27 de agosto de 2020

Opinião – “Radioativo” de Marjane Satrapi


 Sinopse

“Radioativo” dá-nos a conhecer o legado duradouro de Marie Curie (interpretada pela atriz nomeada para um Óscar® Rosamund Pike) – as suas relações apaixonadas, as descobertas científicas, e as consequências para ela e para o mundo. Depois de conhecer o cientista Pierre Curie (Sam Riley), os dois casam-se e mudam a ciência para sempre com a descoberta da radioatividade. A genialidade das descobertas dos esposos Curie, que mudam o mundo, e o Prémio Nobel que se segue, levam o casal à ribalta internacional.

Dos mesmo produtores de “A Hora mais Negra” e “Expiação”, a realizadora Marjane Satrapi (nomeada para um Óscar® com Persépolis) parte da novela gráfica de Lauren Redniss e apresenta um retrato visionário e ousado dos efeitos transformadores, das consequências do trabalho dos Curie e da forma como este moldou os momentos-chave do século XX.

Opinião por Artur Neves

“Radioativo” é um filme que nos mostra os benefícios e os malefícios da radiação gama, (γ) um tipo de radiação eletromagnética de alta frequência com elevado poder de penetração em todos os corpos, resultante do decaimento da evolução natural do plutónio na natureza, através duma abordagem autobiográfica aos seus descobridores, os esposos Pierre e Marie Curie na última década do século XIX.

Em 1903 essa descoberta e as suas múltiplas aplicações conferiu-lhes o mérito de serem distinguidos com o prémio Nobel que no discurso de aceitação de Pierre ele aludiu à imensa perigosidade das suas descobertas referindo em forma de pergunta; “se a humanidade se beneficia em conhecer os segredos da Natureza, se está pronta para lucrar com isso ou se esse conhecimento não será prejudicial para ela”. A resposta, como todos conhecemos, está no benefício da antecipação de diagnóstico propiciado pelo Raio X e no malefício do desastre de Chernobil, igualmente referido no filme, este porém, com causas políticas associadas à dimensão do desastre, para lá da perigosidade de utilização da energia atómica no grau de desenvolvimento atual.

Marjane Satrapi, realizadora Iraniana a viver nos USA faz uma abordagem inteligente do argumento começando com Marie Curie já consagrada e em plena atividade no laboratório sofrendo um desmaio que a levará ao hospital, cujo tempo de internamento lhe permitirá fazer o balanço da sua vida mostrando-nos toda a evolução do seu trabalho, estudos e vida familiar com Pierre Curie, do qual teve três filhas e uma vida de ativista em favor dos direitos das mulheres, da sua independência e autonomia face à sociedade patriarcal comum no século XIX decorrente da revolução industrial e posterior desenvolvimento.

Neste particular, a atriz Rosamund Pike no papel de Marie Curie é uma escolha vencedora considerando a sua teimosia, orgulho e perseverança demonstrados na construção de um personagem credível como cientista e controverso como esposa e mãe, pese embora as suas diferenças físicas com a verdadeira Marie Curie.

Pierre Curie (Sam Riley) era igualmente dado às ciências ocultas, contrariamente a Marie Curie que era fundamentalmente racional e pragmática. Essa tendência introduziu no círculo de conhecimentos familiares Loie Fuller (Drew Jacoby) uma mulher da nova era que criou em palco uma dança em que o intérprete vestia uma túnica branca esvoaçante iluminada por luzes mutantes de cores intensas. Fuller, tendo conhecimento do poder fosforescente do rádio, pediu-lhes um pouco para utilização numa fantasia. Pierre teria acedido se Marie não se opusesse determinadamente, antecipando os efeitos perniciosos da radiação continuada no corpo humano, dos quais Pierre e ela própria, viriam a falecer.

