24 de fevereiro de 2021

Opinião – “I Care a Lot” de J. Blakeson

Sinopse

Provida de uma autoconfiança de tubarão, Marla Grayson (Rosamund Pike) é uma guardiã profissional nomeada pelo tribunal para dezenas de enfermarias de idosos cujos bens ela apreende e astutamente rouba por meios duvidosos, mas legais. É uma estratégia bem lubrificada que Marla e sua parceira de negócios e amante Fran (Eiza González) usam com eficiência brutal na sua mais recente atividade empresarial para com Jennifer Peterson (Dianne Wiest) uma aposentada rica sem herdeiros vivos ou família. Mas quando a visada revela ter um segredo igualmente obscuro e ligações muito próximas com um gângster volátil (Peter Dinklage), Marla é forçada a subir de nível num jogo em que só predadores podem jogar.

Opinião por Artur Neves

Com uma tradução nacional que aceitamos; “Tudo pelo vosso Bem”, porque assume os objetivos explícitos da história, embora não sendo reais, temos aqui um thriller tragicómico sobre a obtenção de poder para exclusivo benefício próprio quando transformado em dinheiro que nunca é demais nem tem limite porque facilmente obtido, dedicadamente obtido, por uma Marla Grayson que sem um pingo de respeito pelo próximo ou comiseração, se apropria de todos os bens e fortuna de quem cai na alçada da sua tutoria arranjada, com a conivência de diferentes cúmplices situados em condições adequadas para o conseguir.

Quando vemos Jennifer Peterson ser arrastada de casa pela ordem de um tribunal, contra sua vontade, sem possibilidade de argumentação ou defesa e ser entregue a uma instituição, que lhe restringe a liberdade, lhe confisca o telemóvel e a impede de qualquer contacto com o exterior incluindo ter visitas, com o “carinhoso” acompanhamento de Marla que exibe um sorriso largo, brilhante e comovente, em conjunto com uma voz ronronada de contralto que adiciona uma ameaça velada aquele sorriso, que sabemos exprimir “és a cereja em cima do meu bolo porque vou ficar com toda a tua fortuna…” provoca-nos uma revolta interior e sugere-nos a pergunta se nos USA aquela situação poderia ocorrer de facto.

Pelos vistos parece que sim, especialmente quando a decisão depende de um pouco interveniente juiz (Isiah Whitlock Jr.) que se limita a corroborar tudo o que lhe é apresentado pelas “entidades competentes” naquele tribunal de família em que se pretende defender os idosos alegadamente fragilizados pela doença e pela demência.

Em boa verdade esta é uma história de terror que me faz lembrar “Distúrbio” de 2018 realizado por Steven Soderbergh, só que sem qualquer laivo de comédia. Aí a cativação da vítima é mesmo a sério. Nesta história para os nossos dias, depois de um qualquer Trump ter abandonado contrafeito a Casa Branca, trata-se de obter poder e dinheiro através da exploração dos mais vulneráveis, por uma Marla, que no início do filme ri e escarnece da máxima de que; “trabalhar duro e jogar limpo leva ao sucesso e à felicidade…”, depois explica-se que não é um cordeiro, mas sim uma leoa e nesta altura ainda não sabemos o que ela se prepara para fazer.

Vemo-la depois no seu escritório, olhando para uma parede cheia de fotografias dos seus “clientes”, dos seus “protegidos”, que ela espera que durem o tempo suficiente para lhe darem lucros depois de pagar as luvas à cadeia de “colaboradores” que propiciam aquela situação. Quando por qualquer motivo eles morrem antes do previsto é um falhanço comercial e Jennifer Peterson apresenta um extraordinário potencial de futuro que lhe caiu no colo e ela projeta explorar em todo o seu esplendor.

Todos os 118 minutos deste filme são emocionantes na sua malvadez, na sua história retorcida mas que nos parece próximo do possível e nos faz sentir inquietos com tamanha injustiça. Quase sentimos alívio quando começamos a perceber que Jennifer Peterson não é bem o que parece, só que a sua relação com Roman Lunyov (Peter Dinklage, mais conhecido como o anão Tyrion Lannister em Game of Thrones) também não nos transmite sossego. São só vilões, todos maus, mas aqui a diversão já continua com outro ânimo porque ganhamos a espectativa de que Marla não obterá os seus intentos, mantendo-nos interessados e a tentar adivinhar o próximo passo desta rocambolesca história.

