29 de abril de 2020

Opinião – “Extraction” de Sam Hargrave


Sinopse

Tyler Rake (Chris Hemsworth) é um destemido mercenário do mercado negro, sem nada a perder, quando suas habilidades são solicitadas para resgatar o filho sequestrado de um lorde internacional do crime, preso. Mas no submundo sombrio dos traficantes de armas e traficantes de drogas, uma missão já de si mortal aproxima-se do impossível, alterando para sempre as vidas de Rake e do garoto.

Opinião por Artur Neves

Com indicação do título em português de; “Operação de Resgate” este filme disponível na plataforma Netflix conta a história do recrutamento de um mercenário Tyler Rake (Chris Hemsworth) para uma operação de recuperação de alto risco, do filho Ovi (Rudhraksh Jaiswal) de um barão da droga do Bangladesh, entretanto preso, por um grupo rival a operar na mesma área a fim de obter um resgate. Trata-se portanto de um filme de ação, com muitos tiros e combates corpo a corpo, muito embora também possua outros espetos que vou mencionar.
Tyler tem um grupo de apoio, que prepara antecipadamente o assalto e a subsequente extração do rapaz sequestrado e dele próprio, mas as coisa não correm tal como planeado e isso confere tempo de convívio entre Tyler e Ovi, um jovem ator de Mumbai que apresenta um bom desempenho durante todo o filme, dando vida a um personagem infantil, mas com capacidade de observação e teorização da sua situação. A sua expressão de surpresa pelo que lhe está a acontecer, os olhos esbugalhados, a pele morena sempre suada com postura retraída pelo medo, confere ao personagem verossemelhança que se vê e se acredita.
Entre os dois desenvolve-se uma química de confiança que faz Ovi teorizar que se assemelha a um pacote, que se sente mais como coisa do que como pessoa, decorrente de estar a ser disputado pelo seu salvador como a justificação de um pagamento (que não se realizou, mas que ele ainda não sabe) e dos inimigos do seu pai como moeda de troca para aumentarem a sua área de intervenção de distribuição de droga, para alimentarem uma sociedade faminta, onde não falta dinheiro para a satisfação dos seus vícios.
As cenas de luta são bem arquitetadas, combinando talento técnico com boa coreografia que embora rocem os limites do provável ainda se aceitam em certos meios como o Bangladesh. Para conferir mais realismo muitos dos diálogos são em Hindi e Bengali, com atores de Bollywood o que transporta o vulgar thriller americano para um ambiente mais exótico e menos visto noutros filmes do mesmo género.
Depois, não existe propriamente um herói na história, porque Tyler é um profissional desencantado com a sua atividade e que sofre os seus achaques tomando analgésicos com whisky, censurando-se por vezes e resmungando noutras contra as tarefas que lhe cabem, sempre complicadas e dolorosas, mostrando uma tendência da equipa de realização no sentido da humanização do personagem, em detrimento da pura exibição dos dotes físicos e atléticos. Tyler é um trabalhador contratado que trabalha em equipa e estabelece ligações exógenas com o objeto do seu trabalho. A sua equipa é solidária e todos preocupam-se com todos, com inteligência e dedicação.
O caos que nos é mostrado no desenvolvimento da ação, justifica a falência do objetivo de extração de Ovi e nos mostra um mercenário desgastado pela dureza da missão, uma criança assustada, embora consciente da sua posição, onde Tyler projeta a memória trágica do seu próprio filho. O plano de resgate corre mal e urge escapar de uma situação infernal, que lhe provocaram feridas graves e acenderam feridas emocionais que o tempo ainda não tinha sarado.
Embora com doses de violência de dimensão apreciável, é uma história com conteúdo que a torna visível, está disponível na plataforma Netflix desde 24 de Abril.

Classificação: 7 numa escala de 10

24 de abril de 2020

Opinião – “Earth and Blood” de Julien Leclercq


Sinopse

Saïd é dono de uma serração no meio da floresta, que ele decide vender. Mal sabe ele que um de seus aprendizes foi encurralado por seu irmão e forçado a esconder uma grande quantidade de cocaína dentro da sua fábrica. Quando o gangue a quem as drogas pertencem aparece, Saïd rapidamente percebe os quão determinados e impiedosos eles são. Embora em menor número, ele conhece a serração como ninguém. Forçado a defender-se para proteger sua filha Sarah, Saïd transforma a serração numa área de combate. E à medida que o número de vítimas cresce, cresce também a sede de vingança...

