14 de novembro de 2019

Opinião – “O Traidor” de Marco Bellocchio


Sinopse

No início dos anos 80, estala entre os chefes da Mafia siciliana uma guerra bem acesa pelo negócio da heroína. Tommaso Buscetta, um homem marcado, foge para o Brasil. Em Itália, as contas vão-se ajustando e Buscetta acompanha à distância o assassinato dos seus filhos e do seu irmão, em Palermo, sabendo que pode ser o próximo. Preso e extraditado para Itália pela polícia brasileira, Buscetta toma uma decisão que alterará tudo para a Mafia: decide encontrar-se com o Juiz Giovanni Falcone e trair o juramento de lealdade eterna que fizera à Cosa Nostra.

Opinião por Artur Neves

Poderemos também chamar a este filme; “O pior de Itália” e Marco Bellocchio, realizador italiano, “fala” muito bem do que sabe apesar dos seus provectos 80 anos. Militante dos ideais de esquerda e autor de muitos filmes, entre os quais destaco “Bom dia, Noite” de 2003, sobre o sequestro em 1978 do político Aldo Moro, visto da perspetiva de um de seus agressores, militante das Brigadas Vermelhas em conflito com a sua doutrina, ou “Vencer” de 2009 sobre a primeira mulher de Mussolini, que este mandou encarcerar num asilo de alienados para viver livremente com a sua amante Ida Dalser, apresenta-nos agora uma incursão sobre o a Itália tem de pior, como seja o interior da organização “Cosa Nostra”, os uomini d’onore, cujas proclamações de honra não são mais do que cortinas de fumo para ocultar os seus verdadeiros desígnios de poder.
Nunca o cinema chegou tão longe com a magistral interpretação de Pierfrancesco Favino no papel de Tommaso Buscetta, o mafioso refugiado no Brasil e posteriormente extraditado para Itália que assumindo o estatuto de arrependido, confessa as ligações e identifica os principais intervenientes da organização em que ocupou lugar de destaque, sempre negado durante os 45 dias de interrogatório com o juiz Giovanni Falcone, com quem vem a contrair laços de respeito, próximos da amizade.
Durante o julgamento podemos apreciar a sagacidade com que os advogados da organização defendem os seus clientes perante um juiz impreparado e desconhecedor do material em apreço, constituindo uma clara denúncia social, através do cinema, da fragilidade do sistema judiciário italiano e das suas leis facilmente ultrapassáveis pelos motivos mais frívolos.
Não obstante, a colaboração de Tommaso Buscetta com a justiça e as suas revelações sobre a organização motivaram a prisão de mais de uma centena de responsáveis, tendo decapitado toda a estrutura de primeiro nível da organização. Todavia o filme não o trata como um herói, mantendo até um afastamento discreto da pessoa, dando relevo às relações com os seus pares e mostrando-os em toda a sua desfaçatez humana. Buscetta é o traidor e como tal é tratado em toda a história que nos mostra desde o mais insignificante dos servidores ao topo da pirâmide, corporizada por Giulio Andreotti, numa cena que evidencia o puro ridículo das instituições oficiais da época.
Decorrente do seu pendor informativo sobre os pormenores da delação de Buscetta e apesar da sua duração de 145 minutos, o filme dá-nos poucas pistas sobre os personagens mais significativos na organização, concentrando-se mais no período pós-máfia e no motivo que lhe pôs fim. Este facto faz com que os agentes do crime sejam vistos como uma multidão desavinda que vilipendia Buscetta na sala do tribunal. São retratados como uma bando de mafiosos barulhentos e desordeiros, banalizando a sua dimensão e as suas responsabilidades nos crimes de que são acusados, pelo lado “folclórico” do crime e das armas com que os cometem e menos no lado psicológico e nos dogmas que subjugam todos os membros da organização.
Deste modo registo uma insuficiência descritiva, que a ser considerada valorizava ainda mais o poder documental deste filme que retrata uma parcela significativa da história do século XX, todavia considero-o importante e recomendo-o vivamente.

Classificação: 8 numa escala de 10

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