16 de dezembro de 2010

Entrevista a João Tordo

É com muito prazer que esta semana vos trago uma entrevista ao escritor João Tordo.


Sobre o Autor:
Nasceu em Lisboa a 28 de Agosto de 1975, filho do cantor Fernando Tordo e de Isabel Branco, ligada ao cinema e mais tarde à moda. Formou-se em Filosofia e estudou Jornalismo e Escrita Criativa em Londres e Nova Iorque. Trabalha como guionista, depois de ter passado pelo jornalismo, tendo publicado, entre outros, n' O Independente, Sábado, Jornal de Letras, ELLE e a revista Egoísta. Escreveu, em parceria, o guião para a longa-metragem Amália, a Voz do Povo (2008). Foi vencedor do prémio Jovens Criadores em 2001. Publicou quatro romances, "O Livro dos Homens Sem Luz" (2004), "Hotel Memória" (2007), "As Três Vidas" (2009) e "O Bom Inverno" (2010). Venceu o Prémio José Saramago 2009 com o romance "As Três Vidas".
João Tordo é influenciado pela escrita de autores como Edgar Allan Poe, Herman Melville ou Dostoievski, e pela literatura policial e de mistério, construindo narrativas dentro de narrativas e absorvendo o leitor através da imersão emocional nas suas histórias.


Entrevista:

Começaste a escrever com que idade?
Relativamente cedo, com oito ou nove anos já escrevia as primeiras histórias, bandas desenhadas, jornais. Só comecei a escrever mais a sério muito mais tarde, por volta dos vinte e cinco anos, quando me pareceu que tinha suficiente experiência de vida – isto é, que tinha vivido algumas coisas – para poder escrever os livros que queria e contar as histórias que me apetecia contar.

Foi fácil te lançares no mundo literário?
Relativamente. Quando terminei o meu primeiro romance enviei-o para uma série de editoras. Na altura eu estava a viver nos Estados Unidos e não fazia ideia nenhuma de como funcionava o mercado editorial em Portugal. Recebi algumas respostas negativas, algumas dúvidas, outras que nem sequer deram resposta; depois, a Temas e Debates, por mão da Rosário Pedreira, interessou-se pelo livro e acabei por encontrar a editora com quem ainda hoje trabalho. Entre o envio dos manuscritos e a resposta devem ter passado seis meses, mais ou menos. É preciso paciência para uma pessoa se aventurar no meio literário.

Onde vais buscar a tua inspiração?
Não faço ideia nenhuma. Por vezes é uma imagem que me surge, espontaneamente; mas também pode ser uma ideia, ou algo que vi num jornal ou num filme, ou uma história que se vai construindo na minha cabeça sem que eu possa fazer grande coisa para a deter. Também faço alguma investigação e vou trabalhando muito as personagens e os cenários antes de chegar à fase da escrita, por isso a inspiração conta num primeiro momento, mas cedo se remete ao seu papel secundário; o que importa é o trabalho e a persistência.

Como é o teu processo criativo? Tens algum ritual?
Escrevo três a quatro meses por ano, todos os dias, sem interrupções, até conseguir uma primeira versão da obra que me proponho a escrever. Depois passo os tempos seguintes a editar e a afinar o manuscrito, já com as sugestões da minha editora e de alguns amigos.

Fala-nos um pouco do teu percurso. Estiveste em Londres, depois em Nova Iorque. O que é que isso contribuiu para a tua faceta enquanto escritor?
O que é que toda a experiência de vida contribui para a nossa escrita? Evidentemente que, se passarmos o resto da vida fechados num quarto, dificilmente teremos muitas coisas para contar (talvez retrospectivamente); no meu caso, preciso muito de conhecer pessoas e lugares e determinadas situações que depois uso nos meus romances. Sendo Londres e Nova Iorque duas cidades enormes, repletas de personagens, enredos e surpresas, contribuíram não apenas como registos geográficos mas também como registos visuais e de interacção.