Rosamund Pike está notável neste desempenho de uma pessoa profundamente horrível, socialmente desdenhosa, perversa, com um belo sorriso aterrador, porque encerra o quanto de pior a espécie humana possui. O argumento está muito bem conseguido e J. Blakeson merece parabéns como autor, inspirado por casos publicados no The New Yorker que usam vazios legais não revistos com mais de 800 anos, sobre a proteção de idosos, e realizador porque, com graça e emoção concebeu uma história com vários twists imprevisíveis que nos divertem e emocionam. Recomendo vivamente, em exibição na Netflix.

Classificação: 7 numa escala de 10

 

20 de fevereiro de 2021

Opinião – “Vicky Cristina Barcelona” de Woody Allen

Sinopse

Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são amigas e passam as férias de verão na casa de uma amiga, Judy Nash (Patricia Clarkson) em Barcelona. Vicky está noiva e é sensata nas questões do amor. Cristina é pura emoção e movida pela paixão. Durante uma exposição de arte, as duas se encantam pelo pintor Juan Antonio (Javier Bardem), que as convida mais tarde, durante um jantar, para um fim de semana de comida, arte e sexo. O que elas não sabiam é que o galante sedutor mantém um relacionamento problemático com sua ex esposa Maria Elena (Penélope Cruz). E as coisas ainda ficam piores porque as duas, cada uma de sua forma, se interessam por ele, dando início a um complicado "quadrado" amoroso.

Opinião por Artur Neves

Enquanto as estreias mais sonantes ficam reservadas para melhores dias no futuro, é tempo de revisão de filmes que nos ficaram na memória e desta feita elegi este, da fase europeia de Woody Allen, quando Scarlett Johansson era a sua musa preferida. Está algo distante da sua homenagem a Londres e a esse thriller de eleição; “Match Point” de 2005, escrito e realizado por ele e passado numa família da alta burguesia inglesa, todavia em “Vicky Cristina Barcelona” o modo de abordar, com a necessária ligeireza, a volubilidade do amor e a constância das escolhas humanas no campo sentimental e afetivo, merece amplamente a sua revisitação pela permanente atualidade do tema.

A sinopse revela toda a história, pelo que não vou repeti-la e apenas quero lembrar que para acentuar o tom ensaístico com que o tema é abordado o filme é narrado por Christopher Evan Welch e embora não acrescentado nada que não se veja nas cenas apresentadas tem o condão de nos antecipar a fundamentação do que iremos apreciar deixando-nos mais atentos para o desenrolar da ação.

O elenco utilizado no filme é todo de primeira água, Rebecca Hall é quem assume o papel mais difícil de uma americana com ideias segura e convencionais sobre o que pretende da vida, deixando-se envolver com reservas, por um Javier Bardem (sem o corte de cabelo à pajem que utilizou no excelente “Este País não é para Velhos”) no papel de um pintor espanhol que na noite em que as conhece, as convida sem rodeios para autenticarem a visita a Espanha num fim de semana em Oviedo sem regras nem limites. É uma sedução ousada, feita por um sedutor existencial que defende ser o prazer a compensação adequada para o sofrimento e as dores da vida.

Vicky resiste aos seus avanços, contrariamente a Cristina, sexualmente aventureira que os aceita, acreditando que o amor só nos envolve a partir de uma grande paixão inicial e independentemente do seu desfecho. Scarlett Johansson é uma atriz naturalmente talentosa e possui uma sensualidade mais exuberante e luminosa do que Marilyn Monroe, porque mais genuína, menos trabalhada e neste filme ela apresenta um visual que grita “sexo” por todos os poros.

Finalmente temos Maria Elena num personagem tresloucado pelo amor enviesado que nutre por Juan Antonio, o seu marido, ex-marido, amante de todos os momentos numa efervescência furiosa. Assume o atual caso com Cristina participando numa ménagem à trois como ativador de uma relação em permanente sobressalto. Penélope Cruz também apresenta um visual que grita sexo, mas aqui com a diferença de ser sexo latino, possessivo, ciumento, determinista, com as suas próprias regras e o seu meio de cativação do outro. Neste filme ela ganhou uma nomeação para o Oscar de atriz secundária e embora não o tendo ganho, obteve diferentes prémios do cinema espanhol pela sua exuberante interpretação.

