16 de abril de 2021

Opinião – “Mais uma Rodada” de Thomas Vinterberg

Sinopse

Existe a teoria que o ser humano deveria nascer com uma pequena quantidade de álcool no sangue e que a embriaguez moderada abre as mentes para o mundo ao nosso redor, diminuindo os problemas e aumentando a criatividade. Atentos a esta teoria, Martin e três dos seus amigos, professores cansados do ensino secundário, embarcam numa experiência para manter um nível constante de intoxicação durante o dia de trabalho. Se Churchill venceu a Segunda Guerra Mundial ébrio, quem sabe o que alguns copos podem fazer por eles e pelos seus alunos? Os resultados iniciais são positivos e o pequeno projeto dos professores transforma-se num verdadeiro estudo académico. Mas rapidamente fica claro que a experiência, ainda que interessante, traz consequências.

Opinião por Artur Neves

Quem não sentiu que aquele copito a mais lhe libertou a imaginação, a fluência verbal e a boa disposição numa reunião de amigos?... se não sentiu é porque não se conhece, é demasiadamente contido ou tem medo de revelar a si próprio a sua autenticidade reprimida. É disto que trata esta história muito bem realizada por Thomas Vinterberg, já nomeado para o prémio de melhor realizador e interpretada por um Mads Mikkelsen ao seu melhor nível que neste desempenho revela-nos um personagem profundamente humano com todas as suas misérias, tristezas e desencantos, intercaladas por momentos de pura euforia e felicidade. Qual das duas é a verdadeira essência humana?... ou será que ambas fazem parte de um todo harmónico e perfeito?...

Mads Mikkelsen é Martin, um professor de História, de aparência triste e taciturna que não consegue empolgar os seus alunos para a matéria versada nas aulas ao ponto que a classe reclamar dele junto da diretora manifestando o seu receio de impreparação para o exame de qualificação a que serão sujeitos no final do ano. Todavia ele não é incompetente, é somente chato e desinteressante no seu trabalho escolar. E casa, sua esposa Anika (Maria Bonnevie) dá-lhe uma resposta evasiva mascarada de gentileza, quando ele lhe pergunta se se tornou chato. A sua pergunta porém não é inocente porque ele notou que ela aceitou todos os turnos de trabalho em horário noturno, em que ele está em casa, possivelmente para não se encontrarem. Os dois filhos do casal vegetam em frente à televisão e olham-no sem realmente o verem. Ele tornou-se estranho, ou todos eles tornaram-se estranhos para ele e isso preocupa-o e tolhe-lhe a possibilidade de se sentir feliz, afogando-se na sua monotonia.

Durante uma festa de aniversário com colegas professores na mesma escola, o aniversariante, Nikolaj (Magnus Millang) sugere a todos a realização de uma experiência para análise da teoria de Finn Skårderud, um psicólogo norueguês real, que postulou que o organismo humano tem naturalmente um deficit de álcool, pelo que todos deveriam promover a si próprios um nível controlado de alcoolemia como forma de serem mais produtivos e mais felizes. Aqui, o filme apresenta situações reais de líderes mundiais, tais como; Brejnev, Clinton e outros que se apresentaram em público no desempenho das suas funções visivelmente alcoolizados.

A proposta soa a revelação para Martin e os outros dois amigos; Peter (Lars Ranthe) e Tommy (Thomas Bo Larsen) sucumbido por um processo de divórcio que aderem á sugestão para testar a teoria. Nos primeiros tempos os resultados são estimulantes e os ligeiros excessos verificados servem de gaudio e distração para todos. Martin consegue mesmo emergir do seu torpor diário tornando-se melhor professor, pai e marido, apresentando melhor desempenho geral, conseguindo até certo ponto derrubar os escolhos da sua própria melancolia.

Todavia, os efeitos perversos desta terapêutica começam a notar-se quando Martin caminha cambaleante contra as paredes e o stock de garrafas de Tommy, professor de ginástica, é descoberto no balneário do ginásio da escola, tornando-se esta história num sério aviso ao consumo excessivo de álcool. Martin percebe ainda que o entorpecimento pelo álcool não elimina as dores interiores, nem resolve os problemas familiares que existem.

Depois de várias demonstrações do efeito nocivo do excesso de álcool, da morte solitária do seu amigo Tommy, Vinterberg esforça-se por nos apresentar um final inesquecível numa festa de final de curso com os alunos daquele ano, em que Mikkelsen mostra os seus dotes de dançarino desde os tempos de juventude em que praticou ballet. Martin move-se com ligeireza, girando no ar e pulando numa expressão de alegria exultante projetando o resultado da lição aprendida e concluindo num voo para o rio na orla de Copenhaga, num dos melhores filmes do ano já nomeados para o Óscar de 2021. Muito interessante a não perder, com estreia prevista em 29 de abril nas salas portuguesas.

Classificação: 8 numa escala de 10

 

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