15 de novembro de 2019

Opinião – “Comportem-se como Adultos” de Costa-Gavras


Sinopse

Yanis Varoufakis desencadeou uma das batalhas mais espetaculares e controversas da história política recente quando, como ministro das Finanças da Grécia de um governo radical, tentou renegociar o relacionamento de seu país com a UE, provocando a fúria da elite política, financeira e de mídia da Europa. Mas a verdadeira história do que aconteceu é quase totalmente desconhecida – porque muitos dos negócios reais da Europa acontecem em portas fechadas.

Opinião por Artur Neves

Confesso que foi com algumas reservas que assisti ao visionamento deste filme considerando que foi baseado no livro de Yanis Varoufakis “Adults in the Room” publicado em 2019 e segundo creio, ainda sem tradução em português. O que me fez decidir foi o facto de o argumento ter sido adaptado do livro por Costa-Gavras, esse realizador Grego de 86 anos que nos deu “Z - A Orgia do Poder” em 1969, ou “Desaparecido” em 1982, ou ainda “Amen” em 2002, onde nos mostra a sua visão humanista do mundo e a denúncia da ditadura dos coronéis na Grécia, numa cinematografia sempre comprometida com a verdade.
Desta feita, temos uma abordagem da história recente do seu país natal, a braços com uma dívida monumental que aproxima perigosamente a Grécia em 2015, da bancarrota e do colapso social, através do “abraço de urso” da união europeia que lhe impõe condições leoninas no acordo de entendimento para a liquidação da dívida e para o saneamento da sua economia.
A história começa com a eleição de Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis) em Janeiro de 2015 e com a subida do partido de extrema esquerda, Syriza, ao poder na Grécia, na sequência da falência do governo anterior de pendor liberal do partido Nova Democracia. Yanis Varoufakis (Christos Loulis) pertencente ao núcleo duro de apoio a Tsipras, é nomeado ministro das finanças e tem de contrariar as condições duríssimas impostas pela Alemanha de Wolfgang Schäuble (Ulrich Tukur), incluídas no acordo de entendimento, o que o faz iniciar um périplo pelas capitais dos maiores países da União Europeia, Paris, Londres, Frankfurt, Berlim e Riga, em busca de apoios que lhe permitam atingir os seus objetivos.
Quem viveu estes anos p.p. com atenção às notícias dos jornais sabe que o maior opositor de Yanis era Schäuble que se recusava a alterar o que quer que fosse do memorando de entendimento, desafiando assim a habilidade negocial de Yanis que se desdobrava em tentativas para obter a compreensão de Christine Lagarde (Josiane Pinson), chefe do FMI e dos credores mais significativos, que apesar de ensaiarem alguma aceitação dos seus argumentos, acabavam sempre alinhados com Schäuble na hora das grandes decisões.
Convenhamos que esta é uma história difícil de pôr em filme. É necessário criar muitos personagens atuais com atores, qual deles o mais diferente do original (exceção feita para Schäuble por causa da sua cadeira de rodas) mas para todos os outros, incluindo Tsipras e o próprio Yanis, somente após algum tempo é que nos habituamos a considerar os seus rostos como o rosto que temos associado a estes personagens indissociavelmente ligados à crise Grega e a este grande problema da história recente da União Europeia.
Deste modo Costa-Gavras consegue a proeza de nos apresentar a visão claustrofóbica de múltiplas e infindáveis reuniões com todos os players centrais desta negociação, tais como; Jeroen Dijsselbloem (Daan Schuurmans) presidente à época do Eurogrupo, Pierre Moscovici (Aurélien Recoing), Mario Draghi (Francesco Acquaroli) presidente do BCE além dos anteriormente já citados para referir somente os mais importantes. Angela Merkel também aparece embora em extratos de notícias reais ligadas ao assunto e nunca como um personagem desta história.
Por outro lado Costa-Gavras nunca se refere a que o agravamento da crise Grega se deveu à ocultação dos indicadores macroeconómicos, orquestrado pelo conselheiro financeiro internacional Goldman Sachs, que permitiu encobrir a dimensão da dívida, nem aos desmandos financeiros sem controlo nos ordenados dos funcionários públicos e pensões principescas a membros de antigos governos, como ao elevado nível de corrupção que campeava na generalidade da economia real. Nada disto é mencionado, dando-se ênfase ao desemprego do povo, às falências de empresas esmagadas pela Troika e à miséria generalizada imposta por medidas de austeridade discricionariamente determinadas no memorando de entendimento.
Todo o filme é acompanhado por música de Alexandre Desplat inspirada no folclore Grego e até os momentos de maior tensão são intensificados por ela, apesar de o filme se tornar algo maçador de tão pormenorizadamente querer apresentar os factos relativos às negociações com os credores. Não tenhamos dúvidas, são todos culpados, são todos falcões e nem em Christine Lagarde se vislumbra um arremedo de pomba.
É história recente contada ao minuto, eu achei interessante mas admito que muitos dos leitores discordarão de mim.

Classificação: 6 numa escala de 10

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