Opinião por Artur Neves

O eixo principal da história desenvolve-se no interior da serração na forma de um thriller que se foca na criação de um ambiente de suspense num espaço fechado com muitos possíveis esconderijos para quem não conhece o meio como é o caso do líder dos assaltantes Adama (Ériq Ebouaney) que pretende resgatar a sua mercadoria que foi desviada pela equipa ao seu serviço, implicada no assalto à esquadra que guardava oito quilos de cocaína apanhada pela polícia numa investigação.
Saïd (Sami Bouajila) que se vem a revelar um assíduo colaborador de Julien Leclercq noutras obras recentes deste realizador é o destemido e silencioso defensor dos seus bens, da sua casa e da sua filha adolescente Sarah (Sofia Lesaffre) portadora de uma deficiência quase total de audição, que há de justificar o seu sacrifício para assegurar a sua autonomia e o seu bem-estar futuro.
A cena inicial do assalto é indicadora da dureza que o filme quer imprimir à história com um grupo de indivíduos afro-franceses, mascarados, tensos e vigilantes que aguardam dentro de um automóvel a oportunidade de iniciarem o assalto, sob uma chuva torrencial a que eles se mostram totalmente indiferentes. A entrada na esquadra está de acordo com o planeado, porém dois dos elementos do grupo envolvem-se num tiroteio fatal, imprevisto e indesejável para os objetivos traçados, embora os outros dois sobreviventes consigam fugir com a droga.
É a partir daqui que os traficantes de cruzam com a vida pacata de Saïd, porque um dos sobreviventes, Medhi (Redouanne Harjane) que planeou um destino diferente para o resultado do assalto, é irmão de Yanis (Samy Seghir) que está em liberdade condicional e foi admitido como trabalhador na serração de Saïd em período acompanhado de recuperação, pede-lhe para esconder lá o produto do roubo, já que o assalto é amplamente divulgado com pormenores nos meios de comunicação.
É a partir daqui que o filme ganha tensão emocional, embora sem ser suficientemente engenhoso e capaz de criar um clima que nos faça pensar o que será que o argumento nos espera nas próximas cenas, considerando que sem muito grau de incerteza o desfecho é medianamente previsível, dando a impressão que nem Leclercq nem os argumentistas; Guez e Matthieu Serveau, se preocuparam muito em escamotear as razões da propensão para a violência de Saïd, bem como, as razões que o deixaram naquela situação de cuidador da filha que tem para ele uma postura de confiança e de agradecimento, sim, mas evidenciando por vezes alguma agressividade que poderia trazer ao filme um conteúdo familiar mais dramático e dinâmico.
Por outro lado, a personalidade dos agressores também se apresenta muito plana. Eles são vilões, agressivos, mas sem muita inteligência que possa potenciar como uma vantagem a sua superioridade numérica no assalto que estão cometendo num local que completamente desconhecem. Todos apresentam expressões carrancudas e armamento suficientemente poderoso mas o seu efeito é reduzido, exceto no consumo desregrado de munições disparadas aleatoriamente pelas suas AK-47.
Constitui portanto um filme que resume a história ao essencial, que aposta em muita adrenalina em tempo real e que se situa uns “furos” acima de outros congéneres, mais impessoais e mais exibicionistas de força bruta, só por ela mesmo.
Em exibição na plataforma Netflix desde 17 de Abril.

