29 de novembro de 2019

Opinião – “21 Pontes” de Brian Kirk


Sinopse

Chadwick Boseman é Andre Davis, um detetive da polícia de Nova Iorque que tem de capturar os responsáveis pelas mortes de vários polícias. André vê-se envolvido numa complicada e inesperada conspiração. À medida que a operação avança fecham-se as 21 Pontes de Manhattan para impedir a fuga dos assassinos. Para este detetive fracassado esta é a última oportunidade de redenção.

Opinião por Artur Neves

Esta é mais uma história de hard crime e castigo com polícias (o conhecido NYPD) e ladrões violentos sem mágoa nem perdão. Assim sendo o final já é conhecido, mas se queremos inovar, se queremos realmente fazer algo pelo menos um pouco diferente, há que juntar outros ingredientes que aqui começam a aparecer como um ruído de fundo que se vai acentuando com o desenrolar da ação e se vai revelando e assumindo como o motivo principal da narrativa por entre muitos tiros, muitos mortos e muita ação de bom nível.
Está ao nível de “Dia de Treino” de 2001 ou de “Nós Controlamos a Noite” de 2007 mas porque é mais recente apresenta outros motivos de interesse através da vigilância de alta tecnologia e maior dinâmica nos assaltos e perseguições automóvel numa desenfreada caça ao homem, alegado autor da morte de oito polícias por um detetive cavalheiro, Andre Davis (Chadwick Boseman) lesto em premir o gatilho, mas igualmente inteligente e ético que persegue a descriminação entre o que está certo num mundo que deu errado.
O seu elemento diferenciador, que se vai acentuando em segundo plano ao longo da história, tem a ver com a brutalidade policial, o racismo e o equívoco de políticas avulsas mais interessadas no seu próprio benefício do que no bem comum.
Brian Kirk, realizador mais conhecido por séries de TV, como “A Guerra dos Tronos” (3 episódios) ou “Grandes Esperanças” (mini-série) deu a oportunidade a um ator em ascensão, (Chadwick Boseman) conhecido por várias interpretações de origem Marvel, em se destacar num personagem, fora do mundo dos quadradinhos, com personalidade, suspense, capacidade de decisão e dilemas morais que ele gere com segurança.
Para contracenar com ele também encontramos dois bons desempenhos em Ray (Taylor Kitsch) assassino sanguinário, traumatizado na infância e contaminado pela guerra do Afeganistão que lhe retirou toda a réstia de humanidade e Michael (Stephan James) também antigo colega no Afganistão, mas inteligente, empático e até bondoso em algumas cenas onde o seu parceiro só vomita raiva.
O resto do elenco também se situa em bom nível, com particular destaque para o Captain McKenna (o veterano J.K. Simmons) responsável pelos polícias mortos que espera que Andre Davis cumpra a sua missão de vingança… e de conveniência, como mais tarde vimos a descobrir através dos twists do argumento, que ainda assim conseguem manter o espectador focado nas múltiplas relações raciais para que o filme aponta e nos dilemas morais que Davis encontra nas descobertas que vai fazendo no desenrolar da ação.
Para 100 minutos é um trabalho escorreito, recheado de suspense, ação inteligente e segurança na história e no desempenho mostrado. Vê-se com muito agrado.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

27 de novembro de 2019

Opinião – “Os Aeronautas” de Tom Harper, Jack Thorne


Sinopse

Londres, 1862.
James Glaisher (Eddie Redmayne), um jovem cientista que deseja desesperadamente ser levado a sério, junta-se a Amelia Wren (Felicity Jones), piloto de balão de ar quente, para uma viagem única. O voo deles cumprirá o duplo objetivo de quebrar o recorde de altitude e de ajudar James a reunir dados que permitam comprovar as suas controversas teorias sobre a previsão do tempo. Mas à medida que a dupla for subindo até alturas onde nenhum Homem chegou antes, o ar fica mais rarefeito e mais frio, impondo-se decisões difíceis, das quais dependerá a continuidade da viagem e a sobrevivência dos dois aventureiros.

Opinião por Artur Neves

Esta história está para lá do primeiro voo tripulado em balão de ar quente realizado em 15 de Outubro de 1783, por Pilatre de Rozier em França, com o balão preso à terra e tendo atingido a altura de 24 metros. Neste voo realizado em Londres em 1862, já teriam sido descobertos gases mais leves do que o ar que permitiam a ascensão do balão pela diferença de massa volúmica entre o gás utilizado e o ar, com o propósito de estudar a evolução do ar húmido na atmosfera para fins de previsão do tempo.
O que eles desconheciam era o efeito da mudança de estado da humidade contida no ar com a altitude, sendo portanto confrontados com fenómenos físicos de mudanças de estado da água aos 37 000 pés (cerca de 11 100 metros, que constituiu record absoluto naquela época) o que provoca o seu congelamento, bem como a rarefação do oxigénio à medida que subiam na atmosfera, que lhes provocaram problemas respiratórios e de perda de consciência, impeditivos de prosseguirem os seus trabalhos tal como inicialmente planeados.
Adicionalmente a história apresenta-nos em flashback diversos episódios da vida de James Glaisher e de Amelia Wren, nomeadamente desta ultima, em que nos conta ter sido o marido que a influenciou para a profissão de piloto de balão e de se ter suicidado num voo para aliviar a carga do cesto, em que o balão teria entrado em perda,  salvando-lhe a vida.
Embora mostrando alguma ação acrobática dos ocupantes da barquinha, decorrente da necessidade de diferentes manobras de condução do balão em ascensão e do efeito da congelação da válvula de escape do gás, o motivo que anima este filme não apresenta elementos suficientemente motivadores da nossa atenção, considerando que a ascensão do balão é o caminho inevitável de um objeto com poucos meios de controlo, a interação entre ambos os tripulantes é formal, distante e de cariz meramente profissional e o espaço exíguo onde se movem para pouco mais dá do que a mostra da sua estacionária presença.
Em termos práticos o filme divide-se em duas partes, sendo a primeira, mais longa, a fase do “sobe, sobe balão sobe” e a segunda, mais curta, a fase do “desce, desce balão desce” porque como é sabido; para baixo todos os santos ajudam.
É pouco, poucochinho mesmo, para 100 minutos de filme em que dois atores já com créditos firmados noutras realizações, servem um propósito pobre de conteúdo.

Classificação: 4 numa escala de 10

22 de novembro de 2019

Opinião – “Sibyl” de Justine Triet


Sinopse

Sibyl (Virginie Efira) é uma psicanalista que decide largar a maioria dos seus pacientes quando é tomada pelo desejo de escrever, procurando inspiração em Margot (Adèle Exarchopoulos), uma jovem atriz que lhe suplica que a receba.
Em pleno período de filmagens, Margot engravidou do ator principal… que mantém uma relação com a realizadora do filme. Enquanto Margot lhe vai contando o seu dilema passional, Sibyl, fascinada, vai gravando secretamente as sessões. A narrativa da paciente alimenta-lhe a ideia para o livro, mergulhando-a ao mesmo tempo no turbilhão do seu passado. Quando Margot lhe pede que vá ter com ela a Stromboli para acompanhar o fim das filmagens, tudo se acelera a uma velocidade vertiginosa.

