28 de fevereiro de 2016

Opinião - "Quo Vadis", de Henryk Sienkiewicz



Título: "Quo Vadis"
Autor:  Henryk Sienkiewicz (Tradução: Daniel Augusto Gonçalves)
Editora: Livraria Civilização Editora 

Sinopse:
"Henryk Sienkiewicz foi um jornalista polaco que recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1905 pelos seus "excelentes méritos enquanto escritor épico".
Em Quo Vadis, o autor ilustra o conflito das ideias morais no seio do Império Romano - um conflito que provocou a queda da imoralidade pagã e permitiu ao Cristianismo tornar-se a força dominante da história. Este romance pungente fala do amor que nasce entre uma jovem cristã, Lígia, e um romano pagão, Marco Vinício. Tem lugar na cidade de Roma sob o regime do brutal imperador Nero.
O conflito descrito em Quo Vadis sempre foi de grande interesse para uma vasta audiência de leitores.Quo Vadis é a obra-prima intemporal de Sienkiewicz e foi traduzida para mais de cinquenta línguas

Opinião por João Barradas:
Num estilo épico, sem versos mas com a mesmas lírica  de outras ancestrais epopeias, esta é a narrativa do cristianismo primordial, tão apaziguante quanto sofredor, na luta pela difusão da palavra de um Deus único, omnipotente e omnipresente.
Acompanha-se a edificação, pedra sobre pedra, da religião da felicidade simples personificada por esse Deus, símbolo da virtude essencial, do verdade eterna e da amor universal. Como só esse amor poderá dar acesso a esse sentimento tão vital, duas pessoas de origens diferentes e credos díspares, experimentam o bater síncrono dos corações (trespassados pela seta não do cupido mas dos desafios da vida cristã), num amor apenas superado pelo amor a Deus, o Pai a quem se ora para desafogar a saudade que oprime o coração pela distância interposta por esse oceano de perdão, onde peixes, sorridentes e afortunados, aguardam por ser pescados.
Contudo, tal fé coloca em causa o estatuto divinal de um imperador tirano que, convertido a um hipotético onanismo “intelectual”, advoga um desapego total pela vida humana em prol de um prazer cultural idílico, sempre desafiando a morte merecida mas fugidia. Como resposta déspota, semeiam nos mentecaptos cosmopolitas o preconceito pelos cristãos (que devassam, violam mulher alheia e raptam crianças), tornando-os culpados da vilania imperial, levada a cabo por um louco que, pela divinização da arte, despoja o mundo de outras necessidades, condenando-o a uma pena capital.
Para a fortificação desta nova religião e “juntar mais achas para a fogueira” da piromania imperial, abundam episódios reveladores da mesquinhez da Roma augusta: onde, na arena da praça pública, todos se degladeiam contra todos, numa guerra auto-proclamada para vitória do próprio umbigo, em detrimento do sofrimento de inocentes. Mas, o lema mais que esperado a tão paupérrima doutrina, baseada na bajulação que faz uma pessoa e no dom da palavra baseado numa retórica barata, não poderia ser outra que não “o sorriso de hoje mascara a angústia do amanhã”.
Como forma de abrilhantar tão formosa narrativa, integrante do Plano Nacional de Leitura, existem momentos de extrema beleza que se coadunam a uma obra de requinte, como as fantásticas descrições dos espaços românicos, o escalpelizar das raízes do Cristianismo com a mistura “quanto baste” da tão interessante Mitologia greco-romana e a presença de frases marcantes, de que é exemplo: “a música é tão incompreendida como o oceano, não conseguimos avistar a outra margem mesmo que nos postemos no litoral”.
Nos recônditos da mente, fica uma história real que revela, por um lado, que a vilania pode deturpar a visão do mundo mas, por outro, que a bondade pode vencer mesmo com o seu fim aclamado pela multidão pois a força da mentira será subjugada pelo poder do perdão e, tal como o dia começa com a noite, a “vida” poderá começar com a morte.

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