Satrapi soube construir um ambiente adstringente e simultaneamente sentimental de Marie, em que ela, sem abandonar o seu mundo e a sua atividade de investigadora, ama infinitamente o seu marido, resolve os seus diferendos individuais após a sua morte e cuida das suas filhas com o desvelo possível, embora sempre com muito amor. Todo o filme constrói uma visão alucinatória que ilustra o terror com que Marie encara as suas descobertas, que não têm a ver só com ela, mas com muitas outras vidas que ela pode condicionar, reforçando a mensagem de que: “a ciência é invariavelmente política e, nas mãos certas, pode ser uma força para o bem, mas nas erradas, uma arma do mal”. Muito interessante, recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

26 de agosto de 2020

Opinião – “Fojos” de Anabela Moreira e João Canijo


Sinopse

Castro Laboreiro, a terra mais a Norte de Portugal, é um lugar cujos montes terminam numa rua sem saída. Chamam-lhe o buraco do fim do mundo. Ali vivem lado a lado lobos e homens. Os lobos saem dos seus covis para atacarem livres as presas dos homens trancados nas suas tocas. Uns e outros armadilhados dentro do grande fojo que é a vida e de onde não se pode sair vivo.

Opinião por Artur Neves

Considerando a sinopse anterior e o poema inscrito no poster do filme (“Os homens são como o lobo,/Só lhes falta ter rabo,/Andam de dia e de noite,/Na figura do Diabo”), bem como que; “Fojo” é uma armadilha para captura de lobos, construída em pedra e representativa de uma manifestação cultural única a nível ibérico, da convivência nem sempre amistosa entre lobos e homens. Na minha genuína paixão cinéfila, sempre recetiva á desejada evolução do cinema português, pensei tratar-se de um documentário, sim mas, em que João Canijo, autor de algumas boas obras recentes, nos quisesse oferecer um drama na paisagem agreste do Alto Minho em que homens e lobos se comportassem uma vez como eles próprios e outra como o seu contrário, conjugando uma história documental sobre a dura vida das pessoas de Castro Laboreiro e Melgaço.

Mas não… mais uma vez as minhas expectativas foram goradas e o que temos aqui é um documentário puro e duro, do quotidiano quase primitivo (apesar da existência da Internet) das gentes de Melgaço, nas suas atividades de subsistência e manutenção da vida do dia a dia, apresentadas aleatoriamente, ou pelo menos segundo uma ordem de duvidosa referenciação.

O documentário não tem atores, é feito com as pessoas da terra nos seus afazeres normais de pastar os animais, matar os porcos e defumar os presuntos, bem como conservar a carne em sal. Todas as pessoas são indiferenciadas e reportadas ao mesmo nível sendo tão destacado o “Tiro”, um cão pastor, como a “tia Benite”, ou “Benitinha”, apoiada em duas canadianas sempre que se desloca ao centro de dia para executar uma ginástica mal guiada, ou ao posto médico para tratar dos seus múltiplos achaques.

A aldeia reportada tem muitas pessoas mas o filme não nos permite conhecer qualquer delas ou as relações entre elas, os seus dramas, ou o posicionamento social relativo daquelas que a realização achou por bem destacar com a abordagem dos seus problemas específicos. O abastecimento da dispensa dos habitantes é feito pela mercearia itinerante que pára em vários lugares e atende diferentes fregueses, com dificuldades pecuniárias também diferentes, mas tudo de uma forma tão plana, tão rasa, tão elementar que ficamos sempre à espera que o próximo assunto seja mais interessante.

A abordagem espiritual dos habitantes é feita através da apresentação de uma igreja frugal e de um funeral não se sabe de quem, apenas uma procissão atrás do féretro, vista de perto e de longe quando atravessa uma ponte. Mais interessante é a mostra de uma prática religiosa cigana, com o discurso do mentor num altar improvisado e as respostas pré estabelecidas dos fiéis na assembleia, num misto de reza e cântico aos sons de acordes de música cigana.

Dos fojos apenas um nos é mostrado e a uma distância segura. Dos lobos nem um vislumbre, exceto das carcaças despojadas de carne de caçadas antigas, dos homens que viram diabos, também nem uma réstia, até porque, na sociedade matriarcal que nos é apresentada, elas são sempre determinantes em tudo o que importa e neste filme tudo o que importa é apontar a objetiva para diferentes assuntos e deixar correr a gravação para ter assunto para a edição. Ora bolas… não pode ser sempre isto o cinema português.