Nesta altura Woody Allen recompunha na Europa algumas irregularidades da carreira nos Estados Unidos, pelo que se preocupou em divulgar alguns ícones locais, como Gaudi e Miró, através da arquitetura e da pintura exposta na galeria de Judy Nash. A música tradicional de viola solo também não foi esquecida nos jantares de Juan Antonio e Cristina, mas no tema e na forma como ele se desenvolve reconhecemos a mão de Allen nas personagens de Vicky e Cristina, como duas mulheres complicadas mas cada uma do seu jeito. Ambas se sentem perdidas nas escolhas que fazem. Ambas avançam e recuam por caminhos incertos e o que as distingue é somente o modo como encaram a vida e o amor, compondo um quarteto de personagens, pelo qual se pode ensaiar o estudo de relacionamentos amorosos só parcialmente funcionais, o que nos remete para a questão fundamental de todos os filmes de Woody Allen.

Um filme com 13 anos, perfeitamente visível, com um tema eterno que recomendo para ver, ou rever, através de um DVD, ou da plataforma Amazon Prime Video.

Classificação: 7 numa escala de 10

 

16 de fevereiro de 2021

Opinião – “Red Dot” de Alain Darborg

Sinopse

Um homem e uma mulher que esperam o primeiro filho tentam reavivar a paixão do seu casamento numa viagem à neve, na qual acabam perseguidos por assassinos impiedosos.

Opinião por Artur Neves

Nunca me tinha confrontado com uma sinopse tão seca, mas é o que arranja no site oficial da Netflix. Contrariamente a outras sinopses demasiado detalhadas, esta parece-me demasiado redutora e simplista, relativamente a um thriller intenso, que cria robustas cenas de suspense ao longo do desenvolvimento da história, através da omissão de factos que posteriormente são revelados. Quando nos são apresentados eles justificam alguns eventos que nos causaram estranheza anteriormente, mas a sua apresentação somente á posteriori, sem qualquer sugestão anterior para levantar uma dúvida no espectador sobre quem é quem, ou pelo menos que há uma realidade que não conhecemos, sabe a “sopa depois do jantar” e compromete a qualidade global do filme porque parece uma solução arranjada.

David (Anastasios Soulis) e Nadja (Nanna Blondell) são um casal sueco, jovem, que já revela alguns momentos de tensão no seu relacionamento. David é engenheiro civil e está bem empregado, Nadja é estudante de medicina, usufruem de uma vida estável mas algumas acusações mútuas surgem no casal quando Nadja descobre que está grávida e que esse facto vai comprometer a continuação dos seus estudos pelo menos, no tempo imediato.

Para tentar compor o ambiente em casa David surpreende a sua esposa com um fim de semana romântico no norte da Suécia, onde eles se propõem viver ao ar livre, numa tenda, para esquiar e dormir sob o manto da aurora boreal num contacto íntimo com a natureza.

Os preparativos para a viagem decorrem normalmente mas a viagem começa a parecer estranha logo na primeira paragem para abastecimento do carro, com uma troca de palavras pouco comum com dois caçadores (mais tarde veremos que não eram caçadores) que seguiam na mesma direção do norte. O casal, acompanhado pelo seu cachorro Boris, tentam desvalorizar o incidente, mas não deixa de ser o início de alguns eventos sombrios, com Nadja a riscar deliberadamente o carro de um dos caçadores, numa atitude que nesta altura nos parece inusitada e mais estranha ainda se comparada com o que saberemos no fim da história.

No lugar em que eles resolvem acampar, quando na noite se preparam para a fruição da natureza branca e fria que os cerca, aparece na transparência da sua tenda a mira laser de uma espingarda de longo alcance (“Red Dot” o Ponto Vermelho) que sem um objetivo específico, embora perturbador, se passeia pelos seus corpos e pelos diferentes objetos contidos no interior da tenda. Eles saem, procurando o agressor e quando regressam no dia seguinte encontram a tenda vazia porque tinham sido roubados de todos os seus pertences e substituídos por um presente macabro.

É aqui que reside o problema, as atitudes são estranhas, os comportamentos do casal, bem como, com quem eles interagem não parecem adequados em algumas cenas, mas não se vislumbra qualquer motivo, nem sequer indícios, ainda que falsos, nos são apresentados sendo quase induzidos a pensar que se trata de um terror gore justificado por maldade deliberada. Finalmente quando conhecermos as razões e a verdade é revelada já estamos voltados para outro lado e o filme é já quase uma memória, porém é aí que tudo faz sentido.

