13 de junho de 2020

Opinião – “Os Tradutores” de Regis Roinsard


Sinopse

Nove tradutores foram escolhidos por uma editora implacável e trancados em um bunker luxuoso para traduzir o livro altamente antecipado, de um autor famoso, em tempo recorde. Embora os tradutores estejam confinados e vigiados à vista para evitar qualquer tipo de fuga de informação por causa dos grandes riscos financeiros, uma crise irrompe quando alguém publica na internet as primeiras dez páginas do romance e chantageia a editora a pagar 5 milhões de euros.

Opinião por Artur Neves

No retorno possível e tímido às salas de cinema com todas as reservas impostas pela pandemia eis que temos este “Os Tradutores” estreado ontem, 12 de Junho, nos cinemas City, pela mão da distribuidora Cinemundo, no género thriller, bem ao jeito do cinema Hitchcockiano (se é que o conceito existe) por nos mergulhar num enigma aparentemente impossível de acontecer, considerando as condições reservadas aos tradutores que foram selecionados para fazer a tradução em várias línguas de “Dédalus” o ultimo volume de uma trilogia escrita por um autor francês que se remete ao mais completo secretismo da sua personalidade, publicitando somente o seu nome.

Deixo aqui uma nota especial para a atris portuguesa Maria Leite, que desempenha o papel da personagem escolhida para a tradutora de português. Não comento as caraterísticas da personagem em si, determinadas pelo argumento da história, acrescentando somente tratar-se de um personagem new wave não muito comum na sociedade portuguesa, particularmente neste ramo de negócio. Penso tratar-se do reflexo como os outros vêm a nossa cultura e o nosso povo. Do ponto de vista da representação, o personagem está muito bem conseguido e Maria Leite, que pertence ao quadro fixo de atores do Teatro Nacional São João no Porto, não ficou diminuída na confrontação com alguns consagrados.

Regis Roinsard o realizador francês responsável pelo projeto apresenta como antecedente “A Datilografa” de 2012, uma comédia romântica na área do trabalho de escritório em 1958, com todos os maneirismos e convenções da época, que não serve de indicativo para este filme que documenta a loucura do estado de desvario e obsessão com o roubo de direitos da indústria editorial, que se por um lado beneficiou com a desenvolvimento tecnológico, por outro, sofre horrores com a cópia pirata e com os royalties perdidos.

Nesta história cria-se o suspense pela forma como os acontecimentos que foram antecipadamente previstos e acautelados, ocorrem de surpresa, ainda com o processo de tradução a decorrer e com a revelação das dez primeiras folhas serem divulgadas na internet. Decorrente dessa ameaça todo o ambiente de rotina maçadora inerente ao trabalho de tradução é alterado e todos os eleitos passam a ser suspeitos da fraude, seguindo-se pela tentativa de descoberta do responsável.

Isso implica uma sequência agitada de denúncia, acusação, defesa e meios de segurança que nos parecem forçados para o tema abordado. A literatura nunca despertou emoção ou twists muito movimentados na sua confeção, pelo que apesar de toda a agitação, falta em adrenalina o que excede em complicação e formalismo, muito embora enfatize que apesar da implícita rotina do trabalho de tradução, escrever é um ato solitário em que se tenta condensar toda a criatividade na capa ou na imagem que representa a história.

O verdadeiro criador pode usar técnicas modernas que todavia não interferem com o ato de criação á moda antiga, por vocação, dedicação, sem olhar ao tempo dedicado á criação ou aos proveitos dela obtidos que tem como exemplo máximo Marcel Proust e o seu extenso “Em busca do Tempo Perdido” citado no filme pelo editor. O suporte em papel está na genética do livro. O suporte eletrónico, embora moderno e atual, propicia o roubo e a falsidade e no mundo atual em que o que existe tem de dar lucro para permitir ser continuado, a história de Regis Roinsard bem pode ficar por aqui, pois esgota-se no fogo que a consome e aos livros.

É daqueles filmes que nos prendem enquanto duram, mas no retorno ao grande ecrã e com uma história intrincada de crime e fuga só pode ser recomendável.

Classificação: 6 numa escala de 10

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