24 de abril de 2017

Opinião: “Para Além das Cinzas” de Scott Cooper


Sinopse

Quando Rodney Baze misteriosamente desaparece e a justiça não segue com bastante rapidez, seu irmão mais velho, Russell, toma o assunto em suas próprias mãos para encontrar justiça.

Opinião por Artur Neves

Esta é uma história do oeste moderno, atual, trabalhador, mas que vive paredes meias com a montanha e os seus habitantes esquecidos no tempo e ostracizados pela sociedade que não os quer integrar porque eles também a ignoram, reagem, refugiam-se em guetos, escondem-se e compensam a sua frustração na droga, no crime violento, na prática dos instintos mais básicos e primários da espécie humana.
É uma história na América profunda que ajudou a eleger Donald Trump e que sobrevive sem esperança nem glória. Scott Cooper é um realizador nascido nos USA, no estado da Virgínia e como tal sabe do que fala e a que se refere quando nos mostra uma cidade com pouca atividade comercial e industrial, que sofre as sequelas da globalização com a falta de trabalho devido ao fecho das fábricas e do êxodo dos seus filhos para a guerra do Afeganistão, situada no sopé dos montes Apalaches onde os vive uma sociedade de marginais, fechada ao mundo e onde a polícia não se atreve a deslocar-se e até estabelece ligações subterrâneas com os lideres da droga para sua própria segurança e dos munícipes que se comprometeu proteger.
É neste ambiente pesado, de poucas palavras, gestos languidos e dias sempre iguais que Rodney Baze (Casey Afflec) procura compensar o tempo perdido em quatro campanhas no Afeganistão que não lhe trouxe nada além de cicatrizes, solidão e feridas na alma, através de combates ilegais de boxe com mãos nuas e resultados combinados, por um John Petty (Willem Dafoe, soberbo) com Harlan DeGroat (Woody Harrelson num personagem absolutamente desumano, selvagem e asqueroso) corretor de apostas e organizador dos referidos combates de que todos têm conhecimento mas que ninguém se atreve sequer a mencionar a sua existência.
As coisas porém não correm como combinado e DeGroat não perdoa, manifestando a mais fria crueldade e violência que estão de acordo com todo o ambiente circundante e são-nos apresentados em cenas credíveis e duras. Ao desaparecimento de Rodney e à relativa inercia das autoridades locais, cabe a Russell Baze (Christian Bale, também num bom desempenho) seu irmão, ir procura-lo em locais completamente desconhecidos para si, que apesar de os encontrar não se atreve a agir porque constituiria um suicídio sem utilidade nem glória.
Muda de estratégia e finalmente consegue os seus intentos de justiça, que embora perpetrada por suas próprias mãos constituí resposta para a inercia e acanhamento das autoridades que muito prometem mas pouco fazem por uma lei e ordem que não têm capacidade de impor. “Quem com ferros mata com ferros morre” e a cena final, repleta de frieza, sereno desprezo e puro ódio, ilustra completamente o provérbio. Trata-se de um filme duro, mas bem feito, desempenhado com profissionalismo e que vale a pena ver.

Classificação: 7 numa escala de 10

12 de abril de 2017

Opinião – “Médico de Província” de Thomas Lilti


Sinopse

Nos últimos trinta anos, Dr. Jean-Pierre Werner tem trabalhado como médico generalista em várias aldeias de província, distantes de qualquer unidade hospitalar. Quando descobre que sofre de uma grave doença, Werner não tem outra escolha senão encontrar um substituto, apesar de se considerar - e de os seus pacientes o considerarem - insubstituível.

