura os próprios olhos, castigo a que se submete por não
ter reconhecido aquela que era sua mãe. Assim, Freud diz-nos que o complexo de
Édipo se baseia no desejo que o rapaz, num dado estádio do seu desenvolvimento
físico e sexual, sente pela mãe por ser um ser do sexo oposto, nutrindo por ela
amor, enquanto que o pai passa a ser um seu rival, o que lhe desperta ódio.
Apenas quando a criança se apercebe da impossibilidade de possuir a mãe, o pai
surge como uma figura que deve ser tomada como exemplo.
Ora, que tem tudo isto a ver com o romance? Filhos e Amantes surge exactamente
como um retrato do complexo de Édipo em tempos mais recentes (princípio do
século XX).
Gerturde e Walter Morel formam um casal que, à partida, não tem muito futuro.
Walter é um ser primitivo, irascível, rude e fogoso. Gertrude apaixona-se por
ele, fascinada com o seu vigor e vitalidade. Após os primeiros tempos de um
casamento feliz, Gertrude depara-se com consecutivas desilusões: ao contrário
de si, Walter é imprudente, irresponsável, mentiroso, nada ambicioso,
contentando-se com a vida pouco regrada que o seu labor de mineiro pode
proporcionar, não se preocupando em dar mais do que o estritamente necessário à
família. Pelo contrário, Gertrude é uma mulher de carácter vincado, o pilar da
família, responsável por controlar a economia familiar e a criação e educação
dos filhos. Intelectualmente activa, religiosa e puritana, nunca dançava.
Incutiu aos filhos a sua visão da vida, já que a sua educação estava a seu
cargo e promete a si própria poupar os filhos do ambiente familiar miserável em
que vivem - as privações materiais mais a ausência de carinho e amor por parte
do pai - sendo que tudo redonda na sobreprotecção da mãe.
Acompanhamos o nascimento dos filhos no seio de uma relação extremamente
conflituosa: William, o primogénito, é a esperança da mãe; Annie, a única
menina; Paul, de quem acompanhamos o nascimento e se torna o protagonista -
profundamente ligado à mãe; Arthur, o único que gostava do pai, a princípio, e
que herdou o seu carácter impetuoso. Estes estão contra o pai, alcoólico,
presente mas ausente, sempre surripiando o dinheiro para satisfazer o seu
vício, ainda que numa proporção manifestamente inconsequente.
Os episódios de extrema violência sucedem-se numa guerra pautada pela
frustração de Gertrude e pela insensibilidade do seu marido. Após um episódio
deveras marcante para o casal, Gertrude desiste de tentar mudar o marido e faz
dos filhos a sua razão de viver.
William e Paul tornam-se, primeiro um, depois o outro, em depósitos das
esperanças, desejos e mesmo da vida da mãe, que só vive para e por eles. A mãe
desencadeia neles, sobretudo em Paul, o amor, mesmo a uma paixão ardente, e
retribui-lhes na mesma moeda, ainda que não tenha havido concretização física -
tudo acontece do ponto de vista de uma análise psicológica.
A segunda parte do romance (está dividido em duas partes, sendo que a segunda é
a maior) foca-se em Paul, o terceiro filho da família Morel. Dependente da mãe
e da irmã, mais distante de William, o irmão mais velho, e sem qualquer ligação
ao pai - tudo isto contribuiu para a não resolução do seu complexo de Édipo.
Assume a predilecção da mãe por si e corresponde-lhe vivamente. Ela não tem
defeitos perante os seus olhos e recusa-se a aceitar que o passar dos anos lhe
causem algum desgaste, santificando-a. Conta-lhe todos os acontecimentos da sua
vida, por mais insignificantes que sejam, à excepção das experiências sexuais.
Paul mostra-se ainda extremamente influenciável pela mãe, ainda que a sua
personalidade caprichosa por vezes o faça divergir dela. Nota-se como facilmente
se torna íntimo das mulheres e como elas o têm entre si sem receios, chegando
mesmo a competir pela sua atenção e amizade. Gertrude é ciumenta pelo lugar que
elas ocupam no coração do filho, contudo é a si que Paul retorna sempre, pois a
mãe é o seu porto seguro. Por tudo isto julgo que é explorado um quadrilátero
amoroso entre Paul, a sua mãe, Miriam e Clara.
Após consultar uma outra edição desta obra (edição de 1994 das Publicações Dom
Quixote), acho que há duas informações que não podem deixar de ser dadas:
"D. H. Lawrence (1885-1930) nasceu em Eastwood, no Nottinghamshire, filho
de um mineiro e de uma mulher de grandes ambições, assistiu desde menino às
desavenças entre os pais, motivadas por divergências de opinião quanto ao
futuro dos filhos, conflitos conjugais esses que retratou na presente
obra" , o que revela um carácter marcadamente autobiográfico nesta
história.
Para além disso, na contracapa da mesma edição é-nos dito que: "A versão
integral de Filhos e Amantes é agora publicada pela primeira vez. É
dez por cento mais longa do que a versão disponível até à data: oitenta páginas
haviam sido cortadas pelo primeiro editor, algumas delas devido à inclusão de
sexo explícito. Sem outra fonte de rendimento, D. H. Lawrence viu-se forçado a
concordar com os cortes e as alterações introduzidas: «Quero lá saber se [o
editor] vai cortar uma centena de páginas duvidosas de Filhos e Amantes. O
livro tem de se vender, preciso do dinheiro para viver». Passados oitenta anos,
a obra-prima de D. H. Lawrence pode finalmente ser publicada tal qual ele a
escrever". Fiquei sinceramente na dúvida se esta edição do Público que li
está ou não completa, sobretudo depois de ler a introdução da edição da Dom
Quixote. Não encontrei cenas de sexo explícito, apenas erotismo. Comparei e
encontrei manifestas diferenças. Por exemplo:
Versão da edição do Público: "Havia até um par de meias no espaldar duma
cadeira. [...] Sentou-se na cama, considerou em volta a escuridão do quarto,
com as pernas cruzadas, imóvel, escutando" (pp. 407-408).
Versão original: "Sentou-se na cama e olhou o quarto às escuras.
Apercebeu-se então de um par de meias de vidro nas costas de uma cadeira.
Levantou-se sem ruído e calçou-as, sentando-se na cadeira imóvel, sabendo que
tinha de a possuir. Depois, sentou-se na cama, erecto, com os pés dobrados sob
o corpo, perfeitamente imóvel, à escuta".
Afinal, em que ficamos? Se alguém souber, que me diga. Custo a acreditar que
tenha sido publicada a versão censurada de uma obra em pleno século XXI...
De qualquer forma, o livro não me cativou o suficiente para me fazer aprofundar
as pesquisas. Dividido em duas partes, achei a primeira, com o combate entre
Gertrude e Walter e a formação da sua família, bastante melhor do que a
segunda, onde acompanhamos o crescimento de Paul, os seus amores e desamores e
a sua relação com a mãe. A exploração do complexo de Édipo é bem feita, sem
dúvida - e julgo que esse era o propósito do autor: mostrar como o seu
protagonista foi vítima do excesso de amor da mãe e do seu complexo de Édipo
não resolvido. Porém, Paul revela-se como alguém cada vez menos interessante,
cada vez mais vazio, perdido nas teias do amor que consagra à mãe, até ele
próprio se desfazer em nada. Deste modo, acabei por naturalmente me
desinteressar acerca do seu destino e perder interesse na leitura.
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