22 de fevereiro de 2018

Opinião – “The Post” de Steven Spielberg

Sinopse

A improvável parceria entre Katharine Graham (Meryl Streep) do Washington Post, a primeira mulher na liderança de um dos principais jornais norte-americanos e Ben Bradlee (Tom Hanks), o editor do jornal, na corrida com o New York Times para expor um dos maiores encobrimentos de segredos governamentais que durou três décadas e passou por quatro presidentes americanos. Num filme empolgante, os dois protagonistas têm de ultrapassar as suas diferenças enquanto arriscam as carreiras e a própria liberdade para desenterrar verdades há muito escondidas do público.

Opinião por Artur Neves

Pretende-se demonstrar nesta história o heroísmo do jornalismo de investigação, quando ao serviço da democracia representativa denuncia em letra de forma a deturpação das regras básicas desse regime político, que embora dispendioso e falível como todas as obras humanas constitui ainda o regime mais equilibrado das relações sociais entre cidadãos.
Neste caso, trata-se da denúncia da mentira do governo americano sob a presidência de Richard Nixon, estar enganar o povo americano sobre o real estado de desenvolvimento e de perspetivas futuras da guerra em que a América estava envolvida no Vietnam. Essa fuga de informação chega ao jornal The Washington Post (The Post) e o filme de Spielberg analisa as eventuais implicações perversas que podem provocar na sociedade e no próprio jornal, considerando que se trata de divulgação de documentos classificados.
Toda a intriga da história gira em torno da decisão de publicar ou não publicar um material altamente confidencial fornecido por uma fonte secreta que segundo a deontologia jornalística não deve ser revelada. A atmosfera de indecisão é criada por dois excelentes atores; Tom Hanks e Meryl Streep em que o primeiro é o chefe de redação e a segunda a dona do jornal com ligações próximas e de amizade a figuras da primeira linha do governo em funções.
Todavia, Spilberg condena à partida o destino para aquela informação mostrando-nos como que um “destino traçado” para aquelas duas pessoas fazerem história no meio editorial americano, devido a dispensar menos importância ao processo de análise da verdade contida na informação e na fundamentação da decisão e mais tempo e texto, á gloriosa decisão de permitir a divulgação de todo aquele material escaldante que lhe caiu nos braços de proveniência “desconhecida”. Já sabemos que o jornalismo é o 4º poder e está fadado para empreender grandes mudanças sociais mas com a retórica apresentada neste filme, Spielberg dá-nos tudo de bandeja, considerando que poderia ter sido estabelecido um paralelismo entre esta América dos anos 70 e a atualidade em que mais uma vez, o inquilino da Casa Branca deturpa e fabrica a informação de acordo com as suas conveniências e com um novo aliado que são as redes sociais
Em boa verdade, Spielberg deixa alguns recados a Trump, mas toda a ação da história é frouxa, monótona, circunscrita à dicotomia da publicação e às conveniências palacianas da política que se desdobra em contactos e reuniões sempre sobre um mesmo assunto. O trabalho dos atores é realmente fabuloso e mesmo com este argumento menor, dá gosto vê-los atuar e interagir entre si através dos personagens e é para eles vai toda a classificação indicada a seguir

Classificação: 6 numa escala de 10

19 de fevereiro de 2018

Opinião – “Linha Fantasma” de Paul Thomas Anderson

Sinopse

Com o glamour da cidade de Londres do pós-guerra como pano de fundo, o renomeado costureiro Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) e a sua irmã Cyril (Lesley Manville) estão no centro da moda Britânica, vestindo realeza, estrelas de cinema, herdeiras, socialites e damas com o distinto estilo d’A Casa de Woodcock. As mulheres entram e saem da vida de Reynolds, providenciando-lhe inspiração e companhia, até que ele se cruza com uma jovem e persuasiva mulher, Alma (Vicky Krieps), que rapidamente se torna uma fixação na sua vida, como musa e amante. Antes controlada e planeada, ele vê agora a sua vida despedaçada pelo amor.