Opinião por Artur Neves

A realizadora deste filme, Justine Triet, natural de França e diplomada pela Paris National School of Fine Arts deve ter um dia pensado que; “sendo a vida tão difícil como já é, como é que posso apresentá-la mais complicada ainda?...” e na sequência desse pensamento concebeu este argumento em conjunto com um escritor de serviço e apresentou-o no Festival de Cannes em Maio de 2019.
Com o resumo do argumento reproduzido na sinopse, esta história pretende cruzar diferentes formas de poder, a saber; o poder do terapeuta sobre o seu paciente, o poder de um realizador de cinema sobre os atores que corporizam uma obra que vai ser sua, o poder da atração física que inspira o amor entre o possuidor e o possuído, aqui com a nuance de o possuído poder ter mais poder que o possuidor e seja o elemento a determinar quem deixa quem.
Percebe-se em todo o filme o facto de ter sido um argumento meticulosamente construído de forma a conter alguma forma de suspense clássico, em conjunto com momentos de descontração que todavia não desviam o espectador do fundamental da história. Não se conhece a vida quotidiana de qualquer dos personagens, muito embora para a história seria interessante apreciá-los noutros contextos, porque de tal forma o objectivo de Justine Triet é seguido, de juntar a psicanálise á representação, e de mostrar que todos os personagens são manipuladores e se manipulam entre si, dentro e fora dos seus trabalhos com o único objectivo de retirarem dividendos para si próprios.
Sibyl e Margot aparentam preocupar-se uma com a outra mas por motivos diferentes dos que seriam inerentes à relação que as liga. Sibyl vislumbra a história do seu romance no problema de Margot e esta, apesar de sofrida, vê em Sibyl um desafio que ela quer testar, apesar de já ter decidido o que fazer consigo.
A narrativa é preenchida com flashbacks entre o presente de Sibyl com o actual e com o anterior companheiro, pai dos seus filhos, embora possam parecer desenquadrados aos espectadores menos atentos ao desenrolar do enredo (e aqui deixo o aviso; este filme requer atenção) que em conjunto com diálogos em off conduzem o argumento entre a expectativa do próximo passo e a história de fantasia à beira do fantástico.
Curiosamente, ou não, a importância inicial do livro de Sibyl perde-se na narrativa, considerando que a produção artística de diferentes formas é o objectivo da manipulação entre os personagens, porém, parece que não há tempo para absorver todas as vertentes, que faz com que alguns símbolos tenham de ser abandonados.
Em conclusão posso acrescentar que este filme propõe um desafio psicológico fascinante entre personagens manipuladores que se pretendem servir entre si e para cada um, mas as variáveis em presença, factuais, previstas e passadas, são tantas que se vão perdendo durante o exercício, o que é pena. Ainda assim achei interessante.

Classificação: 6 numa escala de 10

20 de novembro de 2019

Opinião – “Enquanto a Guerra durar” de Alejandro Amenábar


Sinopse

Salamanca, verão de 1936, Espanha vive uma situação desconcertante e o ilustre escritor Miguel de Unamuno decide apoiar publicamente a revolta militar acreditando que poderá trazer ordem ao caos existente. Como consequência desse apoio, é imediatamente demitido do seu cargo de reitor da Universidade de Salamanca pelo governo de esquerda. Entretanto o general Francisco franco une as suas tropas à rebelião e inicia com sucesso uma campanha vinda do Sul, tentando secretamente tomar o comando da guerra. Este confronto torna-se bastante sangrento e alguns amigos e colegas do escritor são detidos e aprisionados, obrigando Unamuno a questionar o apoio que tinha dado anteriormente à rebelião e até aos seus próprios princípios. Quando Franco transfere o seu quartel general para Salamanca e é nomeado Caudilho, Unamuno visita-o no palácio determinado a implorar clemência.

Opinião por Artur Neves

Alejandro Amenábar apresenta-nos aqui um relato dramático sobre o início do regime Franquista, em pleno início da guerra civil e como esse personagem congelou os destinos do povo espanhol durante quase 40 anos submetendo-o a uma ditadura de direita com a bênção divina. Franco e sua família eram fortemente crentes em Deus e o filme documenta essa dependência.
A história desenvolve-se em torno do filósofo e escritor Espanhol Miguel de Unamuno, conhecido pela sua obra; “O Sentimento Trágico da Vida” que lhe valeu a condenação da igreja e pela sua postura social, tal como descrito na sinopse e que compõe o argumento deste filme.
Miguel de Unamuno (Karra Elejalde) é assim considerado um autor estimado e filosofo, incluindo a fação nacionalista que o considerava patriota e nessa conjuntura, ele também se mostrava solidário com a junta militar que em processo colegial tinha o controlo do poder em convulsão e que evitava criticá-lo por conhecer o seu raciocínio de livre pensador independente de qualquer dogma.
Os seus amigos mais chegados são; Salvator (Carlos Serrano-Clark) um jovem professor que foi seu aluno e Atilano (Luis Zahera), pastor protestante, em que nas suas longas conversas, ambos, sobrevalorizando a influência política de Unamuno, frequentemente lhe recomendavam intervenções e pedidos que Unamuno sabia não estarem ao seu alcance, não só decorrente dos achaques da sua saúde, como principalmente, pela indiferença a que o poder remete o prestígio da intelectualidade, quando estão em jogo as ideologias fascistas e os partidos totalitários que enquadram pessoas incultas nas suas fileiras e divulgam uma doutrina que os afasta do raciocínio lógico.
Dos elementos constituintes da junta militar dirigente começa a formar-se a ideia da existência de um líder único em contraste com a tomada de decisão colegial, particularmente impulsionada por um general, mutilado e herói de guerra, temperamentalmente arrogante e possivelmente psicótico; Millan-Astray (Eduard Fernández) camarada de armas de Franco na frente africana, que “empurra” Franco para a presidência do grupo, apesar deste se apresentar como um militar fraco, sem qualquer espírito de liderança, passivo e até tímido, com medo (declarado pelo próprio) de “fazer o movimento errado”. Millan-Astray possivelmente teve em conta o seu poder de influência sobre Franco na condução das decisões de guerra.
É pois a este general Franco, já empossado pelos seus pares, que Unamuno se dirige em audiência pedindo clemência para os seus amigos entretanto presos, recebendo como esperado, um “não” rotundo, e que é posteriormente solicitado para a presidência do ato de abertura do ano letivo de 1936 no salão nobre da universidade, onde depois das exaltações da praxe política, Unamuno revela a sua oposição ao regime evidenciando muito particularmente as contradições do regime que ele abomina.
Alejandro Amenábar que nos ofereceu; “Mar Adentro” em 2004 com o drama da vida de Ramon Sampedro como ilustração da justeza da eutanásia, ou; “Os Outros” em 2001, numa história que inverte a posição entre os mortos e os vivos que habitam uma casa assombrada, traz-nos aqui um documento histórico que embora do ponto de vista técnico flua com segurança, apresenta alguma falha de ignição emocional que não nos empolga nem surpreende em nenhum momento. Todo o filme está bem construído, utilizando meios técnicos de primeira qualidade que tornam a representação credível e bem representativa de um passado não muito distante que serve para nos lembrar que todos os conflitos emergentes na Espanha atual não são um assunto novo.