Classificação: 3 numa escala de 10

18 de agosto de 2020

Opinião – “O Segredo – Atreve-te a Sonhar” de Andy Tennant

 Sinopse

“O Segredo – Atreve-te a Sonhar” conta a história de Miranda Wells (Katie Holmes), uma mulher muito trabalhadora, viúva, que luta para criar três filhos sozinha. Uma forte tempestade traz para a sua vida um desafio devastador e um homem misterioso, Bray Johnson (Josh Lucas). Em poucos dias, a presença de Bray reacende o ânimo da família, mas ele transporta consigo um segredo – e esse segredo pode mudar tudo.

Este drama romântico baseia-se na obra de Rhonda Byrne, "O Segredo" publicado em 2007 em Portugal. Com mais de 30 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, permaneceu 190 semanas na lista de livros mais vendidos do "The New York Times", sendo o livro mais vendido de sempre em Portugal, com meio milhão de exemplares. O livro apresenta a Lei da Atração, que defende que os nossos pensamentos moldam a nossa realidade e que os seres humanos podem controlar as suas vidas com a mente e alcançar os seus desejos.

Opinião por Artur Neves

A Lei da Atração mencionada na sinopse, inspirada no princípio Taoista: “Acredita e Materializas” mais não é, na tradição judaico cristã profusamente divulgada em Portugal, o conteúdo do proverbio popular “A fé move montanhas” que nos aparece divulgada até à exaustão no livro “O Segredo”, travestido de filosofia de auto ajuda escrito por Rhonda Byrne a quem propiciou uma invulgar projecção mediática com os respectivos proventos associados, posteriormente divulgado em DVD na forma de documentário.

Andy Tennant, realizador americano cujo filme mais significativo da sua obra é; “Para sempre Cinderela” de 1998, pegou no argumento de um drama romântico de Bekah Brunstetter e Rick Parks, adaptado ao formato pela própria Rhonda Byrne, que lhe empresta um vago sentido de espiritualidade, oferece-nos esta história de pensamento positivo, polvilhado de pseudo filosofia barata, através da qual, durante uma tempestade torrencial, quando as crianças da casa exprimem o seu desejo por pizza, aparece-lhes milagrosamente um entregador de pizzas na porta de frente para lhe cumprir e satisfazer os desejos. O mago da lâmpada de Aladino não faria melhor.

Tudo o resto é comum dos dramas românticos, Miranda Wells (Katie Holmes), desempregada, falida, viúva e mãe de três filhos, (só desgraças) vive atormentada pela manutenção da sua vida, que só piora, quando a tempestade causa danos consideráveis na sua casa (mais desgraça) tem um encontro “casual” com Bray Johnson (Josh Lucas) que lhe oferece incondicional ajuda no seu infortúnio, que naturalmente lhe causam surpresa e desconfiança, não só a ela como ao seu encalhado namorado de longa data Tucker (Jerry O'Connell) que começam a questionar tão generosas e oportunas ofertas.

Porém não há nada de mal e somente os seus espíritos sem esperança, sem ver a luz, é que gera as suas dúvidas infundadas que serão dissipadas sempre que Bray adicione á sua ajuda pequenas pérolas de sabedoria sobre o poder das Leis da Atração e do pensamento positivo do tipo “quanto mais pensas em algo mais o atrais para ti” em que o episódio das pizzas, para além de outros, são verdadeiramente singulares.

Se descartarmos os chavões e os clichés de auto ajuda a história até se compõe razoavelmente bem como um romance maduro, uma segunda oportunidade entre dois personagens interpretados por dois atores que sabem ao que vão e sabem fazer com que secretamente desejemos que os seus personagens se encontrem, mas as manipulações emocionais do formato e as narrativas lamechas utilizadas geram situações que nos fazem querer vomitar, tais são os esforços artificiais de Rhonda Byrne para introduzir as suas recomendações e comentários no processo.

