28 de março de 2019

Opinião – “O Dia a Seguir” de James Kent


Sinopse

O Dia a Seguir Passa-se na Alemanha do pós-guerra em 1946. Rachael Morgan (Keira Knightley) chega às ruinas de Hamburgo, num inverno rigoroso, para se reunir com o seu marido Lewis (Jason Clarke), um coronel britânico encarregado de construir a cidade destruída. Mas quando eles partem para a sua nova casa, Rachael surpreende-se ao descobrir que Lewis tomou uma decisão inesperada: o casal irá dividir a mansão com os seus anteriores donos, um viúvo alemão (Alexander Skarsgard) e a sua filha problemática. É nesta atmosfera pesada, que a inimizade e tristeza dão lugar à paixão e traição.

Opinião por Artur Neves

O tema não se pode considerar como inédito, já outros filmes utilizando diferentes abordagens têm contado histórias de amor em tempo de guerra e mesmo no pós-guerra como neste caso, só que os melhores não escolhem a saga novelesca, kirsch e previsível deste, pese embora a qualidade dos atores que desempenham os personagens envolvidos.
Por outro lado na nossa história há o facto insólito da partilha da habitação com o “inimigo” embora este “inimigo” se apresente educado, apresentável, civilizadamente sóbrio e de boas maneiras e assim ser capaz de somente com a sua presença e as suas palavras preencher o vazio deixado no casal pela morte de um filho de ambos, às mãos dos executores da doutrina que motivou a guerra e todo o sofrimento subsequente.
Claro que as prolongadas ausências de Lewis facilitam a aproximação entre Stephan (Alexander Skarsgard) e a sua linda esposa tornando o desfecho lamentavelmente previsível, apesar de ser um filme de época bem feito, envolvendo representações sólidas inerentes ao elenco de qualidade que o compõem com particular destaque para Rachael (Keira Knightley) que fica muito bem vestida com a moda dos anos 40 constituindo assim um dos polos de atração do filme embora insuficiente para o justificar.
Como facilmente se intui forma-se um óbvio triângulo amoroso estafado, que se desenrola à velocidade de uma tartaruga e que é apresentado ao espetador como o único caso importante, enquanto as mutações sociais, as ruínas que reduziram a cidade de Hamburgo a um monte de escombros como resultado de intensos bombardeamentos, os cadáveres a aguardar remoção e as feridas de guerra que transformam a vida na cidade, o filme não está particularmente interessado em mostrar, focando-se antes no “mel” que brota às golfadas entre os dois recentes amantes.
Compreende-se que a ideia que poderá estar na génese do argumento é a da reconciliação com os nossos inimigos e mesmo o perdão pelas perdas sofridas, todavia isso não pode resumir-se a uma cena de amor mais ou menos apaixonada, na cozinha, entre Stephan e Rachael enquanto Lewis, com paciência e dignidade de santo, trabalha para restabelecer a lei e a ordem numa Hamburgo destruída e sem regras. Como é que naquele ambiente, Stephan, um homem amargurado pela derrota, pode apresentar-se como um herói romântico e Rachael uma esposa egocêntrica que não se detém na análise do trabalho do marido, tentando pelo menos compreendê-lo?...
Enfim, com demasiada novela à mistura, pelo menos para o meu gosto, a classificação vai integralmente para o desempenho dos atores, para a fotografia, para o guarda-roupa e para o ambiente de época criado no filme.
Classificação: 5 numa escala de 10

22 de março de 2019

Opinião – “Na Fronteira” de Ali Abbasi


Sinopse

Este é um filme excecional, inesperado, comovente e repleto de esperança nos seres vivos.
Tina, uma guarda de fronteira marítima no porto de Kapellskär e é extraordinariamente boa a identificar traficantes. Um dia, um homem de aspeto suspeito sai do barco.
Incapaz de identificar o que ele esconde, ela fica obcecada por ele e pela aura perturbadora que ele emana. Mas a sua investigação vai revelar muito mais do que ela esperava e Tina vê-se confrontada com revelações terríveis sobre si mesma e a humanidade.
Baseado num conto de John Ajvide Lindqvist, autor do best-seller Deixa-me Entrar (Let the Right one In)