Opinião por Artur Neves

Paul Thomas Anderson conta-nos aqui a história de um amor total embora imperfeito á luz dos amores ditos “normais” que a cultura telenovelesca nos impinge diariamente em doses maciças intoxicando a eventual criatividade amorosa para lá do “politicamente correto”. A história não é propriamente edificante nem glorifica o amor nos cânones tradicionais, mas é uma ode a esse sentimento de busca universal que pode trespassar-nos a alma e levar-nos a aceitar a falência humana e até a morte em seu nome.
O argumento, igualmente escrito por Paul Thomas Anderson inspira-se vagamente na vida do estilista britânico Charles James, transmutada para o personagem costureiro Reynoldos Woodcook (Daniel Day-Lewis, soberbo no seu desempenho) homem meticuloso no seu trabalho, criativo em todo o tempo disponível, maniento em modos e comportamentos obsessivos, controlador e fiscalizador de toda a atividade em seu redor, secundado pela irmã Cyril (Lesley Manville) gestora da atividade, silenciosa, organizada, funcionalmente submissa para o génio do irmão se permitir desenvolver os modelos para a elite britânica e europeia.
Daniel Day-Lewis estabeleceu ser este o último filme da sua carreira, relativamente longa e com vários méritos decorrente do seu trabalho meticuloso em estudar os personagens que interpreta. Nada fica ao acaso no seu desempenho e isso nota-se em todos os pormenores da sua presença em cena, tantos nas suas falas estudadas de acordo com a ação, como nos seus silêncios, que nunca o são completamente, considerando a exibição duma linguagem não-verbal que exprime a complexidade dos sentimentos experimentados no momento. Neste filme ele assimilou os princípios básicos da alta-costura para melhor interpretar um costureiro fiel às suas premissas de arte.
Cyril sua irmã, é a corporização da ordem, da razão e do pragmatismo que os grandes criadores não possuem, guiando-o silenciosamente por entre os compromissos profissionais e pelos devaneios da sua paixão… direi mais!… Do seu encantamento por Alma (Vicky Krieps) que o conquista devastadoramente após um percalço furtuito no serviço de restaurante onde trabalha. Nada foi deixado ao acaso nesta história e informo que o ligeiro tropeção de Alma, precedido dos contínuos olhares, pedidos e comentários que se seguiram, bem como o serviço da refeição são bem o exemplo do meticuloso cuidado dispensado aos pormenores pelo realizador.
Depois tudo se complica, o amor, esse sentimento tão absoluto como difícil, tudo transforma até ao limite da sua própria essência. Confunde-se entrega com posse, determinismo com dádiva ao ponto dela preferir que o seu amado seja fraco e vulnerável para que os seus cuidados sejam o seu meio de subsistência. Do lado dele o seu amor leva-o a ingerir comida envenenada, subjugando-se ao seu amor sombrio, embora total. Recomendo.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

8 de fevereiro de 2018

Opinião – “Suburbicon” de George Clooney

Sinopse

Suburbicon é o lugar perfeito para instalar uma família e no verão de 1959 a família Lodge está a fazer isso mesmo. No entanto a fachada de tranquilidade esconde uma realidade perturbadora e Gardner Lodge, o patriarca da família Lodge, terá de navegar nos bastidores sombrios dos subúrbios, as suas traições, mentiras e violência.

Opinião por Artur Neves

Suburbicon, um bairro nos arredores da grande cidade apresenta-se como uma fábula de mil maravilhas na terra de todas as oportunidades, onde tudo é perfeito para uma vida bela (e amarela, digo eu) ser vivida em toda a sua plenitude, em casas iguais com relvados muito verdes, uma igreja vistosa, um supermercado privativo e os símbolos da prosperidade galopante com os últimos progressos tecnológicos à época, 1959, ao serviço das famílias e das donas de casa a tempo inteiro que esperavam, zelosas, o seu homem regressado do trabalho, árduo mas compensador.
Porém, pela cabeça do perverso Gardner Lodge (Matt Damon) fervilha uma ideia suja para se libertar da sua esposa Rose (Julianne Moore) que vive entrevada numa cadeira de rodas como resultado de um acidente de automóvel de sua responsabilidade. Com eles, para ajudar nas tarefas domésticas, também, vive a sua cunhada gémea, Margaret (Julianne Moore) com quem ele efabula pecaminosas fantasias de traição e congemina a maneira de realiza-las sem que isso lhe traga problemas futuros. O prémio esperado, será uma idílica viagem a Aruba em ambiente de lua-de-mel com o dinheiro a receber do seguro.
George Clooney recupera aqui um argumento em jeito de comédia negra, escrito por Joel e Ethan Coen em 1980 e posteriormente abandonado em benefício de outra história; “Fargo” realizado em 1996 pelos mesmos irmãos Coen, com grande sucesso na época que lhe valeu um oscar. Como tal, não é estranho que este Suburbicon, “transpire” Fargo por todos os poros, nas suas reviravoltas surpreendentes, nas cenas de puro humor negro, nos mafiosos assassinos completamente idiotas, no arquiteto de toda a trama, Gardner Lodge, convencional e patético na sua relação com os outros e extremamente violento quando se trata de salvar a pele.
Mas Clooney (Mr. Nespresso) não é homem para se ficar pelos despojos dos Coen e para reinventar a história (a sua história) cola-lhe oportunisticamente uma defesa dos direitos civis dos negros, paternalista e politicamente correta, “plantando” uma família negra na casa em frente dos Lodge, onde vão ocorrer manifestações e contramanifestações que nada têm a ver com a história principal mas que corporizam uma mensagem antirracista para a América de Trump em consonância com a ação da sua mulher Amal, que luta pela defesa das minorias. Em meu entender não era necessário este recado de consciência social, considerando que os Meyers, a família de negros, não tem a menor relevância na história principal deste filme.
Para finalizar, uma nota de apreço e elogio a Bud Cooper (Oscar Isac) que interpreta o papel do intrometido advogado da seguradora, que facilmente suspeita da tramoia e paga isso com a vida, bem como Nicky (Noah Jupe), filho dos Lodge que não herdou a estupidez anacrónica do pai e apresenta-se como um ator a ter em conta no futuro.