Classificação: 5 numa escala de 10

21 de abril de 2020

Opinião – “Sergio” de Greg Barker


Sinopse

Carismático e complexo, Sergio Vieira de Mello (Wagner Moura) passou a maior parte de sua carreira como um diplomata da ONU trabalhando nas regiões mais instáveis do mundo, alcançando habilmente acordos com presidentes, revolucionários e criminosos de guerra para proteger as vidas de pessoas comuns. Mas, assim como se prepara para uma vida mais simples com a mulher que ama, Carolina Larriera (Ana de Armas), Sergio assume uma última missão no Iraque, em Bagdad, recém mergulhada no caos após a invasão americana. A tarefa deveria ser breve mas acabou, quando a explosão de uma bomba fez ruir o edifício da sede da ONU tendo ele sido arrastado pelo desmoronamento, a que se seguiu uma emocionante luta pela vida sob os escombros. Inspirado num personagem real e no evento que o vitimou, “Sergio” é um drama abrangente focado num homem levado aos seus limites físicos e emocionais ao ser forçado a confrontar as próprias escolhas em relação a ambições, família e capacidade de amar.
Em exibição na plataforma Netflix desde 17 de Abril.

Opinião por Artur Neves

Esperado com alguma expectativa, considerando que saía das mãos de um documentarista consagrado, já conhecido pelos seus múltiplos trabalhos neste género, tanto para cinema como para televisão, este biopic hagiográfico resume-se a uma rotunda deceção, não só na sumária descrição dos factos, como na tentativa bacoca de transformar um homem bom, um diplomata competente e astuto num beato santificável por qualquer igreja cristã, retirando-lhe qualquer hipótese de autenticidade na sua atividade profissional.
Após uma breve introdução a história começa com o ataque à sede das Nações Unidas no Iraque, ordenada por Abu Musab Al-Zarqawi, líder da Al-Caeda na altura, que apesar de ter sido desmantelada pelo exército americano deu origem à organização terrorista Estado Islâmico (ISIS). O colapso da parede frontal e da estrutura de betão do Hotel Canal arrastou para a cave alguns ocupantes, entre os quais Sergio Vieira de Mello, que ficou preso sobre os escombros.
É nessa agonia sob o peso das pedras que o retém que Sergio recorda em flashback a sua vida passada, que o filme não respeita a dimensão do diplomata, e afoga as suas revelações políticas em sentimento perdendo-se em múltiplas e recorrentes divagações sobre o seu romance com Carolina (uma economista da ONU de nacionalidade argentina) em todas as latitudes para onde ele se deslocou e teve intervenção.
Conheceram-se no Rio de Janeiro, mas se o argumento nesse ponto pelo menos for fiel ao original, ela acompanhou-o por todos os locais, ou pelo menos encontraram-se em todos os locais onde ele procurou cumprir a sua missão defendendo os direitos humanos. Aliás isso nem sequer é estranho, Sergio estava separado legalmente há mais de quinze anos da sua ex-mulher Annie com quem teve dois filhos, portanto era normal que quisesse refazer a sua vida com quem se identificasse com ele, mas o filme, com Wagner Moura, um ator brasileiro muito frequente em telenovelas a interpretar Sergio, só podia descambar para o romance fácil de cariz telenovelesco.
As missões no Camboja, onde foi o único representante da ONU a estabelecer relações com o Khmer Vermelho, Ieng Sary, (na realidade eles não foram colegas na Sorbonne, como o filme reporta, nem tão foi fácil alcançar o acordo) tendo chegado a um acordo de repatriação de refugiados, ou quando se mostra inflexível contra o branqueamento dos crimes do governo indonésio em Timor Leste, o filme dedica-lhes passagens de raspão, adocicadas mais uma vez pela presença de Carolina e do romance de ambos, onde reafirmam o seu amor com um beijo sob uma chuva torrencial.
Sobre as missões no Bangladesh em 1971, no Sudão e em Chipre, após a invasão turca em 1974, ou em Moçambique, durante a guerra civil que se seguiu à independência do país, em 1975, ou ainda quando integrou a primeira força de paz na Croácia e na Bósnia e Herzegovina, durante as guerras da Jugoslávia, nem uma palavra ou sequer uma menção, provavelmente porque Carolina ainda não estava envolvida com ele e o foco do filme está na história de amor, mais suscetível de render créditos de bilheteira.
Além disso a narrativa do argumento mostra-se frágil, quando não valoriza os múltiplos atentados no Iraque, depois da truculenta intervenção americana que gera clara tensão relacional entre Sergio e Paul Bremer (Bradley Whitford) que representava o presidente George W. Bush no Iraque, devido às profundas divergências de conceito sobre o papel da ONU no conflito.
Sergio não compreende o excesso de utilização da força armada que provoca a violação dos direitos humanos, em confronto com a diplomacia que ele se propõe exercer, e o desenvolvimento desta relação conflituosa poderia ter conferido ao filme a componente intelectual de que tanto necessita.
Esperemos por um futuro remake, que dignifique esta personalidade mundial, ímpar. Por agora fica apenas uma história “em modos de assim…”.

