10 de dezembro de 2020

Opinião – “TENET” de Christopher Nolan

Sinopse

John David Washington (filho de Dezel Washington) é o novo protagonista no filme de ação e sci-fi de Christopher Nolan. Armado apenas com uma palavra – Tenet – e lutando pela sobrevivência do planeta, o protagonista viaja pelo mundo nebuloso da espionagem internacional numa missão que irá desvendar algo além do tempo real. Não se trata de uma viagem no tempo. Mas sim, uma inversão do tempo.

Opinião por Artur Neves

Muito se tem falado sobre a ininteligibilidade deste filme que reúne os mais fervorosos adeptos dos efeitos especiais e os mais acérrimos detratores sobre uma história de ficção científica (segundo a classificação oficial) que exige para a sua compreensão o conhecimento mais ou menos seguro de uma grandeza física, a Entropia, que apesar de ser um conceito usado no léxico comum não é integralmente conhecido por quem o usa e por quem o ouve. Na Internet também pululam muitas interpretações deste filme, algumas das quais tentando explicar cena a cena mas que falham nos seus objetivos, considerando que apenas descrevem o que se vê na tela, mas não transmitem o conhecimento de base para entender essa descrição. É essa tarefa que eu me proponho tentar nesta crónica, antes de falar sobre o filme em si mesmo.

Em jeito de postulado e como definição, digo que; Entropia é uma grandeza termodinâmica que mede o grau de liberdade molecular dum sistema. Antes de avançar quero também deixar claro que neste contexto; sistema é todo o corpo completo e inteiro que por si só constitua uma identidade molecular formada por moléculas e estas por átomos, como aliás acontece com toda a matéria sólida, líquida ou gasosa do planeta, independentemente de ser um elemento puro ou um composto.

Para ilustrar esta definição sugiro que se considerarmos um cubo de gelo, onde as moléculas da água que o constituem estão “presas” numa determinada forma física, elas vão ganhando “liberdade” à medida que o gelo se derrete, se estiver à temperatura ambiente. A grandeza física que mede o acréscimo de liberdade dessas moléculas com o degelo é a Entropia. Observando que o evento que provocou a transformação em água líquida do cubo de gelo, foi a subida de temperatura do ambiente, relativamente à temperatura inicial do cubo de gelo podemos inferir que esta grandeza mede-se em unidades de energia (calor) e de temperatura. Na realidade a Entropia mede-se em [J/ºK] [Joules (energia)/grau Kelvin]. Se continuarmos a aquecer a água que resultou do degelo ela transforma-se em vapor, logo conferindo uma liberdade ainda maior às moléculas “aprisionadas” no cubo de gelo e contendo um valor ainda maior de Entropia do que a que possuía quando se encontrava no estado de água líquida.

Esta noção de Entropia na forma restrita, pode agora ser generalizada para um conceito mais lato de desorganização total, de caos. Repare-se que as moléculas de água “aprisionadas” no cubo de gelo, quando transformadas em vapor, misturam-se na atmosfera e sem uma ação externa definida, nunca mais poderão voltar à forma original do cubo de gelo inicialmente considerado, É a utilização do conceito generalizado de Entropia que está na base deste filme e que pode ser complementado com o exemplo a seguir apresentado.

Consideremos agora a porta principal de um centro comercial, durante a quadra natalícia (sem o risco da pandemia) em que milhares de pessoas se dirigem para o seu interior no dia da Black Friday. Na entrada foram depositados no chão, três pequenos montículos de areia com cores diferentes; azul, vermelho e amarelo, um em cada vértice de um pequeno triângulo equilátero, que constitui o nosso sistema. Como estão no solo, são pequenos e estão longe das preocupações da generalidade das pessoas que atravessam a entrada do centro comercial é fácil aceitar que não os vejam e que dentro de poucos minutos as areias coloridas ficam misturadas entre si. A contínua passagem de pessoas pela entrada só vai contribuindo para a progressiva destruição dos montículos, mistura de cores e dispersão das próprias areias que se espalharão por todo o passeio da entrada, introduzindo assim a desagregação do nosso sistema inicial e conduzindo-o à total desorganização que culmina no caos. Embora sem calor nem temperatura é apetecível aceitar que a Entropia também avalia a degradação deste sistema e nos indica o estado de caos em que ele se encontra. Generalizando ainda mais esta noção podemos observar que tudo no nosso universo possui este comportamento embora com caraterísticas próprias do assunto ou material com que estamos a lidar. Tudo o que existe no universo tem tendência para a desorganização, pelo que podemos postular; O Universo é um sistema de Entropia crescente.

