21 de abril de 2020

Opinião – “Sergio” de Greg Barker


Sinopse

Carismático e complexo, Sergio Vieira de Mello (Wagner Moura) passou a maior parte de sua carreira como um diplomata da ONU trabalhando nas regiões mais instáveis do mundo, alcançando habilmente acordos com presidentes, revolucionários e criminosos de guerra para proteger as vidas de pessoas comuns. Mas, assim como se prepara para uma vida mais simples com a mulher que ama, Carolina Larriera (Ana de Armas), Sergio assume uma última missão no Iraque, em Bagdad, recém mergulhada no caos após a invasão americana. A tarefa deveria ser breve mas acabou, quando a explosão de uma bomba fez ruir o edifício da sede da ONU tendo ele sido arrastado pelo desmoronamento, a que se seguiu uma emocionante luta pela vida sob os escombros. Inspirado num personagem real e no evento que o vitimou, “Sergio” é um drama abrangente focado num homem levado aos seus limites físicos e emocionais ao ser forçado a confrontar as próprias escolhas em relação a ambições, família e capacidade de amar.
Em exibição na plataforma Netflix desde 17 de Abril.

Opinião por Artur Neves

Esperado com alguma expectativa, considerando que saía das mãos de um documentarista consagrado, já conhecido pelos seus múltiplos trabalhos neste género, tanto para cinema como para televisão, este biopic hagiográfico resume-se a uma rotunda deceção, não só na sumária descrição dos factos, como na tentativa bacoca de transformar um homem bom, um diplomata competente e astuto num beato santificável por qualquer igreja cristã, retirando-lhe qualquer hipótese de autenticidade na sua atividade profissional.
Após uma breve introdução a história começa com o ataque à sede das Nações Unidas no Iraque, ordenada por Abu Musab Al-Zarqawi, líder da Al-Caeda na altura, que apesar de ter sido desmantelada pelo exército americano deu origem à organização terrorista Estado Islâmico (ISIS). O colapso da parede frontal e da estrutura de betão do Hotel Canal arrastou para a cave alguns ocupantes, entre os quais Sergio Vieira de Mello, que ficou preso sobre os escombros.
É nessa agonia sob o peso das pedras que o retém que Sergio recorda em flashback a sua vida passada, que o filme não respeita a dimensão do diplomata, e afoga as suas revelações políticas em sentimento perdendo-se em múltiplas e recorrentes divagações sobre o seu romance com Carolina (uma economista da ONU de nacionalidade argentina) em todas as latitudes para onde ele se deslocou e teve intervenção.
Conheceram-se no Rio de Janeiro, mas se o argumento nesse ponto pelo menos for fiel ao original, ela acompanhou-o por todos os locais, ou pelo menos encontraram-se em todos os locais onde ele procurou cumprir a sua missão defendendo os direitos humanos. Aliás isso nem sequer é estranho, Sergio estava separado legalmente há mais de quinze anos da sua ex-mulher Annie com quem teve dois filhos, portanto era normal que quisesse refazer a sua vida com quem se identificasse com ele, mas o filme, com Wagner Moura, um ator brasileiro muito frequente em telenovelas a interpretar Sergio, só podia descambar para o romance fácil de cariz telenovelesco.
As missões no Camboja, onde foi o único representante da ONU a estabelecer relações com o Khmer Vermelho, Ieng Sary, (na realidade eles não foram colegas na Sorbonne, como o filme reporta, nem tão foi fácil alcançar o acordo) tendo chegado a um acordo de repatriação de refugiados, ou quando se mostra inflexível contra o branqueamento dos crimes do governo indonésio em Timor Leste, o filme dedica-lhes passagens de raspão, adocicadas mais uma vez pela presença de Carolina e do romance de ambos, onde reafirmam o seu amor com um beijo sob uma chuva torrencial.
Sobre as missões no Bangladesh em 1971, no Sudão e em Chipre, após a invasão turca em 1974, ou em Moçambique, durante a guerra civil que se seguiu à independência do país, em 1975, ou ainda quando integrou a primeira força de paz na Croácia e na Bósnia e Herzegovina, durante as guerras da Jugoslávia, nem uma palavra ou sequer uma menção, provavelmente porque Carolina ainda não estava envolvida com ele e o foco do filme está na história de amor, mais suscetível de render créditos de bilheteira.
Além disso a narrativa do argumento mostra-se frágil, quando não valoriza os múltiplos atentados no Iraque, depois da truculenta intervenção americana que gera clara tensão relacional entre Sergio e Paul Bremer (Bradley Whitford) que representava o presidente George W. Bush no Iraque, devido às profundas divergências de conceito sobre o papel da ONU no conflito.
Sergio não compreende o excesso de utilização da força armada que provoca a violação dos direitos humanos, em confronto com a diplomacia que ele se propõe exercer, e o desenvolvimento desta relação conflituosa poderia ter conferido ao filme a componente intelectual de que tanto necessita.
Esperemos por um futuro remake, que dignifique esta personalidade mundial, ímpar. Por agora fica apenas uma história “em modos de assim…”.

Classificação: 3 numa escala de 10

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