8 de outubro de 2020

Opinião – “Listen” de Ana Rocha de Sousa


Sinopse

O filme conta uma história de ficção sobre o drama de uma família portuguesa emigrada no Reino Unido, em dificuldades e com trabalhos precários, que tenta recuperar a guarda dos filhos, que lhe foram injustamente retirados pelos serviços sociais ingleses por suspeitas de maus-tratos.

Opinião por Artur Neves

“Listen” que em tradução livre se pode assumir como; “Escute” é a primeira longa-metragem da atriz e agora também realizadora portuguesa Ana Rocha de Sousa que foi distinguida no Festival de Cinema de Veneza, em Itália com os prémios; “Leão de Futuro” para primeiras obras e o prémio especial “Horizontes” atribuído pelo júri. A sua estreia nas salas portuguesas está prevista para o próximo dia 22 de Outubro.

Além das nomeações mencionadas o filme recebeu também outros prémios paralelos, tais como; “Sorriso Diverso Venezia”, pela sua abordagem a questões sociais e o prémio “Bisato d’Oro de Melhor Realização”

Devo dizer ainda que embora classificando o cinema português como generalizadamente medíocre e provinciano, senti-me agradavelmente surpreendido (pela 2ª vez, registe-se, a primeira, foi com o também recente filme “O Ano da Morte de Ricardo Reis”) com a qualidade e dimensão humana desta história, na linha do argumento de Ken Loach, no seu “Eu, Daniel Blake” de 2016, mas com um “sabor” português, amistoso e envolvente, muito diferente da frieza crua e por vezes impessoal, do realizador britânico.

A história assenta numa alteração das leis britânicas em 2014, relativamente à criação de instituições particulares de solidariedade social (algo semelhante às nossas IPSS) a quem foi atribuída a incumbência da proteção de menores encontrados em situações de pobreza extrema e de maus tratos, com vista à sua adoção por famílias de acolhimento. O problema reside em que essas instituições assumem os custos da educação dos menores até à maioridade, através da participação financeira do estado Inglês, ficando eles a gerir as despesas e constituindo-se como empresas de adoção, criando condições em que o “superior interesse da criança” é o menos defendido e o mais afetado.

Esta atitude apresenta-se com mais premência aos emigrantes, decorrente da sua situação de inferioridade no desconhecimento da língua e das leis vigentes no sistema social do Reino Unido, também ele com múltiplas fragilidades. O filme acompanha assim o drama de uma família portuguesa emigrada, a quem estas empresas, mandatadas pelos serviços sociais e com cobertura legal, lhe retiram os três filhos menores por alegadas suspeitas de maus tratos.

O que se segue é a tentava de corte dos laços familiares, com visitas curtas e fortemente vigiadas entre os pais e os filhos em processo de adoção forçada, reconhecida pela lei, onde discricionariamente se impõem regras impossíveis de cumprir mas que dão origem à interrupção compulsiva das visitas, acusações de maus tratos não fundamentadas, bem como uma série de barreiras que apenas servem para cortar os laços dos filhos cativos, aos seus progenitores. A esperança assenta numa organização clandestina encabeçada por Ann Payne (Sophia Myles) que promove a justiça nos casos atendíveis.

A família é composta por Bela (Lúcia Moniz) que defende muito bem o seu personagem, apresentando uma mãe visivelmente angustiada e perturbada com o destino dos seus filhos, o pai, Jota (Ruben Garcia) com um emprego precário e um verdadeiro estilo latino naquela situação, e os filhos, dos quais destaco Lu (Maisie Sly) uma criança surda muda de ar angelical que cumpre com segurança o seu personagem.

A representação é adulta, convincente, sem hesitações nem falhas que lhe tirem credibilidade antecipando outros voos se forem concedidas “asas” a esta promissora atriz que deixa aqui uma consistente prova das suas competências de realização. A história não é lamecha, contemplativa ou fatalista, como é apanágio de muitas das nossas realizações e em todo o tempo não deixa questões em aberto que não sejam respondidas. É cinema realista do melhor, gostei e recomendo sem reserva.

Classificação: 8,5 numa escala de 10

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