Como vimos a degradação dos nossos sistemas, qualquer deles, o cubo de gelo ou os montículos de areia colorida foi conduzida segundo uma direção do tempo, de mais cedo para mais tarde, segundo a direção do tempo que nos é familiar, de antes para depois, do presente para o futuro, que se torna presente no tempo em que o observamos e fica a ser passado quando esperamos um novo futuro. É neste intervalo específico que se insere o substrato teórico que justifica e torna compreensível; TENET.

Aceitando pelo segundo exemplo, que o contínuo crescimento da Entropia se verifica no sentido da evolução do tempo é fácil concluir que o decréscimo da Entropia só é possível na inversão do sentido do tempo, como aliás está referido na sinopse, só que, sem qualquer explicação associada.

Voltando agora ao filme começo por dizer que TENET é um palíndromo, uma palavra que se lê da esquerda para a direita e inversamente, da mesma maneira, que pertence a uma estrutura composta por mais quatro palavras que são: SATOR, AREPO, OPERA e ROTAS. Compondo estas cinco palavras numa estrutura quadrada denominada por “Quadrado Sator” temos um “quadrado mágico” que é visível em múltiplos achados arqueológicos encontrados em diversas partes da Europa em diferentes épocas e que até agora não foi possível estabelecer um significado concreto que justificasse a sua origem ou a sua razão de ser. (para os mais curiosos outras informações estão disponíveis na Wikipédia)

Porém, a sua utilização neste filme pretende conferir-lhe uma conotação cabalística, considerando que SATOR é o nome do arquivilão da história, o primeiro movimento do filme decorre num assalto à OPERA de Kiev por um grupo de terroristas, AREPO é o nome do falsificador do Goya oferecido à ex-mulher de Sator, Kat (a belíssima Elizabeth Debicki) ROTAS Security é, no filme, a empresa de segurança do aeroporto de Oslo e TENET corporiza uma organização secreta empenhada em defender a humanidade da 3ª guerra mundial.

Esta organização secreta, depois de colocar o protagonista à prova, (sem nome atribuído ao personagem interpretado por David Washington) deposita nele a responsabilidade de impedir o holocausto através da investigação e detenção do oligarca Russo Andrei Sator (Kenneth Branagh) que detém o poder de inverter a entropia (e por correlação, o tempo), de determinados objetos como balas, pessoas e outros artefactos de guerra e implantá-los no passado para alterarem o futuro. Neste ponto deveremos atender ao conceito anterior de Entropia em que, se uma pessoa ou objeto com “tempo invertido” for colocada no passado, com o decorrer normal do tempo, para ele, o tempo anda ao contrário. Tudo isto para fazer gorar as tentativas de destruição do algoritmo que Sator está a construir para provocar o colapso do universo através dum mecanismo de homem morto, (dead man device) quando o cancro no pâncreas de que sofre o vitimar.

Resumido assim, o filme apresenta-se como o absurdo que realmente é, porque a inversão da Entropia é ainda uma impossibilidade física e Christopher Nolan inebriado com o sucesso das suas anteriores realizações, tais como; “Memento” de 2000 que o catapultou para a notoriedade e a sequência do agonizante Batman encomendado pela Warner em 2005, 2008 e 2012, com esse excelente filme “O Cavaleiro das Trevas” (onde o saudoso Heath Ledger criou um inesquecível Joker) atingiu um enorme sucesso de bilheteira que lhe deu fôlego para os subsequentes voos em “Interstellar” de 2014, “Dunquerque” em 2017 e agora este TENET, mas numa trajetória claramente descendente no aspeto da rebuscada temática que suporta a história.

Todavia, o filme está seguramente ao nível dos melhores “James Bond 007” (008 ou 006) tal são as contínuas cenas de ação e de efeitos especiais donde sobressai uma perseguição automóvel em que um dos carros está num tempo invertido e o outro no tempo real, encontrando-se ambos num intervalo desses tempos cruzados numa visão complexa do conjunto espaço e tempo.

É mais um filme pensado para ser visto num ecrã de grandes dimensões como o IMAX, com som Dolby Atmos de 16 canais para nos deixarmos envolver por um produto que para lá da sua vertente científica escatológica tem o objetivo de nos encantar e divertir com uma impensável história de espionagem internacional, que se bem entendo Nolan, não vai ficar por aqui, seguindo-se as inevitáveis sequelas, porque a inversão do tempo não se esgota em si mesma. Goste-se ou não, é uma superprodução que no futuro vai caracterizar uma época e como tal merece ser visto.

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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