Opinião por Artur Neves

A história contada neste filme toca as raias da fantasia com um desenvolvimento e uma subtileza que nos surpreende quando a verdade é revelada e somos confrontados com algo que se situa entre o mito, um romance de amor improvável e um caso de polícia que no seu todo ultrapassa os limites da compreensão humana.
Tina (Eva Melander, irreconhecível sob a caraterização que define o personagem) é uma mulher com algumas caraterísticas inerentes ao autismo mas com a particularidade de possuir um olfato extremamente apurado que lhe serve no seu trabalho para farejar (é a palavra que melhor a define) a posse de drogas ou outras substancias proibidas nos passageiros que diariamente atravessam a alfândega onde ela trabalha.
Todavia a sua vida é de uma monotonia atroz, preenchida por ações e gestos que se repetem diariamente, sem amigos, sem convívio, exceto com os colegas no trabalho e o seu pai de quem ela trata e assiste nas suas necessidades. Todavia, os seus pensamentos íntimos deambulam por desejos e projetos, incompreensíveis para ela própria, bem como a sua imagem no espelho, que ela vê, mas que dificilmente reconhece semelhanças com o mundo que a rodeia.
Quando aquele homem lhe aparece à frente, Vore (Eero Milonoff), exibindo uma insolência displicente, descarado, falando-lhe em tom de desafio, Tina sente-se surpreendia com o seu rosto, onde reconhece traços semelhantes aos seus e fica profundamente excitada com aquele estranho ser diferente de todos os que a rodeiam, apesar de entre eles se sentir também uma estranha.
O realizador Ali Abbasi, Iraniano por nascimento, mas que estudou e vive na Dinamarca, traz-nos aqui uma história de transgressão e tabu sobre as nossas origens e de todos os seres que nos rodeiam, bem como as suas hipotéticas derivações sobre os costumes e as culturas que marginalizam as diferenças apenas por serem diferentes.
A estranheza desta história reflete também o complexo de minoria, onde o realizador se insere, que se concretiza através da atribuição aos personagens de um sentimento de afastamento dos humanos com quem interagem, tal como das suas particularidades e preferências, do contacto com a terra tirando os sapatos no bosque, comendo larvas e insetos e de Tina, vivendo uma experiencia sensual única ao vaguear nua pela floresta, em êxtase de comunhão com a natureza.
 O contacto íntimo entre Tina e Vore é um ato de outro mundo que se realiza como um ritual oculto, sensual, embora estranho. No seu estilo multifacetado, este filme contém uma história única que merece ser vista e vai permanecer durante algum tempo na sua memória. Recomendo.

Classificação: 8 numa escala de 10

19 de março de 2019

Opinião – “KURSK” de Thomas Vinterberg


Sinopse

KURSK é inspirado na história verídica de K-141 Kursk, o submarino nuclear russo que se afundou no Mar de Barents em agosto de 2000.
À medida que 23 marinheiros lutam pela sobrevivência dentro da embarcação, as suas famílias desesperadas combatem obstáculos burocráticos e probabilidades assustadoras para conseguirem encontrar respostas e salvar os entes queridos.
Realizado pelo visionário dinamarquês Thomas Vinterberg (A Caça, Longe da Multidão), KURSK é uma história arrebatadora e emocionante que conta com Colin Firth, Léa Seydoux, Matthias Schoenaerts e o lendário Max von Sydow no seu elenco.

