9 de dezembro de 2021

Opinião – “Não Olhem para Cima” de Adam McKay

Sinopse

Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma estudante de astronomia, e o seu professor, o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) descobrem um cometa em rota de colisão direta com a Terra. E, para piorar a situação, ninguém mais se parece importar, porque não é fácil informar a humanidade acerca de algo do tamanho do Evereste que está prestes a destruir a Terra. Com a ajuda do Dr. Oglethorpe, Kate e Randall partem numa digressão mediática para falar com a indiferente Presidente Orlean (Meryl Streep) e o bajulador filho e chefe de gabinete desta, Jason (Jonah Hill), e participar num animado programa das manhãs apresentado por Brie (Cate Blanchett) e Jack. Faltam seis meses para o impacto, mas gerir o ciclo mediático de 24 horas e conseguir a atenção de um público obcecado com as redes sociais prova ser chocantemente cómico. O que será preciso para fazer com que as pessoas olhem para cima?!

Opinião por Artur Neves

Como devem estar lembrados, em 23 de Novembro deste ano (2021) a NASA lançou uma nave espacial para colidir com a “lua” do asteroide Didymos, como ensaio da possibilidade de desvio da órbita do sistema planetário constituído pelo asteroide e pela sua lua, para o hipotético caso deste sistema poder entrar em rota de colisão com a Terra, que na altura do lançamento se encontrava a 11 milhões de Km de distância. Cito este facto para ilustrar o quão importante é esta hipótese, que constitui uma preocupação central para várias entidades oficiais, a avaliação da possibilidade de sermos atingidos por um asteroide errante na imensidão do espaço galáctico.

É este mesmo assunto descrito na sinopse, que constitui o tema central deste filme que Adam Mckay dirigiu, aproveitando-o para construir uma magistral caricatura da sociedade atual, contemplando todas as vertentes condicionantes dos nossos atos, desde a política, ao consumismo e ao apelo social do marketing para que consumamos mais, às redes sociais e ao seu impacto de abrangência global, aos mídia e à sua forma de comunicação como meio de influenciar a nossa opinião, (em 2004, Adam Mckay realizou o filme “O Repórter: A Lenda de Ron Burgundy”, uma crítica sobre o jornalismo em direto na época, que pode servir de reflexão para a forma como o mesmo jornalismo evoluiu durante estes 17 anos) o valor relativo que as diversas instâncias do poder conferem à ciência e aos cientistas, o rigor e o formalismo da hierarquia militar que nem sempre, aliás, nunca é como ingenuamente pensamos pelo que nos fazem crer no rigor das paradas militares e finalmente, o real e inultrapassável poder do dinheiro, que com o sexo são os vetores do verdadeiro poder e as verdadeiras molas reais da sociedade. Reconheço ainda que embora sendo tudo conceitos gastos e conhecidos, a forma como Adam Mckay os faz interagir neste filme é verdadeiramente competente e realista, desenhando uma caricatura onde revemos todos os nossos defeitos como modelo social.

Aliás este tema da destruição da terra por um asteroide já foi utilizado em 1998, no filme “Armagedom” com um Bruce Willis embalado pela aura de herói obtida com saga “Die Hard” e o domínio relativo da nação americana nos diferentes conflitos bélicos em que se envolveu e na ordem mundial que subliminarmente foi instituída com o seu poder, bem como o elogio e o culto dos heróis, pelo que recomendo a atenção do espectador para o “herói” que desta vez foi escolhido neste filme para um primeiro ataque ao asteroide invasor. É fantástico observar a mutação dos valores ao longo de tempos, como o que atravessamos e em que a tecnologia se vai sobrepondo como obreira de magias anteriormente inimagináveis. Neste campo temos também uma excelente caricatura da Apple, do seu Iphone e do seu criador, que no filme é escalado para outros níveis de poder e influência.

Toda a história está muito bem concebida e desenvolvida com personagens que nos lembram “pessoas conhecidas”, através de episódios que não me repugna aceitar estarem associados ao ritmo normal da presidência dos USA, bem como à normalidade das campanhas eleitorais e dos seus objetivos de poder. Aliás, o nome do filme, que respeita integralmente o título original “Don’t Look Up”, refere-se ao slogan da campanha eleitoral intercalar para a presidência numa altura em que já não é mais possível negar a existência de um asteroide em rota de colisão com a Terra (basta olhar para o céu) e que ainda assim o candidato principal pede aos eleitores apoiantes que não olhem para cima e olhem em frente, para o progresso, para o futuro que eles sabem não ter possibilidade de continuar a existir. É fantástico apreciar como se tenta ocultar com propaganda uma evidência insofismável através de promessas bacocas para uma amanhã que já não existirá.

Todo o filme é fabuloso e no final, quando começarem a surgir os créditos finais, não devem abandonar logo a sala, porque existe um curto epílogo passado 22700 anos depois do cataclismo que exterminou a nossa civilização. É uma caricatura muito bem conseguida, inteligente, astuta, divertida, certeira nos pormenores que sublinha e que me surpreendeu significativamente considerando a classificação que pela primeira vez achei justo atribuir. Recomendo sem a mínima reserva.

Em exibição nas salas portuguesas desde ontem, 08 de Dezembro.

Classificação: 10 numa escala de 10

 

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