21 de outubro de 2020

Opinião – “Notre Dame de Paris” de Valérie Donzelli

Sinopse

Maud Crayon, uma arquitecta falhada e mãe solteira, com um ex-marido fraco e ainda demasiado presente na sua vida, sonha com um milagre que mude esta realidade. E é então que ganha o concurso para a renovação do adro da catedral de Notre Dame de Paris.E reencontra o charmoso ex-namorado, Bacchus. Terá que revelar os seus sentimentos a ambos os ex-companheiros para poder viver feliz para sempre.

Opinião por Artur Neves

Como sempre o cinema francês apresenta-se bem posicionado na análise social e traz-nos aqui uma história que só peca por introduzir fantasia a mais, num enredo que poderia ser mais escorreito e credível sem ela, considerando que as cenas fantásticas só desviam o espectador do tema principal que se reporta ao amor vivido em relação aberta.

Maud Crayon (Valérie Donzelli) é uma arquiteta (falhada só mesmo na opinião da sinopse), mãe lutadora para providenciar a casa e a educação dos seus filhos, divorciada de coração mole, que ainda atura o pária do seu ex-marido Martial (Thomas Scimeca) que tudo faz para continuar a viver à sua custa nos intervalos em que a sua amante o expulsa de casa. Ele, sem lugar onda cair morto, recorre à piedade de Maud para dormir na casa dela, com ela na cama (porque Martial, dorme mal no sofá) fazer sexo ocasional e consentido com ela, ao ponto de a engravidar na fase mais importante da sua vida profissional.

No atelier onde trabalha recebe a informação que o projeto que lhe está entregue foi descontinuado e o oportunista do patrão quase a despede. Constrangida com a situação mas apegada à sua obra, leva para casa a maquete do seu trabalho. Simultaneamente está a decorrer um concurso para o desenvolvimento arquitetónico da praça fronteiriça à catedral de Notre Dame que interessa a todos os arquitetos, ela incluída, mas ao qual não concorre por absoluta falta de tempo com todos os outros afazeres a seu cargo.

Valérie Donzelli, a realizadora francesa e protagonista, poderia ter utilizado múltiplos expedientes no enredo, para incluir no concurso da catedral de Notre Dame a maquete feita para o anterior projeto por Maud Crayon, mas escolheu (vá lá saber-se porquê) uma fantasista viagem da maqueta levada pelo vento e depositada docemente no local de recolha das propostas concorrentes. Quando o concurso foi apreciado, foi precisamente o projeto de Maud que foi escolhido, como aliás já todos estava-mos à espera. O público sabe que está em presença de uma ficção, não é necessário atirar-lhe também com uma fantasia (bem como com outras que se seguem mais à frente) que só desqualificam as piadas subtis e as críticas sociais incluídas na história que até aqui, se apresentava dentro de padrões regulares.

Na sequência da sua vitória ela encontra Bacchus Renard (Pierre Deladonchamps) jornalista de profissão, destacado para cobrir a cerimónia da entrega do projeto, por quem Maud nutria uma carinho especial por ter sido o seu primeiro amor dos tempos de escola e correspondido por este, sem que alguma vez tivessem declarado as suas mútuas inclinações. A partir daqui o triângulo de Maud fica completo com o amor de sempre e o pesadelo atual do seu ex-marido que ela não consegue largar por ser o pai dos seus filhos e lhe ter feito outro que já vem a caminho no interior do seu ventre.

Em sequência a história desenvolve-se no dilema do amor dual, ou outro sentimento que se lhe queiram chamar, gerando situações confusas em que esta dualidade se apresenta com avanços e recuos, mas onde a problemática das relações abertas fica bem exposta à consideração dos espectadores. A concretização material do projeto da praça também conduz a cenas divertidas, com piadas de cariz sexual que nos fazem sorrir.

Valérie Donzelli não defende a bigamia, nada na história a isso nos conduz, mas ao promover o amor platónico com Bacchus e uma piedosa complacência na coabitação com Martial, parece querer abraçar dois mundos incompatíveis e impróprios, não somente pela substancia das relações em si mesmas, como pelo modo de utilização da fantasia para abordar ambos os temas retirando-lhe profundidade e seriedade na análise duma situação invulgar mas hipoteticamente possível. Adicionalmente a realizadora introduz ainda elementos periféricos à história desgarrados do tema fulcral, bem como, a propensão de todos namorarem com todos tornando o argumento disperso e multivariado.

No final, Maud transporta Bacchus na sua bicicleta voadora sobre a catedral, fazendo lembrar o regresso de ET ao seu planeta distante, mas isso foi em 1982 e noutro contexto muito diferente. Este filme estreou no Festival de Locarno e vai estrear nas nossas salas em 29 de Outubro. Tem boas piadas e uma mensagem subtil, para a qual vai a classificação a seguir.

Classificação: 5 numa escala de 10

 

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