11 de dezembro de 2020

Opinião – “Primeiro Amor” de Takashi Miike

Sinopse

Durante uma noite em Tóquio, seguimos Leo, um jovem pugilista cuja sorte acabou, e que conhece o seu "primeiro amor", Mónica, uma acompanhante toxicodependente, mas ainda assim inocente. Mal sabe Leo, mas Mónica foi involuntariamente apanhada num esquema de tráfico de droga, e os dois vêm-se perseguidos por um polícia corrupto, um Yakuza, o seu Némesis, e uma assassina enviada pelas tríades chinesas. Os destinos de todos acabam por se interligar no estilo espetacular e anárquico de Miike.

Opinião por Artur Neves

Cada povo faz cinema de acordo com a sua cultura, escolhe os modos que julga mais apropriados para contar uma história, refletindo sempre nela as suas crenças, os seus hábitos generalizados de viver e de estar em sociedade, sejam histórias de amor ou de guerra. Veja-se por exemplo o oscarizado “Parasita” de 2019, passado numa família classe média alta, inclui todo o grotesco e surpreendente conteúdo de velhacaria e pobreza de espírito da classe baixa que se imiscui na casa da família, com permissão e anuência desta.

Do mesmo modo Takashi Miike, um respeitável realizador japonês de 60 anos feitos em Agosto passado, com uma experiência de carreira iniciada em 1991, apresenta-nos uma história de amor, de genuíno e inocente amor, contaminado por um ambiente insano, violento, esdrúxulo, onde nesta história, para abertura de conversa temos uma decapitação absurda após dois minutos de filme, que nos introduz no contexto de violência anárquica e sangrenta que se seguirá por toda a história que a sinopse se encarregou de resumir.

É mais um filme sem heróis em que os melhores se confundem com os piores, onde apenas se salvam os dois apaixonados acidentais que cimentam a sua relação em tempo de guerra, no meio de uma batalha entre as tríades da droga clandestina e a polícia corrupta, sempre pronta a suportar a ilegalidade quando isso lhe pode trazer benefícios monetários.

É uma história que reporta relações sem comprometimento, negócios sem ética, desprezo pelo próximo e muita, muita violência em todas as cenas, onde sobressai uma flor de estrumeira representada pelo amor de Leo (Masataka Kubota) pugilista revoltado pelo abandono dos pais que não conhece, com morte programada, acidentalmente apaixonado por Mónica (Sakurako Konishi) uma jovem viciada, com a cabeça transtornada pelas traumáticas visões do seu pai que a violava em casa e a entregou aos credores para trabalho sexual como pagamento das suas dívidas de jogo.

Como se pode inferir é tudo feio, desprezível e sangrento, salva-se a tenacidade de Leo que quer singrar de forma limpa através do pugilismo e do amor que despertou entre ele e Mónica, da forma mais estranha e perigosa, durante uma fuga que os leva a um armazém apinhado de produtos chineses que servirá de palco para o ponto alto do filme com elevado rácio de decapitações, cortes de membros e mortes sangrentas, decorrente da luta pela droga entre os membros da Yakuza e os seus rivais chineses.

O casal Leo e Mónica, embora estranho, mantém a emoção e a esperança suficientes para fazerem a história funcionar, exibindo uma entreajuda e uma doçura genuínas no meio do caos que nos é mostrado todo o tempo, querendo talvez dizer-nos que a violência de Miike é inventada e não impede que a vida normal flua ao som das cordas do violão de Kôji Endô e dos solos de saxofone que sublinham o humor dos personagens.

A espaços encontramo-nos com a placidez do amor, a vontade de viver e a brutalidade da morte e podemos imaginar que Takashi Miike está se divertindo enquanto nos faz contorcer com lutas escabrosas, introduz comédia que nos faz sorrir e lentamente vai puxando as cordas do coração numa melodia de amor a que nos agarramos para que tudo aquilo faça sentido.

É estranho… por isso mesmo merece ser visto, estreia em 17 de Dezembro

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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