Assim sendo o que temos aqui é um filme tenso, totalmente sombrio e sem humor ou algo que nos descontraia, o que não significa ser um filme mau, note-se. David e Nadja envolvem-se numa batalha pela sobrevivência num meio que lhes é hostil e impiedoso, refletindo os seus conflitos internos dos quais se querem libertar sem todavia conseguirem, atolando-se cada vez mais numa vertigem maléfica que os destrói pelas suas próprias mãos. Só se lamenta é que o espectador fique todo o tempo a “navegar na maionese”, porque a história até é interessante.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

12 de fevereiro de 2021

Opinião – “Palmer” de Fisher Stevens

Sinopse

O ex-astro do futebol americano Eddie Palmer (Justin Timberlake) passou de herói local a criminoso sendo condenado a 12 anos numa penitenciária no estado da Louisiana. Quando volta para casa fica a morar com Vivian (June Squibb), a avó que o criou. Enquanto tenta manter sua cabeça baixa e reconstruir uma vida tranquila para si mesmo, Palmer é assombrado pelas memórias de seus dias de glória e pelos olhos desconfiados de sua pequena comunidade. As coisas ficam mais complicadas quando Shelly (Juno Temple), vizinha de vida dura de Vivian, desaparece depois de uma tortura prolongada, deixando seu único filho de 7 anos, Sam (Ryder Allen), frequentemente alvo de bullying na escola, sob os cuidados relutantes de Palmer. Em tempo, Palmer é atraído para um mundo mais esperançoso enquanto estabelece uma ligação com Sam por meio da experiência compartilhada de ser feito para se sentir diferente por aqueles ao seu redor. Palmer começa a recuperar a sua vida quando um romance se desenvolve entre ele e a professora de Sam, Maggie (Alisha Wainwright) constituindo uma jornada inspiradora e inesperada para os três, mas logo o passado de Palmer ameaça destruir esta nova vida.

Opinião por Artur Neves

Palmer representa a transição de um intérprete vocal e compositor de canções com assinalável sucesso, para ator, desempenhando neste caso o personagem de um condenado por roubo e agressão em liberdade condicional que chega à casa da sua avó para tentar recompor a vida. Não se sabe exatamente qual foi a natureza e a motivação do crime cometido que só nos será revelada posteriormente de forma não muito relevante, porque o que interessa é o processo e o modo de recuperação deste jogador de futebol universitário, de rosto fechado, silencioso, procurando sítios solitários que escondam a sua vergonha e uma raiva constantemente reprimida revelada pelo seu olhar sempre dirigido para um lugar definido.

Com alguma dificuldade e a relutância inicial do diretor, consegue um emprego como contínuo na escola primária local, a credibilidade da sua religiosa avó são o fator decisivo da aceitação na escola e Palmer esforça-se por corresponder, não se furtando a realizar os trabalhos solicitados seja de que natureza forem (não sei se isto corresponde á efetiva realidade dos USA mas se fosse na nossa terra haveria logo uma queixa do sindicato e mais um não sei quanto de contestação, pelas solicitações não incluídas na função).

No quintal da casa da sua avó existe uma rulote alugada (com rendas em falta) a uma mulher de conduta duvidosa, mãe de Sam (Ryder Allen), um miúdo em idade escolar, que apresenta caraterísticas sociais não conformes com o seu género. Aqui reside a marca diferenciadora desta história relativamente às suas congéneres, porque o facto de Sam ser adepto fervoroso de filmes de fadas e princesas, usar uma pregadeira de cabelo na cabeça, brincar com bonecas e fazer tardes de chá a fingir com as meninas da sua classe, não deixa de ser um miúdo por quem Palmer se afeiçoa, embora relutante no início, mas posteriormente rendido à sua inocência, fragilidade e necessidade de proteção que projeta a sua própria necessidade de aceitação num mundo que naturalmente lhe é hostil. Quando Palmer o conhece e priva com ele não pode imaginar como ele irá constituir a sua oportunidade de redenção social e aos olhos da lei.

Sam é apenas um miúdo diferente e o argumento de Cheryl Guerriero nunca se desvia dessa premissa ilustrando uma análise mais profunda e sombria sobre maternidade acidental, paternidade por adoção, abuso e bem estar da criança. Sam não permite que alguma coisa atrapalhe a sua diversão e gosto por princesas e fadas, nem se perturba com o bullying homofóbico dos seus colegas, perseguindo o modelo imposto pelos adultos que os educam. Palmer tenta educá-lo sobre o comportamento heteronormativo, mas o espírito de Sam é forte o suficiente para constituir uma fonte de inspiração para que Palmer possa evoluir para a pessoa que não foi até aqui mas que deseja ser.

