27 de fevereiro de 2020

Opinião – “Para Sama” de Waad Al-Kateab e Edward


Sinopse

Para Sama é simultaneamente uma viagem íntima e épica pela experiência feminina da guerra. Uma carta de amor de uma jovem mãe para a sua filha, o filme conta a história de vida de Waad al-Kateab durante cinco anos de revolta em Alepo, na Síria, ao mesmo tempo que se apaixona, se casa e tem a filha Sama, tudo enquanto o conflito devastador cresce à sua volta. A sua câmara captura histórias incríveis de perda, alegria e sobrevivência enquanto Waad luta com uma escolha impossível – fugir ou não da cidade para proteger a vida da filha, quando sair significa abandonar a luta pela liberdade, pela qual já sacrificou tanto.

Opinião por Artur Neves

A revolução Síria é um conflito interno que opôs a generalidade da população contra o presidente Bashar al-Assad que se arroga ao direito divino de suceder ao seu pai, Hafez al-Assad que ocupou o poder durante 30 anos, e governa o país com mão de ferro á 10 anos. A inicial luta de poder alargou-se para domínios de natureza sectária e religiosa incendiando a rivalidade entre Xiita e Sunitas. Os protestos populares começaram em Janeiro de 2011 pelo que esta guerra civil já conta mais de 9 anos de duração.
Este documentário reporta a destruição de Alepo, segunda cidade do país a seguir a Damasco, capital da nação Síria, através de mais de 500 horas de filmagens dos bombardeamentos e combates na cidade efectuados pelo exército regular sírio, apoiado pela Rússia que apoia Bashar al-Assad na sua sangrenta luta pelo poder, sem respeitar a população civil a quem acusa de terroristas.
As filmagens foram feitas por Waad al-Kateab, jornalista autodidacta que mantinha ligação com a distribuição de notícias na televisão independente da Grã-Bretanha. As filmagens foram inicialmente feitas com smartphone e posteriormente com uma Handycam Sony como pode ver-se no filme. Waad é casada com Hamza, médico no único hospital em funcionamento em Alepo e activista político numa facção resistente ao governo central.
O casal e a filha Sama já abandonaram Alepo, pouco antes da tomada da cidade pelas forças do exército regular, tendo levado consigo para o exterior os discos com todo o material filmado, vivendo actualmente em Londres onde preparou o presente documentário com a ajuda do Channel 4, moldando-o neste filme, que documenta a destruição sistemática da cidade.
O filme é narrado pela autora num tom pausado e dramático sobre as imagens e os sons da guerra e destruição a que assistiram ou que filmaram, deixando a câmara em funcionamento e ausentando-se por segurança dos locais. O filme inclui os acontecimentos até 5 anos antes da destruição de Alepo que nos são apresentados como flashbacks que contrapõem a situação actual onde se desenrola a maior parte do documentário.
Em todo o filme Waad reporta os casos individuais da morte de pessoas que chegam ao hospital com as mais variadas feridas de guerra e das condições de assistência que lhe são prestadas, por pessoal dedicado, mas sem meios suficientes para as salvar. É a parte mais dura do filme em que vemos crianças estropiadas, com feridas na cabeça, ou mesmo já mortas e que os familiares que as transportaram não identificaram.
A filha, Sama surge aqui como a depositária da esperança que os anima e o objectivo de vida futura pelo qual eles lutam e morrem todos os dias em Alepo. Sama, além de filha deles é filha do hospital, por corporizar a razão de toda a dedicação ao próximo e também a expiação pelo facto de a terem trazido para um mundo em desagregação.
Este filme foi nomeado na classe de documentário para os prémios BAFTA e embora não o tendo ganho constitui um testemunho ocular de um regime que continua em guerra com o seu povo, que mesmo sendo sujeito a um banho de sangue conserva as sementes da esperança.

Classificação: 5 numa escala de 10

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