Classificação: 7 numa escala de 10
PS: Não existem documentos históricos do discurso de Unamuno na universidade, mas segundo os relatos da época a controvérsia das suas declarações que levaram à sua terceira destituição de Reitor da Universidade de Salamanca estão descritas na página da Wikipedia referente a Miguel de Unamuno, cujo link deixo aqui.


Opinião – “Onde estás Bernadette?” de Richard Linklater


Sinopse

Onde Estás, Bernadette? é baseado no bestseller sobre Bernadette Fox (interpretada pela vencedora de 2 ÓSCARES Cate Blanchett), uma mulher de Seattle que tinha tudo – um marido dedicado e uma filha brilhante. Quando ela desaparece inesperadamente, a sua família parte numa aventura emocionante para resolver o mistério do seu paradeiro.
Com interpretações de Kristen Wiig, Billy Crudup e Laurence Fishburne, Onde Estás, Bernadette? baseia-se no bestseller de Maria Semple e é realizado por Richard Linklater, vencedor de um Óscar com Boyhood: Momentos de Uma Vida e realizador da trilogia de filmes Antes de Amanhecer, Antes do Anoitecer e Antes da Meia-Noite. (1995-2013).

Opinião por Artur Neves

Esta história é fundamentada num romance escrito em 2012 por Maria Semple que em jeito de comédia descreve a personalidade e a vida de uma arquiteta, que por motivos ilustrados no filme desaparece subitamente para se encontrar intimamente, nem ela sabia onde, antes de fugir.
A adaptação duma história destas não se apresenta fácil quando, seguindo o objeto do livro, temos de conjugar comédia social, crítica feminina sobre arte, união familiar e trauma materno, decorrente da ocorrência fortuita de dois abortos antes do nascimento de Bee Branch (abreviatura de Balakrishna, por acidente de dicção), (Emma Nelson) o “ai Jesus” da família e narrador em off dos eventos mais significativos que conduziram aquele desaparecimento.
Outro problema associado a esta realização seria encontrar a pessoa certa para este personagem multifacetado, agorafóbico, inteligente e maternal e aí dou os meus parabéns a Richard Linklater que acertou “na muge” ao escolher Cate Blanchett, essa versátil atriz que já nos deu um excelente personagem de mulher que tenta assumir uma identidade em que não pode acreditar, em Blue Jasmine de 2013, realizado por Woody Allen.
Linklater, que apresenta um certo pendor para o lamecha, aqui, descartou-se da profundidade do romance que não dizia respeito a Bernadette para que Cate Blanchett pudesse brilhar e apoiando-se, num personagem muito bem conseguido, pode dizer-se que; “leva o filme às costas”, ao ponto de se reconhecer que onde ela não está, é o vazio.
A história mostra-nos que tanto Bernadette como Bee são espíritos inquietos decorrente dos seus percursos; Bernadette como a arquiteta mais promissora da sua geração, recheada de sucessos na vida profissional, detentora de um prémio MacArthur Grant, por uma obra, posteriormente destruída por um vizinho que a odiava (aliás, Bernadette não é fácil de amar) e Bee que tendo nascido com uma insuficiência cardíaca, foi sujeita a múltiplas operações de reconstrução do coração que retardaram o seu crescimento e lhe proporcionaram uma infância difícil e conturbada.
O marido, Elgie Branch (Billy Crudup) e a sua vizinha fútil Audrey (Kristen Wiig) como sendo as pessoas que mais diretamente interagem com Bernadette têm os seus papeis menorizados representando o marido, um alto quadro da Microsoft, com elevado sucesso na sua carreira e que decorrente dos acontecimentos que nos são mostrados poderia assumir algum poder agressivo, foi transformado num quase idiota, plácido e conformado com todas as decisões tomadas pela “arquiteta” e Audrey, para quem o artificialismo das convenções pontua como comportamento e modo de vida é aqui remetida para um lugar secundaríssimo, muito embora nos apetecesse ver mais da sua interação.
Blanchette dá tudo de si e nos 109 minutos de filme, Bernadette existe em qualquer lugar onde ela se encontre e estabelece a diferença como o ator se entrega ao seu personagem, tanto no seu mau relacionamento com a tecnologia, como no amor à sua desejada filha. Para ela vai toda a classificação indicada a seguir e no meu entender, bem o merece.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

19 de novembro de 2019

LISBON TATTOO ROCK FEST 2019 - Entrevista a Poli Correia

Lisboa, Altice Arena • 29, 30 NOV e 1 DEZ

                                

"Sou um tatuador que gosta de fazer música e não o oposto. A música aliada à tattoo é uma mais valia"


Entrevista a Poli Correia, um dos artistas que irá marcar presença na Convenção Internacional de Tatuagem de Lisboa (tatuador na Iron Skull e músico em Devil In Me / Sam Alone)  
 
  • Como vês esta relação promovida pelo festival entre a tatuagem e o mundo da música? Acreditas que o público sai inteiramente beneficiado?

    Poli: Do meu ponto de vista, e de um modo geral, acredito que sim. A partir de certa era, a cultura da tattoo começou a estar bem presente no meio musical e sim, o rock foi sem dúvida dos pioneiros a abraçar e ter orgulho em carregar pigmento na pele. Acredito que toda a gente ganha no final do dia, música aliada à tattoo é uma mais valia. Toda a gente ouve e mete determinada música nos seus estúdios para tatuar, independentemente do género musical.

     
  • Como consideras o desenvolvimento do universo profissional da tatuagem em Portugal? É importante uma convenção como esta para estabelecer novas relações profissionais e pessoais?

    P: O universo "profissional" da tattoo portuguesa parece estar a caminhar numa boa direção. Eu gosto de convenções, por isso sou suspeito… considero que é bom para estarmos com tatuadores/amigos, partilhar conhecimento e até mesmo para passarmos todos um bom fim de semana rodeados de tattoo e arte relacionada com a mesma.  

     
  • Achas que as pessoas estão mais educadas atualmente para o que é, de facto, adotar a tatuagem como um modo de ser e de estar na vida?