Por outro lado, os problemas financeiros de Miranda são facilmente assimiláveis por vários espectadores com dificuldades semelhantes nestes tempos difíceis e interiorizar que apenas o desejo intenso e constante de melhoria são suficientes para os ultrapassar, pode conduzir a grandes desilusões.

Classificação: 4 numa escala de 10

14 de agosto de 2020

Opinião – “A Troca das Princesas” de Marc Dugain

 

Sinopse

Em 1721, o Regente de França, numa tentativa de selar a paz com Espanha, oferece ao Rei espanhol, um casamento entre os herdeiros respectivos: Luís XV, de 11 anos, e Mariana Victoria, a infanta espanhola de 4 anos. O Regente propõe também a sua filha, Mademoiselle de Montpensier, de 12 anos, ao Príncipe das Astúrias, o herdeiro do trono de 14 anos. Madrid responde com entusiasmo às propostas. A troca das princesas realiza-se numa pequena ilha, entre os dois países. Mas nada corre como planeado.

Opinião por Artur Neves

A sinopse anterior descreve sucintamente todo e enredo da história em que baseia este filme de Marc Dugain, realizador e argumentista francês, nascido em 1957 no Senegal, que tem no seu curriculum diversas obras de caris autobiográfico e histórico referente a personalidades como Joseph Staline ou J. Edgar Woover.

A história decorre quase completamente no interior dos palácios para onde o regente do Reino da França, Philippe d'Orléans engendrou o plano de casar o futuro rei de França, Luís XV, de 11 anos, com Marie-Anne-Victoire d'Espagne, de 4. Não satisfeito com isso, ele acrescenta ao “lote” a oferta da sua filha Louise-Élisabeth d'Orléans, de 12, para desposar o príncipe herdeiro do trono espanhol, Luis, de 14 anos que nos é apresentado como um imberbe totalmente impreparado para viver, ou casar, quanto mais para reinar.

É este o mérito do filme e do argumento que o suporta, escrito por Chantal Thomas que tem provas dadas nesta área de desmontagem da convenção história sobre as monarquias europeias que até hoje se revelam pelos piores motivos.

No presente caso é o desespero de Philippe d'Orléans, (Olivier Gourmet) a sua incapacidade e impreparação para assumir as tarefas régias durante a infância de Luis XV que o leva a tentar estabelecer uma ponte e uma amarração com o futuro, através do enlace dos atuais infantes, independentemente das suas preferências. Era o normal na época, bem sei e a história também nos mostra isso, mas só a ociosidade da sua vida palaciana e a total ausência de preocupação com o povo e os destinos da nação é que o faria pensar em levar o jovem Luis XV a assumir um compromisso de casamento com uma criança de 4 anos que o filme até nos mostra ter uma presença de espírito e de premonição invulgares para a idade.

Só pela idade e pela impreparação generalizada destes quatro peões infantis, usados nesta absurda empresa de vinculação dinástica pode-se suspeitar do sucesso da ideia, mas todo o ambiente vivido na corte de França e de Espanha que o filme nos mostra, sugere-nos claramente à sua conclusão catastrófica de devolução das “encomendas” às suas origens naturais de onde não deveriam ter saído.

Rodado quase completamente no ambiente interior dos palácios, o filme apresenta uma dinâmica lenta e soturna, filmado à luz de velas, no interior de salões, onde por vezes se espera que uma acção aconteça. Porém, esta fica retida no protocolo das cerimónias da corte e nos pensamentos dos seus agentes, mostrando-nos as vidas estéreis dos detentores do poder, embora inocentes nas suas atitudes, porque ainda ingénuos nos objetivos a atingir.

Fica-nos assim uma revelação histórica, por vezes comovente, dos poderes reais e da monarquia, interpretado por atores bem escolhidos com particular destaque para Marie-Anne-Victoire (Juliane Lepoureau) que apesar da sua tenra idade obtém um excelente desempenho.