A realização de Fisher Stevens é suficientemente robusta, embora com alguns desvios ornamentais de índole sentimental e serve na perfeição para que Timberlake nos mostre as suas capacidades de ator dramático, embora suportadas por um Sam (Ryder Allen), num personagem forte na sua fraqueza e ingenuidade que merece atenção em aparições futuras.

“Palmer” é assim uma história inspiradora sobre a expressão de género que aborda os desafios da idade adulta que as crianças enfrentam, como forma de influenciar os adultos a viverem a sua vida de forma mais autêntica, todavia, durante toda a narrativa ocorre-nos limites onde a história poderia ter chegado, mas não chega. Ainda assim, é um filme amplamente recomendável e interessante, disponível na Apple TV.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

10 de fevereiro de 2021

Opinião – “Alguns Dias em Setembro” de Santiago Amigorena

Sinopse

1 de Setembro 2001. Elliot, (Nick Nolte) um espião americano desaparece sem deixar rasto, levando consigo uma informação crucial acerca do futuro imediato do mundo. O seu principal objetivo é rever a filha, Orlando, (Sara Forestier) que abandonou dez anos antes. Organiza então um encontro, através de Irene, (Juliette Binoche) uma amiga de longa data, para o qual convida também David, (Tom Riley) o seu filho adotivo. No entanto, serão perseguidos por William Pound, (John Turturro) um assassino a soldo sem escrúpulos, desde Paris até Veneza, onde se encontrarão com Elliot no dia 11 de Setembro.

Opinião por Artur Neves

É mais um filme que utiliza o 11 de Setembro numa mistura algo desconcertante entre thriller, romance e filme de arte, cuja história está descrita na sinopse e que tem como mais valia os desempenhos de Juliette Binoche, a mais internacional das atrizes francesas, como agente secreta que fuma cigarrilha e fala com a sua tartaruga de estimação e é amiga e colega de trabalho de Nick Nolte que só chega à história no ultimo quarto de hora, mas faz-se notar pelo final dramático que conjuga o pai arrependido com o arauto da desgraça que havia de mudar o mundo para sempre, vestindo uma gabardina creme caraterística do arquétipo figurativo associado aos espiões.

Do outro lado temos um John Turturro investido num assassino a soldo, que persegue Elliot, de pendor poético mas com personalidade neurótica que se alivia das suas ações telefonando para o psicanalista sempre que mata alguém. Pelo teor dos telefonemas o seu objetivo não é o arrependimento, que compensa com a citação de um poema ao morto, mas antes a partilha do seu ato como se isso o aliviasse de alguma auto condenação do seu espírito perturbado.

Irene (Binoche) desloca-se pela Europa a pedido do amigo, acompanhada pelos seus dois filhos de diferentes mães, ambas mortas, que ocupam a maior parte do filme no aprofundamento de um conhecimento mútuo que nós percebemos logo que vai dar romance. Eles legalmente são meios irmãos, mas a proximidade crescente entre eles é legitimada por David, quando citando Henry Miller; “Sexo é bom mas incesto é melhor…” faz a música seguir como esperado, apaziguados que estão os espíritos puritanos.

A chegada de Elliot vai sendo protelada por motivos que desconhecemos e o filme referencia os dias que passam para o encontro durante os dez dias que antecedem o ataque às torres gémeas, sugerindo que alguém, com contactos inconfessáveis sabia antecipadamente o que iria acontecer e lucraria com isso, não só individualmente mas toda a rede de banqueiros de ar suspeito interessados nas revelações que Elliot coletava. Com esta premissa pode inferir-se ainda que o governo dos USA não desconhecia totalmente o que se iria passar em 11 de Setembro, favorecendo as teorias da conspiração que ainda hoje subsistem e que mantêm em suspenso as motivações sobre o ataque ao Pentágono.