    P: Para começar acho que existe uma contra-informação enorme, mas a verdade é que cada vez existe mais gente tatuada. Não sei se as pessoas têm uma melhor noção da tattoo e da forma como a abordam e a carregam no seu dia-a-dia, mas parece-me que o que surgiu foi uma vertente mais apelativa a nível de grafismos para as massas “pop” que, outrora, pouco ou quase nada consideravam a tatuagem nas suas vidas.

     
  • A tatuagem sempre esteve conectada mais com a cultura musical underground e de géneros mais “pesados” sonoramente. Achas que ainda hoje é assim ou esse estigma tem vindo a desaparecer?

    P: Desaparecer. Não tem só que ver com a questão "pop" que muitas culturas e movimentos artísticos por vezes acabaram por sofrer - se bem que a tattoo não tem um género musical especifico, a meu ver. De qualquer forma, tenho pena de ver a MTV e figuras de reality shows a usufruirem e a deturparem o conceito da tatuagem. Mas na verdade a tattoo está bem… apenas se abriu uma janela para as massas e, talvez, seja isso que nos faça parecer que tal esteja a acontecer.

     
  • Até que ponto ser músico e tatuador ao mesmo tempo potencia ambas as carreiras?

    P: Sou um tatuador que gosta de fazer música e não o oposto. Eu nunca fui muito bom a vender esse "peixe". Tomei a decisão de tentar ao máximo não misturar as duas, ou seja, nunca usei uma para vender a outra, até porque a tattoo para mim está acima de quase tudo na minha vida. A música foi sempre um hobbie que ganhou alguma relevância na minha vida, mas já tive situações em que tatuei devido ao facto de gostarem da banda em que toco… não vou mentir! Pode sim potenciar a carreira, mas eu nunca o fiz dessa forma

     
Com mais de 300 tatuadores de todo o mundo confirmados, o Lisbon Tattoo Rock Fest regressa à Altice Arena nos dias 29 e 30 novembro e 1 dezembro de 2019. Na vertente musical, estão confirmadas as presenças de Madball e Carnivore A.D. no dia 30, sábado, assim como a atuação de Ugly Kid Joe na sala principal no dia 1, domingo. 

18 de novembro de 2019

Opinião - Teatro - Os vizinhos de cima

Sinopse:
Ana Brito e Cunha, Fernanda Serrano, Pedro Lima e Rui Melo regressam ao Teatro Villaret, em Lisboa, a partir de 26 de Setembro.

OS VIZINHOS DE CIMA esteve em cena pela primeira vez de Outubro a Dezembro do ano passado, em Lisboa, tendo seguido depois numa pequena digressão pelo país - com passagem por três coliseus do Porto completamente esgotados - num total de 66 apresentações com mais de 30 mil espectadores.

Regressa agora Lisboa mantendo a promessa de continuar a fazê-lo reflectir sobre as relações a dois, com muitas gargalhadas à mistura, porque, como insinua o próprio autor: Uma boa dose de sentido de humor é absolutamente imprescindível para conseguirmos lidar com as questões do coração. E com a vida no geral, atrevemo-nos a acrescentar.

"Sem dúvida, uma das maiores e mais ambiciosas aventuras que podemos experimentar é viver em casal. Um grande desafio, cheio de adversidades e obstáculos em que a luta acontece diariamente, as trincheiras são infinitas e o consolo às feridas e arranhões sofridos é muitas vezes escasso e pouco salutar. Mesmo assim, inexplicavelmente homens e mulheres continuam a tentar. Por essa razão, estou convencido de que só com ironia e sentido de humor é possível escrever sobre essa tragédia que nos assombra desde o início dos tempos e da qual não podemos escapar. E o que é que os vizinhos de cima têm a ver com isso? Bem, eles são os culpados por estar a ler estas linhas agora. Há alguns anos atrás um casal mudou-se para o andar por cima do meu - onde vivo com a minha família. Quase de imediato começámos a ouvir ruídos estranhos, a qualquer momento ou hora do dia, sempre acompanhados de uma grande variedade de gemidos. Certamente que para mim, isto foi uma inspiração, e de forma inconsciente, acabou por dar origem ao que seria a minha primeira peça para teatro.” Cesc Gay


Opinião por Marta Castro:
OS VIZINHOS DE CIMA marcou a estreia no teatro do cineasta Cesc Gay. Estreado pela primeira vez em Barcelona, converteu-se logo num grande sucesso, esgotando todas as apresentações e batendo recordes de espectadores. Em Portugal, volta agora ao palco do Villaret em Lisboa.
Fernanda Serrano chegou, aquando da edição anterior, a mencionar que este foi um dos espetáculos mais felizes da sua vida.
Esta peça conta-nos a história de dois casais – os vizinhos de cima Laura e Rafa, protagonizados por Ana Brito e Cunha e Rui Melo, e os vizinhos de baixo Ana e Júlio, interpretados por Fernanda Serrano e Pedro Lima. Laura e Rafa, ela psicóloga e ele bombeiro, formam aparentemente um casal modelo. Já Ana e Júlio, ela proprietária de uma loja de roupa e ele pianista e professor de música no conservatório, passam por uma fase de monotonia e estagnação no casamento.
Após 6 meses na casa, Ana decide convidar o casal de cima para um jantar em sua casa, um pouco à revelia do seu marido. Não conseguindo escapar a este encontro, Júlio decide que esta é uma boa altura para confrontar os vizinhos com o facto de fazerem muito barulho, algo que Ana tenta evitar a todo o custo. À medida que a noite avança, os segredos dos vizinhos de cima começam a ser desvendados e o casal de baixo fica a conhecer as loucuras sexuais dos seus vizinhos, o que faz com que eles proprios comecem a repensar a sua própria relação, que já não tem o fulgor de outrora.
Esta peça é uma comédia cheia de humor e ironia, que aborda a temática do sexo, do amor, das aparências, e mais que tudo da convivência dos casais, levando o espectador a reflectir sobre a ilusão das aparências e a verdade das relações humanas e do que é preciso para uma relação sobreviver ao desgaste do tempo.
"Os vizinhos de cima" tem tradução de Maria João Rocha Afonso, música original de Filipe Melo e Nuno Rafael, cenário e adereços de Rui Filipe Lopes, figurinos de Isabel Carmona e desenho de luz de Luís Duarte. A peça pode ser vista de quarta-feira a sábado, às 21:30, e, aos domingos, às 16:30.
Vale a pena ir ver. De rir do principio ao fim!! De salientar a performance de Pedro Lima que é simplesmente fantastica.

