6 de outubro de 2020

Opinião – “Miss” de Ruben Alves


 

Sinopse

Alex (Alexandre Wetter), um menino delicado de 9 anos, que não sabe ainda bem se se sente menino ou menina, tem um sonho: ser um dia eleito Miss França. Quinze anos depois, Alex perdeu os pais e a autoconfiança e sente-se estagnado numa vida monótona. Um encontro imprevisto vem despertar esse sonho esquecido. Alex então decide concorrer ao título de Miss França, escondendo a sua identidade masculina. Beleza, excelência, camaradagem... Ao longo das etapas de um concurso implacável, ajudado pela sua pitoresca família que muito o apoia, Alex parte à conquista do título, da sua feminilidade e, acima de tudo, de si mesmo.

Opinião por Artur Neves

Tendo constituído em antestreia a abertura da 21ª edição do Festival do Cinema Francês que se realiza em cinemas de várias cidades do país durante o mês de Outubro, este filme foi inspirado na história verídica do seu ator principal, Alexandre Wetter que tal como descrito na sinopse, foi um menino que aos 9 anos manifestou o desejo de um dia ser eleito Miss França.

Na realidade o ator Alexandre Wetter que na sua profissão é também modelo, tanto passa com igual desenvoltura roupa feminina como masculina, tem uma aparência andrógena, imberbe, modos delicados e serviu na perfeição os objetivos de Ruben Alves, o realizador luso descendente de “A Gaiola Dourada” de 2013, para abordar duma maneira séria, embora com diversos elementos de comédia bem incluídos, o tema da identidade de género e a perseguição discriminadora da sociedade aos comportamentos humanos que se afastam da normalidade instituída.

Aliás, a ideia não é inédita, considerando que em fevereiro de 2018, Ilay Dyagilev, um modelo masculino do Cazaquistão ganhou o prémio; “Miss Virtual de Shymkent” por ter chegado à final de um concurso de beleza online, tendo-se feito passar por “Arina” e obtido mais de dois mil votos nas redes sociais onde publicou o seu “boneco”.

Por outro lado, constitui ainda uma apreciação crítica mordaz aos concursos de beleza tradicionais vistos do seu interior, aos milhões que esses eventos movem, enunciando sempre bons propósitos e defendendo boas causas humanitárias, ambientalistas, defensoras dos animais, à custa da exposição do corpo da mulher em sensualidade e potencial sexual da sua figura em múltiplas posições sempre associadas a marcas comerciais. Mostra-se também que muitas das concorrentes pensam que a aparência física é a coisa mais importante, tal como lhes é instilado durante a preparação para a final do concurso, embora a diretora do evento seja levada a concluir; “à força de nos preocuparmos tanto com o visual exterior esquecemo-nos do conteúdo humano”.

Alex vive entregue a si próprio em casas acolhimento, depois da morte dos pais num desastre de viação e hoje, com 24 anos, questiona-se sobre a sua verdadeira tendência de género. Faz biscates em vários locais, cuida de um clube de pugilistas de bairro e vive num quarto alugado já com alguns meses em atraso. A dona da pensão aloja no seu espaço outros hóspedes com dificuldades de dinheiro mas que partilham a renda com ele. Essa perda de privacidade fá-lo abrir-se à comunidade que o cerca, constituindo a sua atual família e ajudando-o a definir-se como pessoa num convívio truculento, diversificado em opções, mas humano e carente de atenção e afeto tal como ele.

Abordado com a dignidade que o tema merece, Ruben Alves apresenta-nos uma história cheia de realidade, sonhos perdidos e comédia que se vê com agrado, prevendo-se a sua estreia em sala para 5 de Novembro. Recomendo.

Classificação: 7 numa escala de 10

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