18 de dezembro de 2019

Opinião – “O Irlandês” de Martin Scorsese


Sinopse

O Irlandês conta a história de Frank Sheeran "The Irishman", um sindicalista e veterano da Segunda Guerra Mundial que se torna num assassino a soldo para a máfia. Agora velho, e incapacitado numa cadeira de rodas, Sheeran começa a refletir sobre os eventos que definiram a sua carreira no mundo do crime organizado, no seu envolvimento com a família Bufalino, e nas suas escolhas e ações que tiveram um papel decisivo no desaparecimento do seu amigo de longa data, o líder trabalhista Jimmy Hoffa.

Opinião por Artur Neves

Mais um filme que só pode ser visto na plataforma de streaming Netflix. Até agora já conseguiu 5 nomeações ao prémio de melhor filme na categoria de “drama”. No conjunto de 3 das suas realizações para a cerimónia 77º dos Golden Globe Awards, de 5 de Janeiro 2020, conta já com 17 nomeações para a mesma categoria, sendo o terceiro filme; “The two Popes” a estrear em 20 de Dezembro no Reino Unido, merecedor de 6 nomeações. Isto pode significar uma mudança de paradigma para a indústria da sétima arte, que não é um mal em si mesmo, mas que exige alguma adaptação dos espectadores e de outros meios técnicos para usufruir de idêntica qualidade de visionamento numa sala de cinema.
A história é contada como sendo as memórias de Frank Sheeran (Robert de Niro) no final da sua vida, retido numa cadeira de rodas numa casa de repouso, em que ele se confessa a um padre ou fala para si, não interessa, porque o importante é o facto dele, agastado pela idade e sem interesse em ser considerado como herói ou vilão, recorda a sua vida duma maneira que compreendemos que interferiu na vida de todos os americanos sem que na altura eles se tivessem apercebido.
Como certa crítica internacional tem referido, este é o filme cúpula da obra de Scorcese, ao que eu me permito discordar, considerando antes a ilustração do prazer perverso que ele tem em mostrar o pecado humano, bem como, a sua consequência na alma humana, (veja-se “Taxi Driver”) construindo inexoravelmente um ato final assombrado pela velhice, pela incapacidade física e pelo arrependimento, com a mesma indiferença com que cometeu os atos agora recordados.
A história do filme decorre durante uma viagem de Sheeran e Bufalino (Joe Pesci) com as suas esposas para um casamento em Detroit em 1975, enquanto em longos flashbacks e paragens em lugares significativos para ambos, conhecemos a lenta ascensão de Frank Sheeran na irmandade mafiosa em que Bufalino era o seu mais destacado representante. O filme conduz-nos como observadores discretos ao longo da vida destes dois homens, dando-nos todos os elementos significativos, sem sobressaltos nem violência excessiva, mostrando-nos também a facilidade com que Martin Scorcese manipula com suavidade os elementos do cinema, tornando a narrativa totalmente absorvente.
É fácil imaginar que ambas as linhas da história hão de encontrar-se algures, mesmo após a entrada de Jimmy Hoffa (Al Pacino) o chefe dos Teamsters Union (sindicato dos motoristas dos USA e Canadá) que comportamentalmente se situa nos antípodas de Frank e Sheeran. Hoffa é truculento, excessivo, extrovertido, fácil de irritar tanto por amigos como por inimigos e todavia muito chegado a eles. É Frank que estabelece uma ponte de ligação com o sóbrio Bufalino (como o poster do filme pretende representar) apesar de ter estabelecido com Hoffa uma sólida amizade baseado no respeito mútuo e na entreajuda.
A história baseia-se no livro "I Heard You Paint Houses", de Charles Brandt (Eu ouvi você pintar casas) que se refere à primeira conversa entre Frank Sheeran e Hoffa, que segundo um código da máfia significa; “ouvi você matar pessoas” sendo a “tinta”, as pingas de sangue nas paredes resultantes do disparo de balas contra um corpo. Todavia, Scorcese não está muito interessado em contar-nos o desenrolar desses eventos que tiveram uma investigação detalhada no caso do assassinato de Jimmy Hoffa e um processo legal longo, mas antes mostrar-nos o apagamento lento da humanidade do personagem “O Irlandês” (Frank Sheeran) e dos seus colegas de organização do crime, homens sem consciência que dificilmente merecem a classificação de homens. Isso é magistralmente conseguido neste filme por Frank que, de zeloso e competente encarregado de missões de morte, se transforma num ser mecânico obediente, sem alma, sentido crítico ou humanidade. Muito bom, recomendo vivamente.

Classificação: 9 numa escala de 10

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