Classificação: 5 numa escala de 10

1 de fevereiro de 2018

Opinião – “Todo o Dinheiro do Mundo” de Ridley Scott

Sinopse

John Paul Getty III, (Charlie Plummer) um adolescente de 16 anos e neto do homem mais rico do mundo, Sr. Getty, (Christopher Plummer) é raptado enquanto passeia em Roma. Ao perceber que os raptores exigem uma quantia exorbitante de dinheiro, a sua mãe, Gail Getty (Michelle Williams) rapidamente recorre ao sogro em busca de ajuda. Quando o Sr. Getty se recusa a pagar o resgate, Gail faz de tudo para o convencer. Com a vida do seu filho em jogo, Gail alia-se ao braço direito do Sr. Getty, Fletcher Chase (Mark Wahlberg) numa corrida contra o tempo que revela a verdade sobre o valor do amor vs dinheiro, nas grandes fortunas.

Opinião por Artur Neves

Esta história relata um dos eventos mais marcantes na vida do primeiro grande magnata da exploração petrolífera americana, Jean Paul Getty, primeiro explorador do petróleo da Arábia Saudita e fundador da Getty Oil, posteriormente adquirida pela Texaco e integrada nesta em 1984. Paul Getty foi um milionário colecionador de arte e de antiguidades que estão expostas na sua mansão em Malibu, atualmente transformada em museu, na Califórnia.
Adicionalmente, este filme contém ainda outro aspeto curioso, embora externo à história, considerando que após as acusações de assédio sexual que explodiram e ainda proliferam nos USA e atingiram o ator Kevin Spacey inicialmente convidado para o papel de Paul Getty, este foi substituído por Christopher Plummer, tendo o realizador Ridley Scott refilmado todas as cenas em que intervinha Kevin Spacey, substituindo-o pela sua nova escolha.
Assim, “Todo o dinheiro do Mundo” apresenta-se como uma grande produção que mistura dados biográficos com um thriller que confere ritmo e ação ao filme, ao sabor e ao tom de um grande realizador que já nos apresentou muito boas obras neste género. E isso nota-se, considerando que os dois aspetos anteriormente mencionados, a biografia e o thriller, se rivalizam na medida que tornar factos reais, de pessoas reais, em ação e suspense não é propriamente uma tarefa linear.
David Scarpa, escritor do argumento baseado no livro de John Pearson, consegue essa proeza através da alternância narrativa entre a descrição da vida do magnata, o cativeiro do neto, a intervenção do homem de confiança do avô Fletcher Chase e o desespero angustiado de uma mãe que se vê limitada de meios para salvar o seu filho mas que não pára de lutar com todas as “armas” ao dispor, mesmo admitindo que luta contra forças inamovíveis e poderosas.
Ridley Scott confere essa dinâmica ao relato fílmico através de flashbacks sobre o magnata, sua vida profissional e familiar, dando ao espetador toda a informação que é necessária em cada momento, conduzindo-o no seu raciocínio e na sua observação dos factos, não deixando a ação descambar para a aventura fácil dos polícias bons e dos vilões maus, pois todos têm a sua posição bem demarcada naquela história, nem sempre lisonjeira para um dos lados e surpreendente de onde menos se esperava.
Corporiza assim um espetáculo que se vê com agrado durante os seus 132 minutos de duração mas em que o tempo não nos pesa, marcado por diversas voltas da narrativa que nos inspiram reflexões sobre a vida e sobre o que significa; verdadeira felicidade.

Classificação: 8 numa escala de 10