Classificação: 3 numa escala de 10

17 de abril de 2020

Opinião – “Fractured” de Brad Anderson


Sinopse

Voltando para casa depois de um fim de semana tenso de férias com seus sogros, Ray Monroe (Sam Worthington), um homem de família bem-intencionado, mas oprimido, entra numa área de descanso com sua esposa Joanne (Lily Rabe) e a filha Peri (Lucy Capri). A viagem piora quando Peri se aleija num acidente e a família corre para um hospital próximo, administrado por uma equipe com intenções duvidosas. Depois de serem enviados para outros testes, Peri e Joanne desaparecem e todos os registros de sua visita não se encontram. A preocupação de Ray transforma-se numa corrida sem fim à vista para tentar encontrá-los.

Opinião por Artur Neves

Das piores angústias que um ser humano pode sentir é a sensação de dúvida de interpretação dos que os seus olhos veem, isto é, perante um evento real e concreto, a mente não o reconhecer diretamente e interpretar o facto através da criação de versões alternativas da realidade, que a espaços, preenchem a consciência sem nunca ser fiável o reconhecimento que se faça da situação real.
É sobre este trauma que trata o filme “Fraturado” (título em tradução livre) da plataforma de streaming Netflix que está disponível desde Outubro de 2019, mas que não merece pressa em ser procurado.
A história começa no retorno de uma visita aos sogros de Ray, no dia de Ação de Graças que nos USA corresponde ao ritual cumprido na nossa Páscoa, em que Joanne recrimina e desconsidera Ray em diálogos expositivos cheios de tensão, mas desajeitados não só pela forma como os profere mas também pelas respostas e postura de Ray, interpretado por um ator (Sam Worthington), com uma expressão dura mas estática que dificilmente deixa transparecer as emoções que naturalmente seriam provocadas pela conversa acusatória de Joanne. Nós não os conhecemos mas aqueles diálogos acrescentam muito pouco a esse conhecimento.
Como se pretendo criar um ambiente de suspense, a bomba de gasolina onde param e onde ocorre o acidente é assistida por uma funcionária com cara de facínora que sem qualquer motivo aparente mostra uma expressão agressiva e displicente ao cliente, Ray, que se apresenta apenas interessado em cumprir os pedidos que a sua família lhe encomendou.
Depois do acidente com Peri, segue-se uma louca corrida automóvel em busca de um hospital de que Ray se lembrava ter visto um aviso, poucos kms antes. Ao chegar lá desenvolve-se uma crítica razoável aos serviços hospitalares públicos, que no caso dos USA tem toda a componente de comprovação da existência ou não de seguro, que define o grau e a complexidade do atendimento de socorro. Nesta parte a história vale pela denúncia que insere comprovadamente ao sistema, introduzindo aqui, talvez abusivamente, a suspeita de existência de negócios paralelos com transplante de órgãos humanos.
Depois, segue-se a angustiosa confusão mental de Ray, tal como refiro no primeiro parágrafo deste texto, com o potencial desaparecimento da sua esposa e filha que ele tenta a todo o custo encontrar, transportando-o pelos sinistros corredores do hospital onde habita um ambiente de assustador pesadelo. Porém, é tudo feito tão sem personalidade visual que a sensação de pavor perde-se numa sucessão de rostos anónimos que contradizem a versão de Ray e que o espectador, sem nada a que se agarrar fica a espera de uma miraculosa reviravolta.
Brad Anderson, não é propriamente um novato nestas andanças e a comprová-lo tem na sua carreira filmes como; “Sessão 9” de 2001 e “Transiberiano” de 2008, recentemente citado neste blogue, donde não seria de esperar a falta de jeito demonstrada para agarrar este tema que teria outro tratamento e projeção nas mãos de Carpenter ou de David Cronenberg, presumo eu, porque tal como está fica-se com a sensação de se ter assistido a uma fraude.
Quando a reviravolta surge é a desgraça total, porque todas as coisas que não faziam sentido antes fazem menos sentido agora e o alívio somente surge porque o filme se aproxima do fim e termina a sensação de perda de tempo. Uma pena!...