17 de novembro de 2019

Opinião – “Mulher em Guerra” de Benedikt Erlingsson


Sinopse

Halla, uma ecologista de 50 anos de Reiquiavique decide enfrentar a indústria do alumínio num ato de justiça solitária, em prol da defesa do ambiente e contra o aquecimento global.
Começa então a sabotar as linhas de alta tensão para paralisar a fábrica, mas a notícia de que foi aceite para adoção de uma criança na Ucrânia abala os seus planos.

Opinião por Artur Neves

Benedikt Erlingsson não faz a coisa por menos, constrói um filme estranho, sem género definido, sobre uma história eco-terrorista e mistura nela, com alguma habilidade, diga-se, suspense, drama familiar, comédia sombria e realismo fantástico, apresentando um grupo de três músicos – tuba, acordeão e bateria – e um pianista errante, que acompanham um coro tradicional de cantores Ucranianos. Conjunto este, fora do real das cenas, ninguém os pode ver, apenas porque eles são propriedade do espírito de Halla (Halldóra Geirharðsdóttir) e acompanham-na em todas as situações tensas, acentuando essa tensão no início e posteriormente contribuindo para o seu desanuviamento, se assim se vier a verificar.
O grupo de músicos e o coro não fazem parte da ação, exceto no espírito de Halla que antecipando as dificuldades das ações que vai cometendo, excessivas em relação aos motivos que as justificam, assim as vai caraterizando ao longo do desenrolar da história, como que de um oráculo numa tragédia grega se tratasse, aparecendo nos momentos de risco a comunicar-nos e a envolver-nos nos seus atos heroicos.
As razões que Halla apresenta são a proteção da paisagem natural da Islândia, do funcionamento de uma refinaria de alumínio pertencente ao grupo Rio tinto, que ela diz ser um atentado à beleza natural do seu espaço rural, gloriosamente filmado por Bergsteinn Bjorgulfsson, diretor de fotografia.
Para o defender, ela mune-se de um arco e flechas para provocar um curto-circuito nas linhas de abastecimento de alta-tensão à fábrica de purificação de minério e posteriormente, numa massa explosiva de Semtex para destruir um dos postes de suporte da linha, interrompendo por mais tempo a alimentação de energia à refinaria.
Ninguém suspeita da alegre Halla, com cerca de 50 anos, simpática e participativa na comunidade, cujo trabalho normal é dirigir um grupo coral de adultos de pendor religioso, nem mesmo a sua irmã gémea Asa (também interpretada por Halldóra Geirharosdottir) que vive feliz, ocupada na sua elevação espiritual através da meditação e da prática de yoga e que tal como ela se propuseram em conjunto para adoção de uma criança em que Halla seria a mãe de acolhimento e Asa o garante de retaguarda para o caso de acontecer alguma coisa a Halla.
As coisas alteram-se quando Halla recebe uma carta informando-a que o seu pedido foi atendido e que ela poderá tornar-se mãe de uma menina ucraniana, Mika, apresentada numa fotografia em que toda a gente reconhece nítidas parecenças com ela.
Não caro leitor, a menina não é filha de um qualquer relacionamento anterior de Halla, ou de Asa e o filme é claramente anódino em matéria de erotismo ou esclarecedor sobre a orientação sexual de ambas. Um completo vazio.
A história foca-se somente na ecologia e na defesa da natureza e serve-se de um turista andarilho latino-americano, que é sempre conotado pelas autoridades e pelos midia como o responsável pelos atentados; Juan (Juan Camillo Roman Estrada) que assume a particularidade de estar sempre na hora errada no sítio errado, evidenciando uma certa discriminação negativa, algo incompreensível no contexto, quanto aos não nativos da Islândia.
O argumento é pois minimalista, sem subterfúgios nem twists, valendo-se apenas da beleza paisagística constituída por uma variedade de espaços abertos, grandiosos na sua diversidade geológica, maravilhosamente captados por um diretor de fotografia competente, avisando-nos para o futuro dramático que pode invadir aquela terra. Nada mais.

Classificação: 5 numa escala de 10

15 de novembro de 2019

Opinião – “Comportem-se como Adultos” de Costa-Gavras


Sinopse

Yanis Varoufakis desencadeou uma das batalhas mais espetaculares e controversas da história política recente quando, como ministro das Finanças da Grécia de um governo radical, tentou renegociar o relacionamento de seu país com a UE, provocando a fúria da elite política, financeira e de mídia da Europa. Mas a verdadeira história do que aconteceu é quase totalmente desconhecida – porque muitos dos negócios reais da Europa acontecem em portas fechadas.

Opinião por Artur Neves

Confesso que foi com algumas reservas que assisti ao visionamento deste filme considerando que foi baseado no livro de Yanis Varoufakis “Adults in the Room” publicado em 2019 e segundo creio, ainda sem tradução em português. O que me fez decidir foi o facto de o argumento ter sido adaptado do livro por Costa-Gavras, esse realizador Grego de 86 anos que nos deu “Z - A Orgia do Poder” em 1969, ou “Desaparecido” em 1982, ou ainda “Amen” em 2002, onde nos mostra a sua visão humanista do mundo e a denúncia da ditadura dos coronéis na Grécia, numa cinematografia sempre comprometida com a verdade.
Desta feita, temos uma abordagem da história recente do seu país natal, a braços com uma dívida monumental que aproxima perigosamente a Grécia em 2015, da bancarrota e do colapso social, através do “abraço de urso” da união europeia que lhe impõe condições leoninas no acordo de entendimento para a liquidação da dívida e para o saneamento da sua economia.
A história começa com a eleição de Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis) em Janeiro de 2015 e com a subida do partido de extrema esquerda, Syriza, ao poder na Grécia, na sequência da falência do governo anterior de pendor liberal do partido Nova Democracia. Yanis Varoufakis (Christos Loulis) pertencente ao núcleo duro de apoio a Tsipras, é nomeado ministro das finanças e tem de contrariar as condições duríssimas impostas pela Alemanha de Wolfgang Schäuble (Ulrich Tukur), incluídas no acordo de entendimento, o que o faz iniciar um périplo pelas capitais dos maiores países da União Europeia, Paris, Londres, Frankfurt, Berlim e Riga, em busca de apoios que lhe permitam atingir os seus objetivos.
Quem viveu estes anos p.p. com atenção às notícias dos jornais sabe que o maior opositor de Yanis era Schäuble que se recusava a alterar o que quer que fosse do memorando de entendimento, desafiando assim a habilidade negocial de Yanis que se desdobrava em tentativas para obter a compreensão de Christine Lagarde (Josiane Pinson), chefe do FMI e dos credores mais significativos, que apesar de ensaiarem alguma aceitação dos seus argumentos, acabavam sempre alinhados com Schäuble na hora das grandes decisões.
Convenhamos que esta é uma história difícil de pôr em filme. É necessário criar muitos personagens atuais com atores, qual deles o mais diferente do original (exceção feita para Schäuble por causa da sua cadeira de rodas) mas para todos os outros, incluindo Tsipras e o próprio Yanis, somente após algum tempo é que nos habituamos a considerar os seus rostos como o rosto que temos associado a estes personagens indissociavelmente ligados à crise Grega e a este grande problema da história recente da União Europeia.
Deste modo Costa-Gavras consegue a proeza de nos apresentar a visão claustrofóbica de múltiplas e infindáveis reuniões com todos os players centrais desta negociação, tais como; Jeroen Dijsselbloem (Daan Schuurmans) presidente à época do Eurogrupo, Pierre Moscovici (Aurélien Recoing), Mario Draghi (Francesco Acquaroli) presidente do BCE além dos anteriormente já citados para referir somente os mais importantes. Angela Merkel também aparece embora em extratos de notícias reais ligadas ao assunto e nunca como um personagem desta história.
Por outro lado Costa-Gavras nunca se refere a que o agravamento da crise Grega se deveu à ocultação dos indicadores macroeconómicos, orquestrado pelo conselheiro financeiro internacional Goldman Sachs, que permitiu encobrir a dimensão da dívida, nem aos desmandos financeiros sem controlo nos ordenados dos funcionários públicos e pensões principescas a membros de antigos governos, como ao elevado nível de corrupção que campeava na generalidade da economia real. Nada disto é mencionado, dando-se ênfase ao desemprego do povo, às falências de empresas esmagadas pela Troika e à miséria generalizada imposta por medidas de austeridade discricionariamente determinadas no memorando de entendimento.
Todo o filme é acompanhado por música de Alexandre Desplat inspirada no folclore Grego e até os momentos de maior tensão são intensificados por ela, apesar de o filme se tornar algo maçador de tão pormenorizadamente querer apresentar os factos relativos às negociações com os credores. Não tenhamos dúvidas, são todos culpados, são todos falcões e nem em Christine Lagarde se vislumbra um arremedo de pomba.
É história recente contada ao minuto, eu achei interessante mas admito que muitos dos leitores discordarão de mim.