No seu conjunto o filme até é agradável, só que não convence no capítulo da alta espionagem para a qual aponta e parece-me excessivo usar um evento da dimensão do 11 de Setembro no meio de uma história que reporta um conjunto de três pessoas que desenvolvem uma química considerável entre si, naturalmente aceite por qualquer espectador que se detenha a apreciar uma narrativa lenta, cheia de adiamentos e perseguidos por um assassino neurótico que em modo bilingue (John Turturro está muito bem) os persegue e que deve ter dado muito trabalho a desempenhar. O argumento tem bons diálogos e o crescimento do romance entre Orlando e David, segue a bom ritmo durante o intervalo da espera do encontro com o pai que idolatra.

São espiões europeus, com família e uma tartaruga, lautas refeições, copos de vinho para esquecer e suspense ligeiro por um perseguidor com problemas de afirmação, que compõem 116 minutos de um filme que se vê com agrado.

Classificação: 5 numa escala de 10

 

7 de fevereiro de 2021

Opinião – “Malcolm & Marie” de Sam Levinson

Sinopse

Quando um cineasta, Malcolm (John David Washington) e a namorada, Marie (Zendaya) regressam ao apartamento de luxo alugado num lugar sobranceiro à cidade, nas colinas de Hollywood, para aguardar a crítica dos mídia sobre a estreia ao seu mais recente filme, tensões latentes entre ambos dão lugar a revelações dolorosas que os levam a confrontar os seus sentimentos e a estabilidade da sua relação

Opinião por Artur Neves

Esta história, escrita e realizada por Sam Levinson para a Netflix que estreou na plataforma nesta sexta feira, 5 de Fevereiro, mostra-nos em preto e branco (podia ser a cores, não havia qualquer mal nisso) o bom desempenho de dois atores em ascensão; Zendaya (Homem Aranha – Longe de Casa, de 2019) e John David Washington (Tenet, de 2020) numa acalorada discussão durante algumas horas que serve para abrir feridas não saradas da relação que mantêm há algum tempo.

A história apresentada tanto serve para cinema como foi apresentada ou para teatro, pois a ação decorre totalmente dentro de casa, embora em várias divisões em que cada um por si, com absoluta cordialidade e respeito mútuo, produzem monólogos mutuamente acusatórios em que cada um responsabiliza o outro por defeitos e consequências que inspiraram o filme em estreia, manifestando a sua mágoa de não terem sido considerados mais estreitamente um pelo outro.

Não se pode dizer que os monólogos sejam mal construídos, eles destilam mágoa e comiseração e em certas falas uma amargura mesquinha que embora constituam boas peças artísticas e bem desempenhadas, tornam-se enfadonhos para o espectador que caiu ali sem pára quedas e não tem mais nada além de palavras, palavras, palavras, que embora sejam muito importantes não têm suporte visual que as justifique, que lhes dê corpo que dê ao espectador a possibilidade de opção, ou de julgamento por uma das versões.

O filme está bem realizado, transmite-nos segurança no conteúdo das cenas e apresenta-se envolvido numa banda sonora recheada de soul music, onde a versão de Duke Ellington e John Coltrane de “In a Sentimental Mood” de Ellington, soa de modo agradável de ouvir e bastante adequada a cada situação, criando o ambiente propício para a evolução dos dois personagens que até são capazes de desenvolver uma química convincente entre eles através de uma suficiente densidade dramática nas suas discussões incessantes, porém, nem tudo é remível somente a palavras e aqui reside a sua principal fragilidade.

Podemos até questionar se Sam Levinson não pretende enviar uma mensagem codificada aos críticos de Hollywood sobre os preconceitos subconscientes revelados em algumas das suas atitudes, considerando o tempo despendido por Malcolm ao insurgir-se contra uma garota branca que escreve para o Los Angeles Times e o questionou sobre a personagem feminina do seu filme. Ele acha que a personagem é clara e como tal destrata-a, acusando-a de estupidez e de insuficiente capacidade para entender a história que ele filmou.

Toda a história tem a estrutura de um combate de boxe, ora agora bato eu, ora agora bates tu e eu defendo-me, mas ambos os contendores apesar de se agredirem intensamente soam como um grito no deserto, pois de seguida ensaiam uma aproximação para se distanciarem na próxima discussão mais intensa que a anterior. "Nada de produtivo vai ser dito esta noite", avisa Marie a Malcolm e de caminho avisa-nos também, porque se não há nada de errado e se tudo o que for dito de um lado pode ser respondido pelo outro, então não temos filme e foi um grande equívoco gastar 106 minutos numa história onde apenas se salva o desempenho dos atores para o qual vai toda a classificação a seguir indicada.

Classificação: 5 numa escala de 10