5 de maio de 2020

Opinião – “Furie” de Olivier Abbou


Sinopse

Inspirado em factos reais. Durante as férias de verão, Chloé (Stéphane Caillard) e Paul Diallo (Adama Niane) emprestam sua casa à babá de seu filho. Ao voltar da viagem, a família Diallo encontrou a porta fechada: as fechaduras haviam sido trocadas e os ocupantes declararam que estavam em casa. Para Paul, é o começo de uma luta que fará vacilar o seu casamento, os seus valores sociais e a sua humanidade.

Opinião por Artur Neves

Este “Furie”, de origem francesa, foi renomeado para Portugal como o nome; “Ultrage”, para não ser confundido com outro filme com o mesmo nome original e ano de publicação, mas de origem Vietnamita e com um argumento radicalmente diferente, causou-nos verdadeira surpresa pelo seu conteúdo contar uma história desconfortável para os padrões sociais europeus, sobretudo por anunciar que se baseia em factos reais, embora omita completamente a origem da sua fonte inspiradora.
Olivier Abbou é um realizador francês de 47 anos, nascido em Colmar no Alto Reno mas de origens familiares argelinas, o que penso, justificará em parte a devastadora violência gratuita incluída no filme sobre um ato que começa por se apresentar como justicialista mas que o filme deixa descambar para violência puramente gratuita. Já em 2011 ele realizou “Territoires” um filme que aborda os direitos humanos através de grande violência.
A história centra-se em torno do regresso de férias de um casal que terá emprestado a sua casa durante esse período à família da cuidadora do seu filho em idade escolar e que agora se recusa a devolver-lhe o domicílio, tendo mudado as fechaduras e assumindo os contratos de água e eletricidade que ela tinha e ao abrigo da lei francesa essa tomada de posse é suficiente para os direitos de possessão. Não tenho suficientes conhecimentos da lei francesa para ajuizar da veracidade deste ato, mas é por este caminho que a história nos conduz e com outro desenvolvimento do argumento o filme não perderia qualidade mesmo tratando-se de uma ficção.
Pela leitura da sinopse e do visionamento do trailer, o filme prometia uma história sombria, de contornos insidiosos que provocariam o eventual recurso à violência pontual em face de uma tão rotunda injustiça e perplexidade, considerando que a cedência teria sido a título gracioso e por simpatia e generosidade com os serviços anteriormente prestados.
A solução começa por ser a comunicação à polícia, a contratação de uma advogada e o seguimento dos trâmites legais para a denúncia daquela ocupação selvagem. Só que Olivier Abbou utiliza o caso para questionar a masculinidade de Paul Diallo (e a masculinidade em termos gerais no século XXI) incentivando-o ao ataque pessoal para afirmar os seus direitos, através de um contacto com Mickey (Paul Hamy) o porteiro do parque de campismo a que ele recorreu para estacionar a caravana que lhe serviu de habitação durante as férias e iria continuar a servir, decorrente da presente situação.
Mickey, um antigo colega de escola secundária da sua esposa Chloe, é um homem truculento, brigão por natureza, incluído num grupo de capangas semelhantes e detentores da mesma índole que imediatamente tentam absorver Paul (professor de História como profissão) para o seu meio e para as suas atividades muito próximas do ilegal. Paul deixa-se manipular pelo grupo e assume um papel de criança sofrida, umas vezes amuada outras zangada, deixando-se embarcar numa ação com pouco de viril e muito de idiota. Em toda a cena Chloe desempenha um personagem mais responsável e corajoso a enfrentar os problemas emergentes da situação, não só no presente como na evocação do passado com Mickey.
Quando o grupo passa ao ataque começa a descalabro do filme com violência gratuita que se aproxima do insuportável através da exibição da mais absoluta falta de humanidade à semelhança do que já tinha sido apresentado em “Territoires”. Parece que o argumento e o caso em apreço foram filmados para serem usados como pretexto para justificarem um final violento que exibisse a crueza humana sem pingo de humanidade, bestialidade pura.
Tudo se passa como se os valores humanos não existissem, nem polícia, nem justiça, nem estado, tendo sido deixados sós e abandonados aos elementos da selvajaria humana e que termina num final que se fica por isso mesmo, sem quaisquer consequências nem epílogo conciliador com o estatuto social existente.
Estreou no dia 1 de Maio na Netflix e podia ser melhor com o ambiente opressivo, angustiante e de injustiça que o argumento cria, mas fica-se somente pela violência.

Classificação: 4 numa escala de 10

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