Opinião por Artur Neves

“Médico de Província” apresenta-nos uma história passada em França, fora de qualquer cidade, em pleno ambiente rural, onde um médico cuida dos seus doentes visitando-os regularmente, não só por causa de problemas de saúde mas também como elo de ligação entre a terra que habitam, usufruem, e um conceito civilizacional muito afastado daquela realidade. As suas visitas servem também para a resolução dos mais variados problemas do quotidiano que os afligem e que se sentem incapazes de resolver.
Neste contexto, a falta deste “João Semana” mais se fará sentir quando ele descobre que tem um tumor cerebral que lhe causa perturbações de visão, de estabilidade, de olfato e lhe dificulta o cumprimento da missão que se impôs. As coisas ainda se complicam mais quando a autoridade de saúde que o supervisiona lhe envia uma médica para o auxiliar e aliviar de tarefas onde tem sentido dificuldades.
De princípio a sua reação é negativa, pois não aceita intromissão nos seus hábitos e prepara-lhe “praxes de caloiro” enviando-a para os seus doentes mais problemáticos ao que ela responde com um profissionalismo e abnegação extremos motivando a sua admiração silenciosa e secreta, enquanto o tumor segue o seu caminho, não obstante o continuado tratamento a que periodicamente se sujeita.
Temos pois um filme rural, com piadas de ocasião, eventos do quotidiano normal, segredos e silêncios, simpatias que nascem, aborrecimentos passageiros, conduzindo-nos ao longo dos dias que não diferem significativamente entre si e nos fazem perguntar na sala escura; para onde é que isto irá?...
Os sentimentos demonstrados por todos os personagens são ligeiros, comuns, não arrebatam ninguém, o ambiente rural que se nos apresenta é banal, quotidiano, rotineiro nas atenções prestadas aos doentes, o clima entre os dois personagens principais é sempre cordial embora se possa inferir, sem qualquer menção expressa, eventuais alterações de sentimentos através de olhares ou da negação destes, desenrolando-se todavia todos os atos dentro da mais convencional normalidade que nos faz pensar que o seu autor; Thomas Lilti diretor e argumentista deste relato bucólico nos quis apresentar um documentário ficcionado da vida na província Francesa, pois não acredito que em pleno século XXI ainda exista um “João Semana” em funções efetivas.
A cereja em cima do bolo aparece na última TAC a que o médico é sujeito como controlo do tratamento prescrito, onde milagrosamente, já não aparece qualquer referencia ao tumorl, depois de em várias alturas do filme nos terem pintado um quadro negro de impossibilidade de operação e ineficácia do tratamento. Ora bolas, se era só para isto mais valia termos ido pastar caracóis para o campo.

Classificação: 4 numa escala de 10

6 de abril de 2017

Opinião – “Negação” de Mick Jackson


Sinopse

Baseado no famoso livro "Denial: Holocaust History on Trial", Negação dá-nos conta da batalha judicial que Deborah E. Lipstadt (Rachel Weisz, vencedora de um Óscar) travou em tribunal contra David Irving (Timothy Spall, nomeado para um BAFTA) em defesa da verdade histórica. David Irving processara-a por difamação na sequência de ela lhe ter chamado negacionista do Holocausto. No sistema judicial inglês, em casos de difamação, o ónus da prova recai sobre o réu, e coube portanto a Deborah Lipstadt e à sua equipa de advogados liderada por Richard Rampton (Tom Wilkinson, nomeado para um Óscar) provar que o Holocausto ocorreu.

Opinião por Artur Neves

Esta história começa em 1994 quando David Irving, historiador britânico defende a tese de que Hitler não terá sido o autor do genocídio de milhares de judeus durante a segunda guerra mundial, negando mesmo a ocorrência do Holocausto, durante uma palestra de lançamento do livro de Deborah E. Lipstadt que aborda precisamente o tema do extermínio do povo judeu durante o conflito. David, depois de provocar um verdadeiro circo durante a palestra desafia a escritora a apresentar-lhe provas documentais irrefutáveis dos factos relatados no livro, acusando-a de difamação da sua pessoa e da sua obra.
Lipstadt vê-se assim envolvida numa disputa judicial, que através da divulgação mediática que este ato teve, tornou-se num libelo jurídico que acaba por constituir um julgamento público à própria aceitação da existência do Holocausto e dos seus contornos mais devastadores.
Trata-se portanto de um filme de julgamento para o qual Mick Jackson (realizador Inglês, nascido em 1943, e também autor do filme “The Bodyguard” 1992) escolhe um conjunto de atores de primeiríssima água, oriundos do teatro, e tal como era esperado apresentam um desempenho perfeito dos personagens envolvidos na história.
Só que… esta é uma história mais para ser lida e analisada ao pormenor de todos os argumentos evidenciados na disputa e onde o seu visionamento não acrescenta grande mais valia para a sua compreensão ou desenvolvimento. Para nós, que vemos o filme na sua versão inglesa com legendas, significa um contínuo trabalho de leitura, interessante do ponto de vista formal, mas que nos faz perder a pouca ação que a história apresenta e principalmente o desempenho dos atores e das suas personagens, que de acordo com o regime judicial Britânico implica que seja a acusada (Lipstadt) a provar que o Holocausto ocorreu mesmo.
Este facto provoca diferenças de entendimento na equipa de advogados que geram conflitos que a leitura das legendas não reporta. Por outro lado, as alegações são de tal modo subtis que conferem a toda a cena expectativa (sobre a resposta do oponente) em vez de ação.
Não pode dizer-se todavia que não seja um bom argumento, ou que não reflita com justeza o que se terá passado no julgamento, ou até o horror que se viveu naqueles tempos, na minha opinião a linguagem cinematográfica é que não será a mais adequada por nos transmitir uma certa indefinição e aleatoriedade no desempenho dos personagens. Todavia, durante o visionamento, não considerei que fosse tempo perdido.

Classificação: 5 numa escala de 10