Opinião por Artur Neves

Nesta história confirma-se o que já se sabia, as pessoas, os cidadãos de um determinado estado valem menos do que os “segredos de tecnologia ultrassecreta” (pseudo segredos, porque como o filme mostra, a tecnologia que quiseram proteger já estava obsoleta) não se coibindo de sacrificar alguns dos seus servidores militares em benefício de um avanço tecnológico inexistente.
Por outro lado esta história também mostra o poder da burocracia, o poder das regras instituídas cegamente por preconceito da política do ultrasecretismo militar em face de uma realidade que se impõe mas que a regra não contempla, por mero autismo das instituições e dos seus mais altos representantes. É a vida que todos conhecemos deste mundo que habitamos.
No filme a história desenrola-se lentamente, tal como a agonia dos tripulantes após o acidente que deu origem á explosão acidental do primeiro torpedo, não obstante os sinais de mau funcionamento serem visíveis e de terem sido cumpridos todos os procedimentos estabelecidos. Era apenas um exercício com um submarino nuclear que era o orgulho da tecnologia Russa, cuja explosão mata mais de metade da tripulação instantaneamente, restando apenas 23 sobreviventes que se reúnam num compartimento parcialmente deteriorado mas com potencialidade de os abrigar da água gelada que entra pelas frestas, da escassez de oxigénio e das baixas temperaturas até á chegada dos meios de resgate.
Em terra, as famílias dos marinheiros procuram informações e respostas às perguntas da sua aflição, mas confrontam-se com autoridades formais, relutantes em perder a face perante o povo, escondendo e mentindo sobre a real situação que enfrentam, na insuficiência e inadequação de meios para realizarem o resgate. Do conjunto de todo aquele desespero de mães e esposas ansiosas por notícias, ressalta uma mãe aflita que foi calada através de um sedativo injetado no calor da discussão por um dos agentes que a seguravam. Todavia em nenhum momento é citado o presidente Vladimir Putin, embora este caso tenha constituído o primeiro desafio da sua recente presidência.
A filmagem apresenta traços de inteligência, sublinhando o que é importante, como a vida a bordo no submarino sinistrado em versão widescreen (ecrã inteiro) e um tamanho menor em todas as cenas fora da ação. Por outro lado, a música de Alexandre Desplat acentua as sequencias mais dramáticas com uma melodia melancólica que nos ajuda a envolver-nos no drama que estamos a assistir. Thomas Vinterberg tem aqui um bom desempenho de realização preferindo atores e atrizes europeias em vez de Russos, o que aponta o filme para o clássico drama de guerra de Hollywood, comovente e interessante. Recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

9 de março de 2019

Opinião – “Miss XL” de Anne Fletcher


Sinopse

Numa pequena cidade do Texas, a jovem Willowdean Dickson (Danielle Macdonald), vive com problemas em se sentir bem na sua pele. A situação não é ajudada pela pressão imposta pela mãe, Rosie (Jennifer Anniston), uma antiga rainha de concursos de beleza, que trata a filha por Dumplin e pouco tem em comum com ela.
Com o objectivo de agitar águas e aborrecer a mãe, Willowdean inscreve-se no concurso de beleza para adolescentes que Rosie está a organizar. Mas para grande surpresa sua, Will é apoiada por outras raparigas, que querem participar nesta “revolução de saltos” e mostrar ao mundo que a beleza vem de dentro.
Com a ajuda destes novos amigos, Willowdean e Rosie vão aprender a ultrapassar as diferenças, e confirmar que Dolly Parton estava certa quando disse que “se queres o arco-íris, tens de aguentar a chuva”.