Classificação: 6 numa escala de 10

IGOR MOISEYEV BALLET


Inserido nas comemorações dos 240 anos das relações diplomáticas Rússia - Portugal, e com o apoio da Embaixada da Rússia em Portugal, terá lugar em Novembro o espectáculo “As danças dos Povos do Mundo” pela companhia de Ballet Igor Moiseyev, no Casino do Estoril, e que será, seguramente, um dos acontecimentos culturais do ano no nosso país.

Este bailado levará o público presente no Salão Preto e Prata do Casino do Estoril a uma fantástica e colorida viagem à volta do Mundo. As coreografias do bailado russo entraram para a história como uma alegre e pitoresca enciclopédia da dança popular, conservando o seu sabor através do tempo. São 80 bailarinos em palco, com grandes coreografias, já património da dança mundial.

Todo o repertório da companhia desenrola-se em torno de 200 danças dos diferentes povos do Mundo, assim como as rigorosas coreografias sempre enriquecidas pelo extraordinário guarda-roupa das diferentes actuações e coordenadas superiormente pela experiente e exigente directora artística Elena Shcherbakova que entrou para a companhia aos 16 anos de idade e que mantém bem viva a identidade e o espírito do mentor e fundador do Bailado, o Mestre Moiseyev.

O Ballet Igor Moiseyev é, sem dúvida, a companhia com mais actuações em todo o mundo. As suas representações nos melhores teatros e salas de espectáculo são incontáveis ao longo dos 82 anos de existência da companhia, tendo actuado em mais de 70 países, entre eles os Estados Unidos da América, Canadá, Reino Unido, França, Australia, Nova Zelândia, China, Japão, Alemanha e Espanha.

Igor Moiseyev foi galardoado em dezenas desses países com múltiplos prémios internacionais no campo da coreografia, foi membro honorário de várias Academias espalhadas pelo mundo e a sua trajectória foi reconhecida por importantes organismos internacionais como a UNESCO que lhe atribui a Mozart Medal pela excelente e importante contribuição e divulgação da cultura musical pelo mundo. Na vizinha Espanha, foi-lhe concedida em 1996 a Gran Cruz da Ordem do Mérito Civil, entregue pelo então Rei de Espanha, Juan Carlos I. Na Russia, Igor Moiseyev foi distinguido com os mais importantes galardões e prémios, dos quais se destacam: Artista Nacional da União Soviética em 1953, Herói do Trabalho Socialista em 1976, o Prémio Lenin em 1967, o Premio do Estado Soviético em quatro ocasiões - 1942, 1947, 1952 e 1985 e o Prémio da Federação Russa em 1996.

É, sem dúvida, um espectáculo imperdível e altamente recomendado.


14 de novembro de 2019

Opinião – “O Traidor” de Marco Bellocchio


Sinopse

No início dos anos 80, estala entre os chefes da Mafia siciliana uma guerra bem acesa pelo negócio da heroína. Tommaso Buscetta, um homem marcado, foge para o Brasil. Em Itália, as contas vão-se ajustando e Buscetta acompanha à distância o assassinato dos seus filhos e do seu irmão, em Palermo, sabendo que pode ser o próximo. Preso e extraditado para Itália pela polícia brasileira, Buscetta toma uma decisão que alterará tudo para a Mafia: decide encontrar-se com o Juiz Giovanni Falcone e trair o juramento de lealdade eterna que fizera à Cosa Nostra.