Classificação: 4 numa escala de 10

15 de abril de 2020

Opinião – “Love Wedding Repeat” de Dean Craig


Sinopse

Enquanto tenta garantir que o dia do casamento de sua irmã corra bem, Jack (Sam Claflin) encontra-se a fazer malabarismos de socialização com uma ex-namorada zangada, um convidado não convidado que aparece com um segredo explosivo, um sedativo fora do destinatário do sono e a garota que perdeu, devido à sua primeira declaração falhada de amor.
À medida que se desenrolam versões alternativas do mesmo casamento, Jack procura o seu próprio final feliz com o acaso ditando seu futuro e o de todos os presentes.

Opinião por Artur Neves

“Amor, Casamento, Repete”, numa tradução à letra do título original, é um filme que utiliza o artifício de voltar atrás no tempo para nos mostrar uma segunda versão da história inicialmente contada. Tem sido utilizado em vários filmes e do meu ponto de vista não acrescenta valor nem qualidade significativa à história, correspondendo a uma fantasia improvável, muitas vezes destinada somente a adicionar tempo à duração do filme.
O casamento em questão no filme é o de uma noiva inglesa; Hayley (Eleanor Tomlinson) irmã de Jack, com Roberto (Tiziano Caputo) italiano pertencente a uma família tradicional que à partida não vê com muito bons olhos aquele enlace, pelo que é importante que Hayley se afirme sem mácula naquele dia, para o qual ela pede ao irmão para zelar para que tudo corra o melhor possível.
Claro que tudo pode correr mal porque Marc (Jack Farthing), um ex namorado de Hayley, viciado em cocaína, está presente sem ser convidado, na tentativa de a reconquistar estando disposto a destruir toda a cerimónia com todos os meios ao seu alcance, para lá de um segredo que ameaça revelar. É para tentar neutralizá-lo que Jack mistura um soporífero forte ao champanhe de Marc, que por acidente vai ser bebido por Bryan (Joel Fry) a relutante “dama de honor” de Hayley que terá de fazer o discurso de casamento.
Para compor a cena temos ainda a ex namorada de Jack; Amanda (Freida Pinto) descontente com o seu novo e inseguro namorado Chaz (Allan Mustafa), a querer reconquistar Jack que desta vez não quer perder a oportunidade de revelar o seu amor a Dina (Olivia Munn) antes que seja tarde demais.
Nas situações mais decisivas surge a voz de um Oráculo a falar-nos em off sobre o amor, o acaso e a incerteza das decisões humanas, dependente por exemplo da troca dos nomes nos lugares das mesas, pelos miúdos traquinas que acompanham os pais naquela festa e nos faz reviver o mesmo dia do casamento com a mesa organizada de maneira diferente para conduzir a um resultado diferente sendo aqui que a repetição tem lugar.
Dean Craig que já nos mostrou o seu talento de argumentista em; “Morte num Funeral” de 2007 e no remake americano de 2010, tenta aqui uma variação esdrúxula da sua história de sempre não completamente conseguida, embora os assuntos desempenhados por personagens acessórios causem situações divertidas e peculiares em incidentes estudados para prenderem a nossa atenção em todo o filme que não passa de uma mediania vulgar.
Todavia, temos também de reconhecer que nestes dias sombrios não é má ideia fornecer-nos motivos de descontração e de brincadeiras alegres que nos façam esquecer, ainda que por breves momentos a monotonia dos dias mais iguais que outros anteriormente vividos. Esta comédia de constrangimento social pretende ser engraçada o suficiente, na sua simplicidade de tema, sobre um casamento complicado, realizado num pitoresco cenário italiano, acompanhado por peças operísticas de divulgação generalizada e piadas irónicas de diferentes géneros. Disponível na Netflix desde 10 de Abril.