Opinião por Artur Neves

De entre as coisas mais importantes na vida de todos nós ressalta a saúde e, também relacionado com o parâmetro anterior, a aceitação de nós próprios, tal como somos, com vontade de melhorar, sim, sempre, mas aceitando o que somos, como somos com todos os defeitos e virtudes inerentes ao exemplar humano que suporta diariamente o nosso despertar.
É esta a história que nos é contada neste filme, com um fino sentido de humor, por uma gordinha; Danielle MacDonald, que se assume em todo o seu esplendor do seu volume e peso pouco propenso à aceitação geral e às modas atuais de beleza. A sua aceitação reside na educação ministrada pela tia que a criou, fan de Dolly Parton que nos brindou com um livro, onde menciona o famoso aforismo mencionado na sinopse, que nos justifica a aceitação de sacrifícios em prol de um bem maior.
A realizadora Anne Fletcher, natural de Detroit, Michigan, que já nos apresentou em 2009 “A Proposta”, sobre a condição feminina no aspeto do relacionamento matrimonial, debruça-se agora sobre a condição feminina em si mesma, numa altura em que este assunto ocupa a ordem do dia com uma cultura preocupada sobre o feminismo sem reservas, genuinamente assumido, que não aceita como dantes o fascínio da beleza institucional mas antes a questiona e combate, por constituir ainda o alimento das ideias pré-fabricadas da mulher objeto, em que elas já não se reveem.
É nesta altura que se impõe o combate pela sátira, pelo desafio, pelo confronto de pessoas cujo corpo não corresponde ao standard instituído, poderem igualmente ser avaliadas pelos seus dotes intrínsecos e pelo direito que têm em habitar este mundo. Rosie (Jennifer Anniston), mãe de Dickson e antiga “rainha de beleza” é assim confrontada pela própria filha, primeiro de forma inconsequente, e depois como forma de lhe dizer que apesar de tudo sente a sua falta e lhe dedica o seu amor.
Já vi Jennifer Anniston em melhores interpretações e neste filme apenas cumpre “calendário” talvez por estar fora do ambiente que mais lhe agrada, todavia é suficiente. No geral o ambiente é de festa, o filme é divertido, embora pronunciando verdades amargas e gerido com segurança. A presença de “drag queens” como professoras das “marginais” candidatas ao concurso de beleza só vem animar a festa com o seu esoterismo, plumas e maneirismos que conferem muito boa disposição a toda a cena. Muito curioso, a ver.

Classificação: 6,5 numa escala de 10

8 de março de 2019

Opinião – “Réplicas” de Jeffrey Nachmanoff


Sinopse

William Foster (Keanu Reeves), um neurocientista genial, está quase a conseguir descobrir o processo pelo qual uma consciência humana pode ser transferida para um computador. No entanto, no advento desta descoberta científica, a sua família morre num trágico acidente de carro.
Desesperado para ressuscitar aqueles que perdeu, William recruta o seu colega cientista Ed Whittle (Thomas Middleditch) para o ajudar a secretamente clonar os corpos da família, criando réplicas.
Rapidamente, William depara-se com uma “escolha de Sofia”, quando se apercebe que apenas consegue trazer três dos seus quatro familiares de volta à vida.

Opinião por Artur Neves

O conhecimento para a criação absoluta de vida é uma velha aspiração humana que tem alimentado obsessões materializadas pela escrita; Frankenstein, pela devoção a uma entidade desconhecida no âmbito das religiões e atualmente, pela tecnologia, através da conceção de máquinas mais ou menos evoluídas semelhantes ao seu criador como nesta história em que se pretende transferir a consciência de um soldado morto para uma máquina que o substitua.
Todavia neste filme, a história torna-se um pouco mais complicada, quando William Foster pretende redimir-se do brutal acidente que provocou e no qual matou toda a sua família… exceto ele próprio. O remorso que o assalta leva-o a conseguir uma proeza nunca alcançada no estado normal do desenvolvimento científico, no laboratório onde trabalha. E ele faz tudo isso com a mais séria cara de pau que um ator com o curriculum de Keanu Reeves pode fazer.
Faz a clonagem da família, em cubas transparentes cheias de líquido, omite as memórias que podem complicar a plena felicidade da família, pela omissão de um dos membros (cuja escolha ele realiza com papelinhos dentro de uma tijela de sopa) e exulta de felicidade pela proeza conseguida como neurocirurgião e como pai de família recuperado do seu remorso de assassino coletivo.
Nesta altura o leitor já deve ter pensado para os seus botões: “…mas o que é isto?...” mas não desespere porque ainda vem pior, quando o chefe do laboratório onde ele trabalha e mais quatro capangas (de negro vestidos, para impressionar) se revelam malfeitores a soldo de uma organização com fins maléficos para toda a humanidade que querem o segredo da “fabricação” (algoritmo… referem eles) para se tornarem nos senhores do mundo.
Nesta altura, depois de tantos e tão inusitados eventos, nenhuma preocupação de fundo assalta qualquer dos intervenientes, nenhuma reflexão sobre a vida remanescente artificialmente conseguida, nenhuma alteração de estabilidade emocional que os impeça de se preocuparem em fugir, para termos a inefável perseguição de automóvel inerente a um filme de ação que se preze.
É lamentável que um filme que estabelece um fascinante dilema existencial, que toma em mãos uma velha aspiração da humanidade sobre a criação autónoma da vida, esbanje o tema em bandidos bons e bandidos maus (nesta história são todos bandidos incluindo o argumentista) e tente resolver a angústia da provocação da morte como se fosse uma questão culinária de mais ou menos sal. Salva-se a fotografia e alguns efeitos especiais, sendo para eles toda a classificação atribuída.

