23 de março de 2021

Opinião – “Cherry – Inocência Perdida” de Anthony Russo, Joe Russo

Sinopse

"Cherry" segue a jornada selvagem de um jovem desprivilegiado de Ohio que encontra o amor de sua vida, apenas para arriscar perdê-la por meio de uma série de decisões erradas e circunstâncias de vida desafiadoras. Inspirado no romance best-seller de mesmo nome, "Cherry" apresenta Tom Holland no como um personagem desequilibrado que deixou a faculdade para servir no Iraque como médico do Exército e só é ancorado por seu único amor verdadeiro, Emily (Ciara Bravo). Quando Cherry retorna para casa como um herói de guerra, ele luta contra os demônios de PTSD não diagnosticado e se torna viciado em drogas, cercando-se da companhia de desajustados depravados. Gastando o seu dinheiro na compra intensiva de drogas, Cherry se volta para o assalto a bancos para financiar seu vício, quebrando seu relacionamento com Emily ao longo do caminho.

Opinião por Artur Neves

A história que está na base deste filme assenta no romance semiautobiográfico publicado em 2018 de Nico Walter, veterano do exército dos Estados Unidos, escrito por este quando cumpria uma pena de prisão por assalto a bancos, tal como o protagonista deste filme realizado pelos irmãos Russo, que ao vê-lo, ocorre-nos pensarmos se já vimos aquela história, bem resumida na sinopse, mas melhor concebida e apresentada, como em; “Nascido para Matar”, de 1987 por Stanley Kubrick, ou “Máquina Zero”, de 2005 por Sam Mendes.

Uma breve pesquisa no IMDB revela-nos ainda que os irmãos Russo são os responsáveis pelos mais recentes filmes de Super Heróis, tais como; “Capitão América: O Soldado do Inverno”, de 2014 ou o mastodôntico e espalhafatoso “Vingadores: Endgame” de 2019, sem andar mais para traz, onde a Marvel decidiu duma penada acabar com todos os Super Heróis que tinha porfiadamente construído ao longo de vários anos em vários suportes, passando pelo papel e pela banda desenhada e culminando no cinema com pessoas reais, onde se sagraram campeões do cinema populista, que gera chorudos proventos de bilheteira, arrastando uma extensa corte de espectadores fieis, devotos de criaturas de ficção com super poderes, que não são mais do que a fictícia compensação para as fraquezas e frustrações dos seus adeptos.

Terminado o filão (temporariamente!… porque não acredito que a Marvel aliene a sua galinha dos ovos de ouro) Anthony e Joe Russo voltam-se agora para o cinema do real, de pessoas com problemas, traumas de guerra (PTSD – Transtorno de stress pós traumático) e dores de alma que os hão de levar à destruição de si próprios e de quem os cerca e filmam a história com todos os traços de epopeia que lhes ficou dos seus anteriores trabalhos. São as caraterizações ricas em pormenores dos estropiados em combate, os grandes planos do sofrimento de guerra e posteriormente, da degradação pelo vício da heroína. São os planos monocromáticos de pânico e solidão das vítimas em plena trip da droga, completos farrapos da sua dependência destruidora. É uma profusão de miséria e de degradação que se espalha pelo zoo de criaturas que os cercam, mas pasme-se, nós não sentimos que corresponda à reprodução real da degradação que quer transmitir.

“Cherry” começa pelo amor fulminante entre ele e Emily que são colegas na faculdade que frequentam em Cleveland, casam-se e são separados pela guerra do Iraque, onde o filme pretende denunciar o modo como a América trata os seus jovens, os seus soldados e os seus veteranos. A sinopse reporta que Cherry é médico, mas o filme informa-nos que ele é paramédico formado à pressão sobre bonecos insufláveis, ou modelos rígidos que só remotamente os elucidam para os ferimentos em teatro de guerra. Todavia, os meios técnicos utilizados na batalha, no Iraque são de relevo com drones que capturam pormenores recônditos e lentes olho de peixe para tomadas de vista deformadas e extravagantes que nos apresentam sequências monocromáticas ou a preto e branco de uma realidade só existente na mente dos personagens.

Tom Holland tem aqui a sua oportunidade para se despedir e se “despir” do Spider Man que o perseguiu nos últimos tempos, considerando que já mostrou assinalável qualidade de desempenho dramático em “Sempre o Diabo” de 2020, já apreciado neste blogue. Agora veste a pele de um veterano com dificuldade de adaptação ao mundo real no regresso da guerra do Iraque ao Ohio e nos mostra o falhanço das instituições que falharam com ele, tal como o exército, o governo com a sua política desastrosa e os bancos, pela sua cultura de crueldade, somente voltados para o lucro e indiferentes à epidemia de dependentes de opióides que geraram bem como, todos os serviços sociais de apoio, que distribuem oxicodona para terapia de problemas muito mais profundos.

É uma mistura de problemas muito complexos que nos acompanham por 141 minutos em que ficamos ligados a um protagonista anti herói que nos mostra as fraquezas e os desencantos da maior economia mundial e que merece ser visto apesar da sua extensão.

Em exibição na plataforma Apple TV

Classificação: 6 numa escala de 10

 

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