2 de maio de 2021

Opinião – “Undine” de Christian Petzold

Sinopse

Undine é uma historiadora de arte que dá conferências sobre o desenvolvimento urbano da cidade de Berlim. Certo dia, apaixona-se por Johannes, com quem inicia um relacionamento amoroso. Quando ele a troca por outra mulher, Undine vê-se tomada por um desejo incontrolável de o matar.

Opinião por Artur Neves

Christian Petzold, realizador alemão de créditos firmados na arte cinematográfica habituou-nos à demonstração de personagens fortes, bem caracterizados e bem definidos, tais como em “Barbara” de 2012, a história de um casal com ideias bem definidas entre si, ou "Phoenix" de 2014, ou ainda, "Em Trânsito" de 2018, onde contracena com o mesmo par romântico deste seu filme mais recente, em histórias centradas no real, aparece-nos agora misturando amor e fantasia recriando a figura mitológica de Ondine uma ninfa habitante dos mares que somente se concretiza através do amor fiel, punindo-o com a morte desde que conheça uma infidelidade da parte deste.

Aliás, “Ondinas” (ou Undine na versão original da mitologia clássica) são entidades descritas com características femininas, associadas à água, mencionadas por Paracelso, encontradas na literatura clássica, particularmente em “Metamorfoses de Ovídeo” que modernamente foram utilizadas na literatura e no cinema como em “A Pequena Sereia”, que sem possuírem alma ou forma humana, podem adquiri-la pela sua proximidade com os humanos a quem se dedicam para toda a eternidade até serem alvo de uma rejeição por parte destes.

É neste particular que entra a história contada em “Undine” e que se estranha ter origem em Christian Petzold, considerando o seu sóbrio pragmatismo nos trabalhos anteriormente referidos, até porque, morrer de amor já não se usa e matar por despeito de ser deixada pode não ser a forma mais fácil de acabar com uma relação esgotada.

O filme começa precisamente pela declaração de uma personagem feminina, forte e determinada, Undine (Paula Beer) declarando ao seu atual companheiro, Johannes (Jacob Matschenz) a necessidade imperiosa de o matar se ele deixar de amá-la ou a trocar por outra, coisa que ela já suspeita considerando as dúvidas demonstradas na conversa com ele, á mesa da esplanada situada em frente do Departamento de Desenvolvimento Urbanístico de Berlim onde ela trabalha como historiadora e palestrante sobre a evolução arquitetónica da cidade, antes e depois da queda do muro que dividiu a cidade sob a gestão dos dois regimes políticos diferentes que a governaram no pós 2ª guerra mundial.

A declaração fria e definitiva da sua intenção de matar inspira-se no mito de Ondina, como uma espécie de vertigem feminina de uma mulher fria, mas também capaz de se entregar sem limites numa relação impolutamente recíproca. Aqui não quero deixar de referir a interpretação convincente e perfeita de Paula Beer, como sendo o melhor registo que o filme nos oferece.

A história desenvolve-se pela falência do atual romance e pela transferência do amor para Christoph (Franz Rogowski) num encontro fortuito que resulta em espetacular acidente, onde se evidenciam as caraterística e o ritual do amor à primeira vista. O elemento marcante do acidente fica corporizado num boneco de porcelana que representa um mergulhador de escafandro que se vai revelando ter poderes sobrenaturais (tal como em “A Forma da Água” de 2017 mas não tão exuberante) que poderá simbolizar metaforicamente a premonição da sua relação com Christoph, considerando que este é soldador profissional em trabalhos realizados em ambiente submerso.

É aqui que se desconhece Petzold porque no seguimento o filme assume duas linguagens e dois planos diferentes entrando progressivamente no domínio do presságio e do sonho, misturando repetidamente o real com o pesadelo e com o fantasmagórico que se apresenta a Christoph como inevitável e potencialmente mortal. A narrativa prossegue entre o mítico e o real, numa luta simbólica entre o transcendente e o real onde parece que Petzold não teve fôlego para descodificar entre o amor generoso e o amor obsessivo mantendo ambos os sentimentos na dualidade incerta das suas verdadeiras dimensões.

Para lá da vertente do amor mitológico o filme também se detém no desenvolvimento arquitetónico de Berlim, focando-se particularmente no Forum Humboldt que foi reconstruído neste século à semelhança do que era antes de ser demolido, mas que, para quem não conhecer a problemática subjacente ao processo, conduz-nos à perplexidade e confusão sobre o que Petzold pretende ao seguir por aquele caminho, guiado por um amor de contornos transcendente que nos faz pensar que o realizador não soube objetivar a narrativa em que se meteu.

Não posso dizer todavia que seja um filme desinteressante, mas antes, diferente do que Petzold nos habituou, fazendo-nos pensar que, a ambição de querer construir um mistério de amor assente numa tese de história da cidade de Berlim pautada pelo amor á cidade, tenha confundido ambos os objetivos prejudicando-os reciprocamente.

Em exibição nas salas de cinema

Classificação: 5 numa escala de 10

 

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