Nas salas a partir de 20 de agosto

Classificação: 5 numa escala de 10

13 de agosto de 2020

Opinião – “O Rei de Staten Island” de Judd Apatow


 Sinopse

Scott (Pete Davidson) é um caso típico de “síndrome de Peter Pan” desde a morte do seu pai, bombeiro, quando tinha 7 anos. Agora, com 20 e tal anos, e tendo alcançado pouco ou nada, ele tem o, aparentemente inalcançável, sonho de se tornar tatuador. A sua ambiciosa irmã mais nova (Maude Apatow) vai para a Universidade, mas Scott continua a viver com a sua exausta mãe (Marisa Tomei), enfermeira nos Cuidados Intensivos, passando os seus dias a fumar erva, nas ruas com os amigos e em encontros secretos com Kelsey (Bel Powley), sua amiga de infância.

Quando a sua mãe começa a namorar com Ray (Bill Burr), um bombeiro fala-barato, este relacionamento irá desencadear uma cadeia de acontecimentos que forçarão Scott a enfrentar a sua dor e andar para a frente com a vida.

O elenco do filme inclui ainda Steve Buscemi, como Papa, um bombeiro veterano que assume o papel de protetor de Scott, e Pamela Adlon como Gina, a ex-mulher de Ray.

Opinião por Artur Neves

A história deste filme é baseada na vida de Scott Davidson, pai de Pete Davidson, um bombeiro incluído no contingente de combate ao incêndio do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 que faleceu no desempenho da sua função e que é lembrado pela National Fallen Firefighters como um homem corajoso, bom esposo e pai de família. A história contada com humor, desvelo e humanidade por Judd Apatow, realizador americano nascido em Nova Yorque pretende lembrar heróis anónimos que cuidam das nossas vidas. Pete Davidson, o filho, é um homem de temperamento sofrido e dolorosamente adorável que colaborou neste argumento semiautobiográfico em homenagem ao seu pai.

Ele já entrou na idade adulta mas continua meio perdido nos seus pensamentos e nos seus projetos de futuro. Está a meio caminho entre ser tatuador ou outra coisa qualquer que o mundo permita que ele seja. Situação semelhante é a que tem com a sua amiga de infância Kelsey (Bel Powley), com quem mantém uma relação estranha que ele próprio não sabe definir mas prefere que se mantenha assim para não ter de assumir responsabilidades que o seu complexo de “Peter Pan” não lhe recomenda.

Pete tem amigos com quem fuma maconha e faz projetos que não cumprirá porque no fundo ele tem bom íntimo e foi bem educado pela sua família que lhe inculcou os preceitos da ordem e da honestidade que ele segue sempre que pode, isto é, sempre que o medo de ser preso ou de ser admoestado pela mãe fala mais alto do que os desejos desviantes que o consomem.

A sua saúde é fraca e a sua clarividência mental nunca tiveram melhores dias, o que lhe permite aproveitá-las como justificação para a sua inércia e para a sua incapacidade geral. Todos estes problemas se agravam quando a sua mãe Margie Carlin (Marisa Tomei) começa a namorar Ray (Bill Burr) como consequência de um problema que ele próprio gerou na sua ânsia de praticar a profissão de tatuador. Todos os seus amigos já foram tatuados por ele e não estão completamente satisfeitos com os resultados porque ele ainda está em auto aprendizagem e as suas tatuagens apresentam defeitos.

Toda a história é uma sequência de avanços e recuos da vida de Scott Carlin para a qual o ator Pete Davidson foi sem dúvida uma boa escolha com o seu corpo esguio, os olhos esbugalhados e a sua face de espanto nas situações mais vulgares. A história tem um desenvolvimento lento que nos permite interiorizar todo a confusão e sofrimento na mente daquele adulto jovem que não sabe como afirmar-se, criar o seu espaço e crescer.

O filme apresenta-nos assim um relato na primeira pessoa, muito franco e honesto do que pode acontecer à estabilidade de uma família na sequência de uma tragédia. Tem ainda a vantagem de não cair na lamechice, embora conte uma história triste e por vezes deprimente que embora não sendo inédita, está bem contada com um humor triste mergulhado em solidão.