Classificação: 5,5 numa escala de 10


11 de abril de 2020

Opinião – “Blow the Man Down” de Danielle Krudy e, Bridget Savage Cole


Sinopse

Bem-vindo a Easter Cove, uma vila de pescadores salgados nos confins da costa rochosa do Maine. Lamentando a perda de sua mãe e enfrentando um futuro incerto, Mary Beth e Priscilla Connolly encobrem uma briga horrenda e fatal com um homem perigoso. Para ocultar seu crime, as irmãs devem aprofundar-se no ventre de Easter Cove e descobrir os segredos mais sombrios das matriarcas da cidade.

Opinião por Artur Neves

Neste período de acentuada crise vivencial, o streaming constitui uma alternativa para nos permitir apreciar histórias inteligentes e divertidas que não estavam previstas para a exibição em sala, mais por defeito das distribuidoras do que dos seus autores que as conceberam de maneira generosa e, digo eu, com uma saudade inspiratória baseada em “Fargo”, uma excelente comédia negra de 1996 realizada pelos irmãos Joel e Ethan Coen.
Easter Cove é uma vila piscatória na costa leste dos USA, banhada pelo oceano Atlântico e fazendo fronteira com o Canadá, numa latitude em que os invernos são rigorosos e assolados por nevões de intensidade apreciável. O seu povo é rude, adequado á dureza do clima e os pescadores são homens simples que julgam que mandam na vila como no mar, sem se aperceberem da sua qualidade de peões na insidiosa sociedade matriarcal em que estão envolvidos, capitaneada por Enid Devlin (Margo Martindale), secundada por Susie Gallagher (June Squibb, nomeada para o Oscar em “Nebrsca”) e Gail Maguire (Annette O'Toole) corporizando uma sociedade singular de coexistência difícil entre mulheres exploradas e homens exploradores. Todavia, através de um pacto secreto elas conseguem controlar economicamente a situação e assim, a vida da aldeia.
Mary Beth (Morgan Saylor) e Priscilla Connolly (Sophie Lowe) conduzem o funeral de sua mãe e estão em presença de dificuldades futuras com a peixaria da família e a própria casa de habitação, pendente de uma hipoteca contraída por sua mãe para lograr desenvolver o negócio. Porém Mary Beth, a mais nova das irmãs, sonha com outros voos, sentindo-se presa naquela cidade de província que não responde aos seus anseios, não a compreende, que a sufoca com as meias palavras e os segredos que se adivinham mas que não se distinguem facilmente.
É com um misto de tristeza e desespero que na noite do velório, Mary Beth abandona tudo, refugia-se no bar da aldeia de Enid Devlin, embriaga-se, estabelece contacto ao balcão com Gorski (Ebon Moss-Bachrach) e saem ambos para uma acidentada viagem no automóvel que acaba perto do cais de pesca. Na sequência de uma tentativa de violação por parte deste, Mary Beth defende-se com um arpão encontrado por ali, e espeta-o no pescoço de Gorski provocando-lhe a morte.
A reação das irmãs não se faz esperar e na mesma noite, cortam o cadáver em pedaços de forma que permita alojar todo o corpo na caixa conservadora de frio, que pode ver-se no poster do filme e “desembaraçam-se do problema” atirando-o para o Atlântico.
Só que isso é o princípio de outros problemas e o argumento apresenta a história através de um coro de pescadores, que à boa maneira do teatro Grego clássico comentam à sua maneira a ação que está a decorrer e que funciona bem nesta comédia negra de assassinatos acidentais e crimes deliberados, insuspeitos do seu verdadeiro autor.
O filme praticamente não inclui homens e os que aparecem são marginais e decorativos, incluindo os agentes da investigação policial, que não beliscam a poderosa irmandade feminina, cujos segredos e acordos mútuos unem os seus membros, que embora sejam bastantes simples e diretos promovem um resultado intrigante de thriller no meio de uma comédia social. Pode ser visto na Amazon – Prime Vídeo.

