4 de janeiro de 2020

Opinião – “Uma Vida Escondida” de Terrence Malick


Sinopse

Baseado em factos reais, Uma Vida Escondida, o novo filme do visionário realizador Terrence Malick, retrata a história verídica de Franz Jägerstätter, um camponês e objetor de consciência austríaco.
Franz leva uma vida simples, mas gratificante, na quinta da família na aldeia montanhosa de St. Radegund, quando em 1940 é convocado para o treino militar do exército nazi, no início da Segunda Guerra Mundial. Mas Franz é incapaz de dedicar a sua lealdade a uma causa que considera injusta. Uma posição que o colocará em conflito direto com os membros da sua aldeia, com a sua Igreja e até mesmo com a sua família.

Opinião por Artur Neves

Terrence Malick é no mínimo um realizador controverso, ou se gosta ou se abomina a sua obra de tão diferente que se apresenta a sua visão fílmica de assunto para assunto que merece a sua atenção. “A Barreira Invisível” de 1998, sobre a guerra e a impercetível linha que separa os cobardes dos heróis é o meu preferido, não só pelo tema, como pela narrativa intimista com que o aborda, já “A Essência do Amor” de 2012, ou o inefável “Cavaleiro de Copas” de 2015 são na minha opinião duas pessegadas de indescritível pasmaceira, que sob o manto diáfano da contemplação das atitudes humanas e da natureza, exprimem sentimentos.
Desta vez ele aborda um caso real de objecção de consciência de Franz Jägerstätter (August Diehl) um camponês austríaco que morava com sua esposa Fani (Valerie Pachner) e suas três filhas numa aldeia montanhosa que os isolava do mundo e lhes permitia viver idilicamente o seu recíproco perfeito amor, num estágio perpétuo de lua de mel.
A segunda guerra mundial vem gorar a sua felicidade ao convoca-lo para se alistar no exercito nazi. Ele recusa a convocação, bem como, o juramento de fidelidade à causa hitleriana, não obstante ser preso e arriscar a execução por enforcamento como traidor. A sua amada Fani, embora ficando em casa a trabalhar na fazenda, não se livra do escárnio dos outros moradores da aldeia, revoltados pela desobediência a que eles também se viram obrigados a cumprir.
Este é um tema metafísico de um homem comprometido com as suas crenças e com a sua devoção a Deus, que causa perplexidade, porque mais ninguém no mundo se importará com o seu sacrifício ou com a defesa das suas causas, porque a sua atitude não fará grande diferença no desígnio das coisas e até talvez Deus não valorize particularmente a sua postura moral, considerando que Hitler se propunha exterminar o povo judeu e todos os dissidentes dentro do sistema seriam bem vindos.
Aliás, o verdadeiro problema reside na assinatura de um papel em que ele prestaria um juramento de lealdade a Hitler, não o obrigava a lutar, ele poderia desenvolver outra actividade durante a sua permanência no exército, mas Franz recusa-se veementemente a comprometer as suas crenças enquanto a sua amada esposa e os seus filhos sofrem o ostracismo dos vizinhos e a impossibilidade de manter o trabalho na fazenda. Na estética religiosa qual será o maior pecado, assinar o papel e manter para si as suas convicções, ou permitir que Fani e os filhos sofram, pela fanática devoção às suas crenças?...
Todavia, Malick não se prende demasiado a estas devoções de fé e prefere mostrar-nos a beleza da montanha, as paisagens pastorais e a natureza na sua essência que quase se assumem como outro personagem do filme. Detém-se também no amor que os esposos nutrem entre si, nas cartas que escreve para sua esposa e lê em voz alta na prisão, bem como, nas respostas dela, numa comunhão etérea de amor, algo comovente e também pretensioso, porque inútil e irresponsável.
É isto que Malick nos oferece durante 180 minutos, que alegrará os fans, não duvido, mas aos outros, os profanos, onde irão buscar suporte e paciência cristã para o aturar. Que lhes reste a consolação que em 2007 o papa Bento XVI beatificou o verdadeiro Franz Jägerstätter pela sua conduta na guerra que é apenas um degrau abaixo da canonização.
Não poderemos desqualificar a fotografia do filme que é deveras fabulosa, particularmente se vista no cinema em ecrã de grande dimensão e para ela vai 80% da classificação indicada.

Classificação: 6 numa escala de 10

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