Como surgiu o teu primeiro romance “Os Homens sem Luz”?
Escrevi-o em Nova Iorque, já depois de ter deixado Inglaterra para trás, embora o romance se passe todo em Inglaterra. É um livro que tem uma narrativa quebrada em quatro novelas, que surgiu de uma série de histórias e personagens que eu tinha na cabeça há uns tempos mas que não sabia como unir. No final, a geografia e o tempo acabam por as ligar; um homem fechado num apartamento, um casal soterrado nos escombros de uma casa, um estudante insone, um médico louco: eram tudo vozes que foram crescendo dentro de mim e eu precisava de fazer alguma coisa com elas, assim surgiu o livro.

Quais são as tuas referências literárias?

Tantas e tão variáveis ao longo do tempo. Na adolescência, Conan Doyle, Kafka, Poe, Daniel DeFoe, Melville, Auster, Dostoievski; na idade adulta, Saramago, Roth, Ian McEwan, Javier Cercas, Bolano....são muitos nomes.

Qual o teu livro preferido?

Difícil dizer, muda com o tempo. Quando tinha 17 anos era “O Processo” de Kafka, aos 21, “Trilogia de Nova Iorque”, de Auster, aos 25, “Goodbye Columbus”, de Philip Roth, aos 28, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, de Saramago, aos 30, “Detectives Selvagens”, de Bolaño....vai mudando.

Qual a tua citação preferida?

Não tenho.

Qual foi o último livro que leste?

Estou a ler “Pastoral Americana”, de Philip Roth. Antes desse li “Milagrário Pessoal”, do José Eduardo Agualusa, de que gostei muito.

Se estivesses de escolher uma banda sonora para acompanhar a leitura de “O Bom Inverno” qual seria?

Seria um disco de Bon Iver (vês as semelhanças?) chamado “For Emma, Forever Ago”

O que podemos esperar de diferente neste novo livro “O Bom Inverno” em relação aos anteriores?

Já falei muito do livro, mas é um romance que tem uma trama muito parecida com um policial noir, embora não seja de todo um policial; é um romance que testa o limite de várias personagens enclausuradas num cerco, e que transporta o protagonista, um escritor frustrado, de uma vida de desistência e enfado para um lugar estranho e fantasmagórico onde irá ser posto à prova, descobrindo quais são as verdadeiras forças que nos mantêm presos a este mundo e qual é o real poder da palavra.

Qual foi o livro que mais gostaste de escrever e porquê?

Sempre o último. O Bom Inverno foi uma experiência muito divertida, porque deixei que a narrativa se soltasse de mim, fosse carregada por outras personagens em diante. A construção foi natural e não mecânica, o destino de cada personagem foi decidido por ela mesma.
De todas as personagens que criaste, com qual te identificas mais?
Com os meus narradores, que são os meus alter-egos. Nunca têm nomes e são as vozes que narram os meus romances. Evidentemente, sou eu sem nunca ser eu.

O que significou para ti ganhar o prémio Saramago?

Significou que o meu trabalho até então foi reconhecido e é um orgulho ganhar um prémio com o nome do escritor português mais importante de sempre. Para além disso, trouxe-me novos leitores.

O que achas que significa ser um escritor nos dias de hoje?

Não faço ideia. Depende do género de escritor que és, ou se és escritor ou alguém que, por acaso, escreveu um livro. Ser escritor, na minha perspectiva, é uma carreira e não um capricho, é um desenvolver gradual de um talento, da capacidade de mudança, um entendimento da nossa própria vida a partir dos livros que escrevemos. O resto não faço ideia o que seja; só consigo pensar naquilo que faço como uma carreira, com um caminho e uma direcção. O resto são histórias da carochinha.

Quais são os teus planos e objectivos para o futuro?
Continuar a escrever romances, e que cada um faça diferença na minha vida e na vida dos meus leitores.

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