Classificação: 6 numa escala de 10

7 de abril de 2020

Opinião – “Programa da Noite” de Nisha Ganatra


Sinopse

Um famoso programa de televisão nos Estados Unidos tem como âncora Katherine Newbury (Emma Thompson), uma mulher de temperamento forte, com uma sólida carreira no mundo do entretenimento, mas com muitos inimigos pelo caminho. O seu império começa a desmoronar quando é acusada de ser antifeminista por ter apenas homens como guionistas. Assim, contrata Molly (Mindy Kaling), com quem inicialmente não tem um bom relacionamento. No entanto, o programa sofre uma queda abrupta de audiências e a abordagem inovadora de Molly pode ser indispensável para salvar a carreira de Katherine.

Opinião por Artur Neves

Mais uma sugestão para suportar estes tempos que não se recomendam mas que se impõem pela dimensão da sua ameaça. Este filme traz-nos a vida por detrás das câmaras, dos enterteiners de sucesso que ocupam o prime time das cadeias de televisão que no final se servem deles para nos veicularem a publicidade dos produtos que vendem. Porém, eles são também pessoas com problemas comuns que Mindy Kaling, atriz secundária neste filme, usou para construir o argumento desta ficção de comédia, apimentada com um drama de vida.
A realizadora Nisha Ganatra, canadiana de nascimento, não é propriamente uma novata neste género, considerando o seu histórico de realização e aproveitou bem a iniciativa de Molly Patel (Mindy Kaling) uma engenheira indiana nascida na América que trabalhava na industria química contra a sua vontade, apesar de ter formação para isso, contrariando a sua vocação de escritora e que consegue emprego na equipa de Katherine Newbury (Emma Thompson) depois de esta ter sido admoestada para o declínio criativo e comercial do seu programa, baseado na redução do share de audiências e da sua recusa em trabalhar com mulheres.
Katherine por seu lado não é flor que se cheire, distante, arrogante no trato, sempre de sobrancelhas levantadas, distribuindo sorrisos preparados embora não sentidos, fechada numa redoma que a isola do contacto com a cultura jovem e com os movimentos de mudança tecnológica que pululam em torno dela e ela não quer ver.
Adicionalmente a isso, o seu marido Walter Lovell (John Lithgow) está moribundo em casa, agarrado à cama por doença que lhe tolhe os movimentos, embora os diálogos nos informem que nem sempre foi assim noutros tempos, hoje ele é apenas um homem vencido, com um temperamento gentil e sofredor que ainda apoia Katherine nesta fase menos feliz da sua carreira.
É neste contexto que Molly Patel é admitida e introduzida no grupo de argumentistas que trabalham para Katherine, todos homens, com vários anos de experiência, de quem ela se recusa a trata-los pelo nome, referindo-se a eles por um número que aleatoriamente lhes atribuiu. É aqui que a história se revela como uma ficção absoluta, por improvável possibilidade que o ambiente teria de ter sido revertido por uma pessoa como Molly, que embora séria, com talento e capacidades empreendedoras, não possui um pensamento naturalmente cómico para contribuir para a reformulação dos scripts do programa.
Todavia, entre Molly e Katherine começa a formar-se uma estranha relação de cumplicidade, apesar de possuírem temperamentos diferentes por serem ambos tendencialmente depressivos e a sua vivência no meio de pessoas obcecadas pela pressão da sua profissão e dos prazos a cumprir, naturalmente desajeitadas para as relações humanas, estabelecerem uma ponte para compensar as suas fraquezas e os seus desejos de sucesso. Katherine reconhece o empenho de Molly ao saber que ela frequenta um clube de stand up comedy como formação para o desempenho da sua função, todavia continua a ser questionável, como é que duas pessoas tão diferentes poderiam encontrar pontos de aproximação.
Como espetáculo este filme oferece-nos os excelentes desempenhos de Emma Thompson e Mindy Kaling em personagens que desenvolvem uma química que ultrapassa a relação patrão – empregado e vivenciam mutuamente as suas carreiras do ponto de vista diferente que cada uma possui.
Molly é um peixe fora de água, Katherine é um falcão ferido por um deslize fatal, que tem de lutar pelo seu programa e pela sua reconciliação familiar, numa história que o fará sorrir e também pensar nas grandezas e misérias desta vida.
Pode ser visto no Netflix, Amazon Prime vídeo, ou através de DVD adquirido na Fnac, com o nome original de “Late Night”.