Opinião por Artur Neves

Poderemos também chamar a este filme; “O pior de Itália” e Marco Bellocchio, realizador italiano, “fala” muito bem do que sabe apesar dos seus provectos 80 anos. Militante dos ideais de esquerda e autor de muitos filmes, entre os quais destaco “Bom dia, Noite” de 2003, sobre o sequestro em 1978 do político Aldo Moro, visto da perspetiva de um de seus agressores, militante das Brigadas Vermelhas em conflito com a sua doutrina, ou “Vencer” de 2009 sobre a primeira mulher de Mussolini, que este mandou encarcerar num asilo de alienados para viver livremente com a sua amante Ida Dalser, apresenta-nos agora uma incursão sobre o a Itália tem de pior, como seja o interior da organização “Cosa Nostra”, os uomini d’onore, cujas proclamações de honra não são mais do que cortinas de fumo para ocultar os seus verdadeiros desígnios de poder.
Nunca o cinema chegou tão longe com a magistral interpretação de Pierfrancesco Favino no papel de Tommaso Buscetta, o mafioso refugiado no Brasil e posteriormente extraditado para Itália que assumindo o estatuto de arrependido, confessa as ligações e identifica os principais intervenientes da organização em que ocupou lugar de destaque, sempre negado durante os 45 dias de interrogatório com o juiz Giovanni Falcone, com quem vem a contrair laços de respeito, próximos da amizade.
Durante o julgamento podemos apreciar a sagacidade com que os advogados da organização defendem os seus clientes perante um juiz impreparado e desconhecedor do material em apreço, constituindo uma clara denúncia social, através do cinema, da fragilidade do sistema judiciário italiano e das suas leis facilmente ultrapassáveis pelos motivos mais frívolos.
Não obstante, a colaboração de Tommaso Buscetta com a justiça e as suas revelações sobre a organização motivaram a prisão de mais de uma centena de responsáveis, tendo decapitado toda a estrutura de primeiro nível da organização. Todavia o filme não o trata como um herói, mantendo até um afastamento discreto da pessoa, dando relevo às relações com os seus pares e mostrando-os em toda a sua desfaçatez humana. Buscetta é o traidor e como tal é tratado em toda a história que nos mostra desde o mais insignificante dos servidores ao topo da pirâmide, corporizada por Giulio Andreotti, numa cena que evidencia o puro ridículo das instituições oficiais da época.
Decorrente do seu pendor informativo sobre os pormenores da delação de Buscetta e apesar da sua duração de 145 minutos, o filme dá-nos poucas pistas sobre os personagens mais significativos na organização, concentrando-se mais no período pós-máfia e no motivo que lhe pôs fim. Este facto faz com que os agentes do crime sejam vistos como uma multidão desavinda que vilipendia Buscetta na sala do tribunal. São retratados como uma bando de mafiosos barulhentos e desordeiros, banalizando a sua dimensão e as suas responsabilidades nos crimes de que são acusados, pelo lado “folclórico” do crime e das armas com que os cometem e menos no lado psicológico e nos dogmas que subjugam todos os membros da organização.
Deste modo registo uma insuficiência descritiva, que a ser considerada valorizava ainda mais o poder documental deste filme que retrata uma parcela significativa da história do século XX, todavia considero-o importante e recomendo-o vivamente.

Classificação: 8 numa escala de 10

12 de novembro de 2019

Opinião – “Passámos por cá” de Ken Loach


Sinopse

Ricky (Kris Hitchen) e a sua família lutam arduamente contra as dívidas desde o colapso financeiro de 2008. A certa altura, Ricky tem uma oportunidade de recuperar alguma independência com uma furgoneta novinha em folha e a possibilidade de ter o seu franchise como motorista de entregas por conta própria. É um trabalho duro, mas o emprego da mulher como cuidadora não é mais fácil. A família é forte, mas quando ambos são empurrados em sentidos diferentes, o ponto de rutura torna-se iminente.
Filme nomeado à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2019.

Opinião por Artur Neves

É curioso notar a evolução deste realizador, sempre voltado para histórias “com gente dentro” mas abordadas de acordo com os ventos da época e como se tem desencantado depois do recente arrefecimento da economia europeia a partir de 2008. Note-se que em 2009 Ken Loach apresentou-nos “Á Procura de Eric”, uma comédia com traços dramáticos, em que um carteiro fanático de futebol, recebia instruções e treino de Eric Cantona á mistura com tiradas filosóficas deste, aplicadas ao futebol. Seguiu-se “O Salão de Jimmy” em 2014 já mais sério, “Eu, Daniel Blake” em 2016 corporizando uma forte crítica aos serviços sociais irlandeses e agora esta história que nos desmonta o embuste do empreendedorismo individual quando “apoiado” num franchising fortemente explorador do franchisado.
Para lá da história, sente-se que Loach está a cobrar dividendos do sucesso, justo aliás, de “Eu, Daniel Blake”, carregando mais forte nas sombras negras que pairam sobre esta família irlandesa, em que a mulher, cuidadora ao domicílio de vários doente acamados ou impossibilitados de desenvolverem autonomamente as suas necessidades básicas, abdicou do seu automóvel para dar como entrada para a carrinha de transporte de entregas do negócio do marido, que se prolonga durante 14 horas diárias, porque as entregas têm de ser cumpridas e os objetivos atingidos e policiados por um scanner que o acompanha e confirma o cumprimento das tarefas.
Qualquer falta ao cumprimento do programa dá origem a multas e nenhuma justificação de ausência é atendível, quer seja por motivos familiares ou mesmo por doença, ou como resultado de um ataque de malfeitores à carrinha para roubar os bens e maltratar o condutor. Ken Loach mostra-nos de forma empolgante, realista e credível o resultado desta economia espetáculo que apesar de novas formas de apresentação serve sempre os mesmos, com total indiferença por quem trabalha e cria riqueza.
Para Ricky Turner (Kris Hitchen) e Abbie Turner (Debbie Honeywood) o trabalho não é gratificante nem promove a vida familiar degradando a relação com o seu filho Sebastian 'Seb' Turner (Rhys Stone) em idade escolar frequentando uma formação em que não acredita através do que observa do confronto entre os pais. A irmã mais nova, Lisa Turner (Katie Proctor), sofre regressão de desenvolvimento com pesadelos e enurese noturna decorrente da tensão em que a família vive. O fundamental nesta história é o detalhe com que Loach nos mostram os efeitos do “trabalho escravo” na sociedade e na família, em que o amor é relegado para um plano fora da estabilidade de uma relação que se quer manter mas que tem contra ela forças que é incapaz de contrariar.
Este filme trata de um tema importante e igualmente sombrio que se torna urgente na sociedade atual, em que uns poucos pretendem obter tudo à custa de muitos que não têm outra alternativa se não servi-los de acordo com o “figurino” que lhes é imposto e que no fundo repete a pergunta que Ken Loach já anda a fazer há muitos anos: a vida tem realmente de ser assim?... Muito interessante, recomendo.

Classificação: 7,5 numa escala de 10

11 de novembro de 2019

Opinião - Teatro - Intimidade Indecente

Sinopse:
Intimidade Indecente pode ser catalogada como uma comédia romântica. Mas é muito mais do que isso. É uma história de amor. Uma história de amor na maturidade. A história de um casal, dos seus encontros e desencontros.
Mariano e Roberta separam-se aos 50 anos.
O espectador acompanha os seus reencontros ao longo dos anos seguintes, década a década, até à casa dos 80, embalado num trabalho de actor absolutamente encantador e surpreendente.
Paixão, sexo, traição, amor, preconceito são alguns dos ingredientes desta história que promete emocionar as plateias e conquistar o público em Portugal.