Classificação: 5 numa escala de 10

6 de março de 2019

Opinião – “Uma Nação, Um Rei” de Pierre Schoeller


Sinopse

Em 1789, um povo começa a revolução. Ouçam-no. Ele tem algo a dizer-nos.
UMA NAÇÃO, UM REI cruza os destinos de mulheres e homens do povo e de figuras históricas como Robespierre, Marat, Desmoulins ou Danton. O lugar de encontro é a nova Assembleia Nacional.
No coração da História, encontramos a queda do rei Luis XVI e o nascer da República.
A liberdade tem uma história. Ouçam-na.

Opinião por Artur Neves

Neste filme pretende contar-se a história da Revolução Francesa iniciada em 1789, até à morte do rei Luís XVI em 1792 e a subsequente implantação da república no mesmo ano. Não se pode dizer que não seja um projeto ambicioso, todavia a obra em presença enferma do defeito do tipo de comunicação panfletária utilizada, suficiente para quem tem conhecimento do assunto mas inadequada para quem lhe é apresentado o evento pela primeira vez.
Não questiono o rigor histórico de que o filme se revesta na apresentação dos factos inerentes e esse marco de civilização e cultura europeia, referindo as datas das etapas mais significativas da revolução, bem como o nome de todos dos principais deputados envolvidos e os nomes dos votantes que condenaram o rei à morte por guilhotina, mas lamentavelmente é tudo apresentado como que de um postal ilustrado se tratasse, tal é a ligeireza e a brevidade com que os eventos são documentados.
É o que eu chamo uma história a duas dimensões. Os personagens são-nos apresentados sem espessura, sem densidade dramática ou credibilidade de qualquer outra espécie para que sejamos informados das suas razões e dos seus motivos. Claro que se sabe que a revolução teve origem num levantamento popular em busca de melhores condições de vida, e contra a aristocracia reinante e os seus privilégios feudais, mas só superficialmente é que nos são apresentadas as suas dificuldades e as suas dores.
Luis XVI era casado com Maria Antonieta que também teve um papel preponderante na rebelião popular que conduziu à Revolução Francesa, mas sobre ela o filme nem lhe cita o nome, nem a influência nefasta que teve sobre o marido a favor dos interesses económicos e políticos da sua família austríaca da casa dos Habsburg, além de ser reconhecidamente gastadora e promíscua, outro aspeto sobre o qual a história que nos é contada no filme é completamente omissa. Sobre Luis XVI, sabemos que era um rei fraco, mas o filme vota-o ao mais completo ostracismo descaracterizando completamente o seu papel.
Com o intuito de constituir um eixo em torno do qual a história se desenrola, a realização de Pierre Schoeller mostra-nos uma família popular que polariza a oposição ao poder, mas os seus personagens apresentam-se ao nível de todos os outros figurantes, sem nome nem expressão, nem qualquer emoção dramática que os destaque ou caracterize. Todo o filme apresenta-se portanto como um relato documental, representado por atores que ocupam personagens que não são deles nem estão interessados em reconhecê-los. São apenas nomes, descontextualizados das suas funções públicas, palavrosos, que cumprem atos em datas inscritas no próprio filme e que servem como uma lição de história mal-amanhada porque em nenhum momento lhes são conferidas as motivações ideológicas que justificaram as suas ações. Cronologicamente é um relato fiel ao nível do mês em que os eventos se passaram e para essa particularidade vai toda a classificação atribuída.