Classificação: 6 numa escala de 10

3 de abril de 2020

Opinião – “Cloud Atlas” de Tom Tykwer e Lilly e Lana Wachowski


Sinopse

Cloud Atlas explora como as ações e as consequências das vidas individuais se afetam mutuamente no passado, no presente e no futuro. Ação, mistério e romance se entrelaçam dramaticamente ao longo da história, à medida que uma alma é transformada em assassina em herói e um único ato de bondade ondula ao longo dos séculos para inspirar uma revolução no futuro distante. Cada membro do conjunto aparece em vários papéis à medida que as histórias se movem no tempo.

Opinião por Artur Neves

Numa altura de endurecimento das medidas restritivas de movimentação e de insistente recomendação de permanência em casa recomendo um filme que areja a imaginação e nos justifica a permanência em casa por 172 minutos. É um filme de grande orçamento, US$ 100 milhões, já raro em Hollywood, mas que ainda assim foi coberto pela receita, tendo dado lucro aos produtores.
Cloud Atlas, estreado em 2012 é baseado no romance de David Mitchell com o mesmo nome e reuniu várias nomeações para prémios literários, não sem que o seu autor fosse acusado de ambição desmedida para o fim a que se propunha, abordando um tema entre o místico e o científico, muito embora a ciência nunca tenha apresentado dados, nem teses concretas sobre a reencarnação da espécie ao longo dos tempos.
O filme não vai tão longe e ainda bem. Tom Tykwer e as irmãs Wachowski que são também os autores do argumento pegaram nas seis histórias descritas no livro entre os anos de 1849 e 2321 e entreteceram eventos demarcados no tempo com personagens que se ligam por uma marca de nascença em forma de cometa que os vincula a uma referência originária, perene e continuadora de comportamentos pré estabelecidos, por uma genealogia ancestral que se renova sucessivamente.
Os eventos que compõem cada história estão remotamente relacionados e resultam muito bem em cinema pela explosão de cores e cenários que apresentam, numa imagem bem conseguida que nos transporta do sublime ao ridículo e nos prende durante todo o tempo.
O elenco é liderado por Tom Hanks e Halle Berry, coadjuvado por outros atores de primeira grandeza e por um número significativo de bandas britânicas da época que corporizam personagens que ao longo de cada segmento do filme enfatizam o tema da reencarnação e a repetição dos ciclos de vida com uma finalidade comum em cada época em que são retratados.
Não é um filme que se possa contar, ou onde se possa destacar um resumo lógico, porque a interpretação de cada imagem é propriedade de quem a vê, mas no seu todo, mostra ação, romance, investigação filosófica, cenas ridículas com sotaques tolos que macaqueiam personalidades burlescas em atitudes reais, numa vertigem sequencial que pretende confundir o espectador até o levar com ele embora sem saber bem porquê.
Pode dizer-se que é um filme indisciplinado e louco, o que todavia não constitui qualquer obstáculo para um filme épico que passa por exemplo, de uma comédia contundente num lar de idosos em Inglaterra para uma corrida de carros voadores na Coreia, ou que apresenta um assassino loiro quase branco, uma histriónica enfermeira de seios enormes segundo o modelo dos Supertramp em Breakfast in América ou o mais improvável maestro nazi.
Há reclamações de que o filme é confuso e em boa verdade não posso deixar de concordar, contudo afirmo não ser pior do que alguns, muitos, episódios da série “Game of Thrones” que tanto sucesso teve e analisando o seu conceito macro percebe-se que cada história, com o seu enredo próprio, consegue ligar-se ao longo dos tempos em que decorre sendo isso o elemento determinante do seu interesse e importância.
Está disponível amanhã, 4 de abril, pelas 21h30’ no canal NOS Stúdio, ou em qualquer altura se tiver possibilidade de “viajar no tempo”, ou então no canal Neteflix. De qualquer modo prometo que não se vai arrepender.

Classificação: 8 numa escala de 10