6 de julho de 2019

Opinião – “RAN – Os Senhores da Guerra” de Akira Kurosawa


Sinopse

Este grandioso filme de Akira Kurosawa adapta a peça Rei Lear aos temas e ambientes do Japão Medieval, com o episódio de um velho guerreiro que decide repartir as suas terras pelos três filhos, desencadeando uma luta de poder entre os irmãos, que termina de forma trágica. Da mestria de Kurosawa resulta uma extraordinária e excêntrica fusão entre um dos maiores clássicos literários do ocidente e um estudo minucioso da história do Japão do século XVI.
Para fazer da peça de Shakespeare um detalhado fresco de uma época histórica, Kurosawa não só lhe introduz diversos elementos estilísticos do teatro Nô, como se apropria do seu enredo e o radicaliza tornando-o muito mais extremo que o original, demostrando assim a verdadeira universalidade deste clássico.
Ao longo de 10 anos, Kurosawa estudou de forma minuciosa aquela época – os gestos, o vestuário, os adereços, a arquitetura – para os transpor para o filme e, antecipando o agravamento da sua perda de visão, preparou um storyboard detalhado, a partir do qual a sua equipa soube exatamente como filmar cada cena de RAN. Esta grandiosa produção, pela forma tão cuidadosa e precisa como foi pensada e realizada, resulta num inesquecível espetáculo visual, rico na sua dramaturgia e detalhes, e foi amplamente premiada, nomeadamente com o Óscar para melhor figurino e vários BAFTA.

Opinião por Artur Neves

Em boa hora o Cinema Ideal, pela mão da distribuidora Midas Filmes, vai repor em versão restaurada 4K o filme RAN de Akira Kurosawa que foi estreado em Portugal em Novembro de 1986 e nos permitiu apreciar uma obra de arte da “Terra do Sol Nascente”, que é o que literalmente significam os carateres identificadores do Japão, na língua japonesa.
Tal como a sinopse largamente descreve, RAN conta a tragédia Inglesa escrita em 1605 por William Shakespeare, em que o idoso rei da Bretanha enlouquece, depois de ter sido traído por duas das suas três filhas, após ter legado em vida, o seu reino e de se ter despojado dos seus direitos e poder, de uma maneira gratuita e insensata.
A obra foi escrita para teatro e o grande mérito de Kurosawa reside no trabalho de investigação e adaptação à cultura japonesa de um trabalho inspirado em antigas lendas britânicas, escrito para o rei Jaime I de Inglaterra, Escócia e Irlanda.
Este facto é importante porque comprova a semelhança de comportamentos, ambições e desejos comuns à espécie humana, oriundos de culturas profundamente diferentes e com diferentes códigos sociais, com diferentes formas de procurarem atingir os seus objetivos em contextos tão diferentes como o Japão imperial e a Inglaterra monárquica.
A Kurosawa coube então a arte e o engenho de caracterizar e justificar os atos relatados na peça ao contexto da época imperial, revestindo-a e valorizando-a com os detalhes de conduta nas relações sociais da época, bem como, com as sangrentas batalhas entre os irmãos desavindos, embora seguindo regras rígidas de confrontação em combate, pautadas por convenções de ética e de honra que nos espantam.
Por incompatibilidade de agenda e para grande pena minha, não assisti ao visionamento do filme restaurado e para o recordar, servi-me do meu velhinho DVD, e extrapolei mentalmente o que deve ser, em termos de espetáculo, o upgrade para o formato 4K, não só no detalhe da imagem como na coloração do vestuário. Em qualquer dos casos é um filme imperdível que recomendo com veemência.

Classificação: 8 numa escala de 10

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