Classificação: 5 numa escala de 10

1 de março de 2019

Opinião – “O Mistério da Ilha Flannan” de Kristoffer Nyholm


Sinopse

Três faroleiros chegam a uma ilha desabitada, a 20 milhas da agreste costa escocesa, para completarem um turno de seis semanas. Quando Thomas (Peter Mullan), James (Gerard Butler) e Donald (Connor Swindells) já se habituaram à rotina solitária, uma situação inesperada e potencialmente transformadora ocorre – eles deparam-se com algo que não lhes pertence.
De onde veio? A quem pertence? Um barco aparece na área que poderá ter respostas para estas questões…
O que se segue é uma tensa batalha pela sobrevivência enquanto a ganância pessoal se destaca em detrimento da lealdade. Alimentados pelo veneno da paranóia e do isolamento, três homens honestos são levados por um caminho de destruição e assassínio.

Opinião por Artur Neves

A história que suporta o filme corresponde a um mito urbano referente ao período de Natal de 1900, relatando uma hipótese de acontecimento para o misterioso desaparecimento de três faroleiros, que se mantém até ao presente sem qualquer pista que indicie os verdadeiros motivos do desaparecimentos dos três homens na ilha do farol, incluída no grupo de ilhas Hébridas Exteriores ao largo da costa oeste da Escócia continental. Desde 1971 que estas ilhas estão desabitadas, decorrente da automação dos faróis de sinalização marítima.
Ao longo do tempo diferentes razões têm sido aventadas pelos amantes do mistério para justificar o evento, desde uma zanga de morte entre os três homens que posteriormente teriam sido comidos por gaivotas, até terem sido abduzidos por seres alienígenas, mas nenhuma das suposições colhe elementos suficientes para se considerarem credíveis.
No presente filme a razão escolhida é a ambição humana em ambiente de completo isolamento, que está bem representado nos três personagens escolhidos. Thomas, o mais velho, apresenta o rosto marcado por profundas rugas em pele curtida pelo ar do mar que constantemente varre a ilha. Perdeu a família em circunstâncias dramáticas que lhe consomem a alma e lhe conferem uma profunda solidão decorrente da sua vida vazia.
James, pelo seu lado, é o mais realizado dos três, sofre o afastamento forçado da mulher e dos filhos que deixou no continente, apresenta boa estabilidade emocional e clarividência no desempenho do seu trabalho até surgir o problema que os conduz á loucura coletiva, ao ódio e ao remorso insuportável. Donald, o mais novo, apresenta-se desde o início como o mais frágil emocionalmente, rejeita a autoridade dos outros dois, embora com resistência acate as suas ordens e revolta-se contra os elementos inerentes da sua atividade.
Kristoffer Nyholm é seguro e engenhoso no trabalho que nos apresenta. O ambiente criado dentro do farol parece estar acontecendo num barco, no mar, considerando todos os pequenos ruídos e gemidos que são produzidos, para nos envolver num ambiente que se adivinha de tragédia e de morte. Os personagens envolvem-se nos seus ódios e suspeitas uns contra os outros, desenvolvendo estados de loucura e de angústia existencial, que com a ajuda do desregramento da bebida combatem-se violentamente entre si. Finalmente tudo desaba e mesmo o mais estável, (James) sucumbe numa introspeção de culpa e horror. É um filme com muito boa intensidade dramática, seguro, escorreito, que se vê com agrado.

Classificação: 6 numa escala de 10