Opinião por Marta Castro:
“Intimidade Indecente” é um dos espetáculos de maior sucesso no Brasil que regressa agora a Portugal e traz os populares Vera Holtz e Marcos Caruso nos papeis de protagonistas. Em 2004 e 2005 esta peça também esteve em cena em Portugal pelas mãos de Marcos Caruso mas dessa vez ao lado de Irene Ravache. Agora é nos apresentada uma versão mais actual desta comédia romântica mas nem por isso menos comovente.
Na peça, acompanhamos a história de Mariano e Roberta separam, um casal que se separa aos 50 anos, e que depois se volta a reencontrar, com 60, 70 e 80 anos, passando assim pelas diversas etapas da vida comum entre casais. Nesta história, o marido abandona a mulher para viver com a amiga da filha, de 17 anos, que mais tarde o troca pelo seu professor de ténis. Já a mulher acaba por sua vez por ter uma relação homossexual com a sua psicologa. Ao longo destes encontros, o espectador vai descortindo segredos que abrem a porta a mentiras, paixões, traições e aventuras, através da passagem do tempo e da evolução das personagens, sem nunca se perder o sentido de humor. A temática do amor e da sexualidade na terceira idade são aqui abordadas sem tabus.
Esta peça é uma peça que faz reflectir sobre o ser humano, sobre as suas conexões e os seus erros, e sobre o seu envelhecimento. Apesar de ser uma comédia romântica, ela traz adjcente a consciência de que todos somos na nossa génese iguais e que envelhecemos e sofremos as consequências das nossas escolhas e caminhos. Uma peça que acompanha os altos e baixos de uma relação e que acaba por ser uma ode realista ao amor e aos erros que cometemos na vida. Mais do que falar de casamento, este texto fala de relações humanas, de amor.
Leilah Assumpção considera que esta é a sua peça mais madura, somando 20 textos para teatro em 32 anos de carreira. “Apesar de algo romântica e conservadora, não resta dúvida de que minha dramaturgia é de impacto, não consigo ficar no ramerrame; não brinco, quando tenho de falar, falo, não rodeio”.
Os actores Vera Holtz e Marcos Caruso tem uma prestação brilhante e é de dignificar também todo o trabalho de teatro fisico que fazem ao longo da peça que invoca a credibilidade do envelhecimento das personagens sem se recorrer a nenhum outro recurso.

A não perder! Um dos espetáculos mais emocionantes e bem-humorados de 2019!

Digressão:
26 Setembro a 03 Novembro - Lisboa, Teatro Tivoli BBVA
05 a 06 de Novembro - Póvoa de Varzim, Cine-Teatro Garret
07 e 08 Novembro - Aveiro, Teatro Aveirense
14 a 17 Novembro - Famalicão, Casa das Artes
19 e 20 Novembro - Leiria, Teatro José Lúcio
22 e 23 Novembro - Figueira da Foz, Centro Artes e Espetáculos
26 Novembro a 01 Dezembro - Porto, Teatro Sá da Bandeira
03 e 04 Dezembro - Coimbra, Convento São Francisco
05 Dezembro - Estarreja, Cine Teatro Estarreja
07 Dezembro - Vila Real, Teatro de Vila Real
13 e 14 Dezembro - Albufeira, Palácio de Congressos do Algarve

8 de novembro de 2019

Opinião – “Le Mans '66: O Duelo” de James Mangold


Sinopse

“Le mans 66”: O Duelo”, protagonizado pelos oscarizados Matt Damon e Christian Bale, é baseado na história real do visionário car designer Carroll Shelby (Matt Damon) e do destemido piloto britânico Ken Miles (Christian Bale). Juntos lutaram contra os regulamentos, as leis da física e os seus próprios demónios com o objetivo de construir um carro de corrida revolucionário para a Ford Motor Company e vencer os carros de Enzo Ferrari nas 24 horas de Le Mans em França 1966.

Opinião por Artur Neves

Numa observação ligeira pode pensar-se que se trata de um filme de carros de corrida, ou até de máquinas de competição em velocidade, mas “Le Mans 66” é muito mais do que isso, é uma história de castas, de orgulho, de tenacidade e perseverança, de carne e sangue suportados por máquinas de metal e fogo que chegam aos 320 km/h e sem levitar, transportam o seu ocupante para o lugar do seu espírito e para a paz que este pretende atingir na loucura do seu veloz deslocamento controlado.
Estamos na década de 60 e Henry Ford II, (Tracy Letts). que recebeu o negócio do pai, confronta-se com uma empresa paralisada. Os carros não agradam, vendem-se dificilmente, sofrem desenvolvimentos menores que não agradam ao público, mas que aparentemente servem a corporação, os seus pergaminhos, a sua tradição apoiada por uma bateria de funcionários corporativos que apesar de endeusarem o seu patrão não lhe trazem valor acrescentado, nem cash-flow ao departamento comercial. Henry Ford II, sente-se preso na sombra do império e subjugado pelo peso da herança.
Para se libertar dos medos que o assaltam enverada pelo salto qualitativo do seu produto através da conceção de uma máquina que possa vencer a Ferrari de Enzo Ferrari (Remo Girone), na prova rainha de resistência da época; as 24 do circuito de Le Mans em França, através da contratação do melhor profissional no ramo, Carroll Shelby (Matt Damon), um piloto da Aston Martin que venceu Le Mans 1959 e que teve de abandonar as provas por motivos de saúde.
É aqui que a batalha começa e que será decidida na pista de Le Mans por Carroll Shelby que se fará acompanhar pelo seu piloto de eleição Ken Miles (Christian Bale), imposto após dura luta ao patrão da Ford que o recusa por não ter o tipo e a formatação corporativa dos trabalhadores Ford.
James Mangold, realizador americano, nascido em 1963, que já nos ofereceu “Vida Interrompida” em 1999, e "Heavy" (1995), o seu filme mais dramático não passado em Portugal, constrói uma história baseada num caso real que nos mostra a aspereza emocional do confronto entre pessoas que embora situados em mundos diferentes precisam umas das outras e sabem como conduzir os seus objetivos para concretizar as obras que darão felicidade a ambos, embora se mantenham separados pela distância entre os seus mundos.
Independentemente da personalidade real de Carroll Shelby e Ken Miles, o argumento desenvolve personagens bem conseguidos pelos seus intérpretes. Mat Damon constrói um britânico decidido, com ideias e vontade própria embora algo melancólico e Christian Bale apresenta-se como nunca o vira-mos, um americano rural, desbragado, calculista, determinado nas suas opções e com uma família constituída pela mulher; Mollie (Caitriona Balfe) que embora com um pequeno papel mostra sentido e determinação em todos os seus atos, tanto no afeto por Ken, como na hora de impôr a sua vontade quando sente fraqueza do lado de Ken, ou nos cuidados ao filho Peter (Noah Jupe), mostrando que a felicidade familiar é uma componente de construção diária e os três formam uma equipa equilibrada e coesa.
De toda esta história ressalta o valor da determinação em alcançar um objetivo e constitui uma homenagem justa a uma máquina, o modelo Ford GT40 que foi construído para destronar a Ferrari que tinha sido vencedora do circuito das 24 horas de Le Mans entre 1960 e 1965 consecutivamente, tendo conseguido esse trofeu em 1966 com três carros Ford nos 1º, 2º e 3º lugares, constituindo a nova referência da marca que a potenciou no mercado. Muito interessante, bem construído e interpretado, merece ser visto e recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10