Vale a pena assistir a partir nas salas de Lisboa a partir de 20 de agosto

Classificação: 6,5 numa escala de 10

1 de agosto de 2020

Opinião – “Força da Natureza” de Michael Polish


Sinopse

Quando um furacão de grande magnitude ameaça Porto Rico, um polícia (Emile Hirsch) tentando recuperar de uma tragédia em Nova Iorque, entra em serviço de evacuação com uma nova parceira (Stephanie Cayo).

A dupla chega a um complexo de apartamentos, quando um criminoso chamado John the Baptist (David Zayas) entra numa senda assassina para chegar a um tesouro de arte de valor inestimável. Mas quando um ex-polícia (o vencedor do Óscar, Mel Gibson) e a sua filha (Kate Bosworth) entram relutantemente em cena, a Polícia terá de subir aos andares mais altos para se manter à tona, numa armadilha mortal de cimento. À medida que as águas das cheias sobem, só a ferocidade e o poder de fogo podem domar esta Força da Natureza.

Opinião por Artur Neves

Depois de em 2018 nos ter deliciado com um thriler de mão cheia; “Na sombra da Lei” eis que Mel Gibson nos brinda com este série “B” onde desempenha o personagem de um polícia doente, velho e birrento em busca de um aparelho de hemodiálise que ele se recusa a utilizar no hospital mais próximo.

A sua filha médica Dra. Troy (Kate Bosworth), é quem o assiste em casa, tentando convencê-lo a abandonar o domicílio, decorrente da aproximação de uma tempestade grau 5 que porá em risco a manutenção da alimentação eléctrica ao edifício de apartamento, ou mesmo a toda a cidade de Porto Rico, inviabilizando o tratamento que Ray (Mel Gibson) que recusa a aceitar num hospital.

Todavia, outros condóminos do mesmo edifício igualmente se recusam a abandoná-lo embora por outros motivos, pelo que a dupla de polícias Cardillo (Emile Hirsch), longe dos dias de glória de “O Lado Selvagem” de 2007) e Jess Peña (Stephanie Cayo), uma polícia latina para facilitar a comunicação em espanhol, são encarregues de concluírem a evacuação do edifício.

Não contam é com a ideia peregrina de João Batista (David Zayas) em invadir o mesmo edifício durante o furacão para recuperar uma fortuna em arte na posse de Bergkamp (Jorge Luis Ramos), um ex-oficial alemão pertencente ao exército nazi, refugiado em Porto Rico que guardava aquela fortuna até ela lhe poder ser útil depois de uma transacção que preparava há muitos anos.

É este o argumento de “Força da Natureza” que saiu da pena de Cory Miller, um argumentista com experiência de investigação no departamento de Assuntos Internos da NYPD, cujos casos usados em cinema já nos deram boas histórias, embora a milhas desta, que apesar de tudo provocou algum furor durante as filmagens mas cujo produto final se perfila como um lamentável e confuso flop, com criminosos especialistas em arte e outros personagens com diferentes histórias de bastidores que se tentam colar numa estória coerente.

Para complicar, ainda inclui um animal selvagem, apenas visto de relance num salto, do qual não se conhecem as consequências diretas, apenas se podendo inferir que terá neutralizado João Batista e que este, ou o seu capanga armado, o matou com vários tiros. Contudo também ficamos na ignorância de qual terá sido o destino deste.

Toda a intriga aparece forçada, arrastada, pouco verosímil, nem sequer sugerindo que o realizador Michael Polish estivesse verdadeiramente interessado com o realismo da história, desenvolvida por personagens que não mostram grande talento para o suspense, incluindo Mel Gibson que nos tem apresentado coias muitos boas e muito mazinhas como esta.

É assim um série “B” de acção violenta para desviar a atenção do enredo frágil, que se distingue pela criação de ambientes particulares e especificamente coloridos em cada um dos apartamentos envolvidos, todavia isso é pouco como história e como entretenimento.

Este filme tem estreia prevista para 20 de Agosto nos cinemas NOS.

Classificação: 4 numa escala de 10